Por Marcio Baraldi - BIGORNA.NET
Um raio-x completo na carreira do maior fenômeno do Quadrinho pornô brasileiro em todos os tempos
Se você tem mais de trinta anos com certeza deve se lembrar (e como esquecer?) das famosas “revistinhas de sacanagem” que nos proporcionaram tantos momentos felizes no banheiro e coloriram nossa adolescência. Mais conhecidas como “catecismos”, essas revistinhas de bolso, que eram sempre mal escritas, mal desenhadas, mal impressas - e muito bem vendidas por baixo dos panos -, foram uma verdadeira onda cultural subterrânea que assolou o Brasil, do fim dos anos 1950 até o fim dos 1970. Até hoje ainda existem, mas com a abertura política em 1979 e a liberação das revistas de sexo explícito mais sofisticadas, os catecismos perderam sua força original. Seu auge foi nos anos 1960. Numa época em que, no Brasil, o sexo explícito era proibido até em sonho, inúmeros autores anônimos produziam centenas de histórias pornôs, criando um verdadeiro bastião da sacanagem.
O homem invisível que fez o país gozar
Logo, um dos autores dessa trincheira erótica se destacou: seu pseudônimo era Carlos Zéfiro; e, depois dele, o Quadrinho erótico nacional nunca mais seria o mesmo! Zéfiro trouxe o conteúdo que faltava aos catecismos; seu texto era interessante, rico em detalhes e, sobretudo... realmente excitante! Se, com os outros autores você descabelava o palhaço alegremente, com o Zéfiro o circo armado pegava fogo! Era orgasmo garantido ou seu dinheiro de volta! O maior trunfo de Zéfiro era saber criar um enredo com a cara do Brasil. Nas suas histórias não faltavam as fantasias e situações típicas do brasileiro, como o sujeito que transa com a mãe e a filha ao mesmo tempo, o que casa e depois traça a cunhada, o caminhoneiro que transa na boléia, a empregada doméstica, puteiros, o caipira, homem com homem, mulher com mulher, surubas e, principalmente, muitos cornos alegres e saudáveis para todo mundo. Tudo descaradamente brega, mas muito gostoso e desencanado!
Tudo isso era distribuído num festival de posições sexuais capaz de aposentar o Kama Sutra. E naturalmente em suas HQs nunca faltava aquele que, na época, já era a preferência nacional: o sexo anal. Olhando hoje, depois da liberdade sexual vivenciada nas últimas décadas, Zéfiro pode parecer água-com-açúcar, mas não é! Nos anos 1960, em plena ditadura militar, Zéfiro desafiava a repressão espalhando clandestinamente pelo território brasileiro suas revistinhas deliciosamente explícitas tais quais minas eróticas, prontas para explodir o moralismo verde-oliva do horroroso governo militar. Era um verdadeiro guerrilheiro erótico invisível, chutando o balde do conservadorismo e fazendo o brasileiro gozar de norte a sul do país! Zéfiro retratava um sexo livre e sem culpa e era quase um herói nacional da rapaziada. E ao mesmo tempo completamente desconhecido! Ninguém sabia quem ele era, onde morava, de onde vinha... Um mistério total!!!
O Anti-estilo
Como desenhista, Zéfiro não era exatamente o que poderíamos chamar de bom; suas figuras humanas eram todas decalcadas na cara dura de fotografias eróticas ou de personagens de Quadrinhos “normais” que Zéfiro despia, modificava os rostos e adaptava para seus gibis. Seu completo anonimato o permitia fazer qualquer trambicagem para montar sua própria história. Zéfiro seria um perfeito picareta se não tivesse um texto brilhante e conseguisse transformar aqueles “trechos” de outras obras em uma nova e original obra. Antes mesmo de inventarem o “sampler” Zéfiro já sampleava a torto e a direito! Ô cara avançado!... Muitas vezes ele usava a mesma cena em vários catecismos diferentes. Bastava mudar a cor do cabelo da mulher ou pôr um bigode no homem e pronto, já era outro casal numa outra história! No entanto, apesar das gambiarras e da anatomia capenga, seus desenhos possuíam um charme particular. De tanto não ter estilo, acabou adquirindo um “anti-estilo” próprio e marcante. Tão marcante que virou escola, fazendo surgir inúmeros clones que passaram a copiá-lo. Sua genialidade o fez passar rapidamente de copiador para copiado. Era o sampler do sampler, vejam só! Houve até quem tentasse se fazer passar por ele, mas isso só servia para aumentar ainda mais as dúvidas sobre sua verdadeira identidade. Zéfiro era tão mítico que chegou a virar sinônimo de seu produto. O leitor ia na banca e não pedia um catecismo, pedia um ZÉFIRO!!!
Enfim desmascarado!!!
Zéfiro produziu mais de 800 catecismos entre o final dos anos 1950 e início dos 1970. Na década de 1980, já com o fim da censura, seus trabalhos antigos continuaram a ser reimpressos por diversas editoras. Livros, artigos e até teses de mestrado foram escritos a seu respeito, porém, nunca mais aparecerem novos trabalhos dele. Teria Zéfiro morrido? A resposta só chegaria em novembro de 1991. Em uma antológica matéria para a revista Playboy, o professor e especialista em Quadrinhos Moacy Cirne, depois de muitas investigações, revelava finalmente ao Brasil a identidade secreta do mitológico desenhista: seu nome era Alcides Caminha! Um ilustre desconhecido? Nem tanto. Como se não bastasse ser o homem que registrou de forma brilhante e criativa a sexualidade do povo brasileiro por três décadas, Caminha também era um compositor de mão cheia. Foi parceiro de Nélson Cavaquinho em canções como Notícia (1954), gravada pelo sambista Roberto Silva, Capital do Samba (1956) e A flor e o espinho (1956), gravada por Eliseth Cardoso.
Boêmio convicto, este carioca dividiu parte de sua vida com os amigos músicos e com muitas mulheres. Amava tanto o sexo que tornou-se um dos seus mais originais e inventivos cronistas. Funcionário público, produziu sua obra erótica sem o conhecimento dos colegas do trabalho até se aposentar, e por mais de trinta anos escondeu-se da mídia, temendo ser demitido ou perder a minguada aposentadoria caso fosse “descoberto”. Caminha chegou a receber um Troféu HQ Mix pela importância de sua obra, entregue pelo cartunista Ota, editor da revista MAD, mas por uma ironia do destino faleceu exatamente no dia seguinte à entrega do prêmio, em julho de 1992, aos 70 anos de idade. “Faleceu” entre aspas, porque Caminha era Carlos Zéfiro e Carlos Zéfiro é como o próprio tesão, não morre jamais! Punhetas pra ele que ele merece!!!
Onde encontrar Zéfiro
A importância de Zéfiro é tão grande para a cultura brasileira que ele já virou capa do CD Barulhinho Bom, da cantora Marisa Monte, já foi enredo de escola de samba e virou point cultural no Rio de Janeiro. Agora você pode matar as saudades ou travar contato inicial com sua obra através das reimpressões de seus catecismos que o sebo carioca A Cena Muda está colocando a venda através de seu site. Também vale muito a pena procurar por dois livros que registraram e analisaram a obra zefiriana com muita competência: O Quadrinho Erótico de Carlos Zéfiro (imagem acima), de Otacílio D’assunção Barros, editora Record, e A Arte Sacana de Carlos Zéfiro, de Joaquim Marinho, Editora Marco Zero.
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