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segunda-feira, 18 de julho de 2011

COMO FOI: Milo Manara em São Paulo


Mestre italiano dos quadrinhos, Milo Manara, esteve em São Paulo para a abertura da exposição com suas obras. Apesar de não ter realizado a sessão de autógrafos, alegando motivos de saúde, o evento foi uma oportunidade única para os fãs
No dia 18 de novembro, a cidade de São Paulo recebeu o cultuado e um dos maiores mestres de arte erótica em quadrinhos, o italiano Milo Manara, na Oficina Cultural Oswald de Andrade.
Manara veio para a abertura da exposição Uma Via Chamada Desejo, que traz para o público 100 obras do mestre italiano, com obras originais, ilustrações e pinturas a óleo que poucas vezes foram expostas com as belíssimas pinups que só Manara sabe fazer. A exposição permanece em cartaz até 11 de dezembro.
Mas para os fãs de Manara a grande atração não foi ver apenas a exposição e sim ter a oportunidade de participar do bate-papo com o quadrinhista que estava marcado para as 19h. Uma hora Manara conversou exclusivamente com jornalistas de diversos veículos, e o Impulso HQ esteve lá para conferir a coletiva.
Para a imprensa Manara começou falando da trajetória de sua carreira, e das pessoas que encontrou ao longo dela e que marcaram a sua vida como Hugo Pratt e Federico Fellini, e que tudo que ele construiu e resultado de uma série de eventos. Basicamente ele pontua o início de sua carreira no ano de 1968, quando ele fazia parte de um grupo de estudantes que faziam protestos contra o modo que a arte chegava ao público.
Manara deixou claro que como qualquer jovem da época ela acredita que tudo era política e que poderia ser resolvido com manifestações e empurra-empurra, ainda mais sendo de esquerda como ele mesmo declarou. E foi por isso que ele escolheu os quadrinhos como forma de expressão.
O mestre italiano que explicou que na sua visão os quadrinhos estão bem mais próximos do cinema do que fotografia e pintura, e que as HQs são parentes das artes e o que difere é o seu modo de narrar. “Diferente de um quadro de Leonardo (da Vinci), cada quadrinho é importante e a relação ao que antecede e o que precede é que faz o trabalho da narrativa. Esse é o elo de conjunção entre o cinema e os quadrinhos”, disse Manara.
Questionado qual a relação da cultura italiana com os quadrinhos eróticos, Manara brincou: “pode ser alguma coisa na água!”, e depois disse que a arte italiana é tem muita influencia da arte grega, que é mais sensual, e até pelos afrescos que são mais eróticos. Manara completou dizendo que artistas como Botticelli, também contribuiu, e muito nesse aspecto, já que grandes artistas italianos que trabalham o nu, surgiram por influência desse artista. E Manara finaliza essa questão dizendo: “em relação ao nosso quadrinho nacional não tivemos grandes quadrinhistas. Temos a tradição da pintura e não de desenhadores”.
Perguntado se já foi marginalizado pela sua escolha de trabalhar com o sensual, Milo Mara revelou: “Ao longo da minha carreira aconteceram alguns episódios desagradáveis, mas não a ponto de eu pensar em mudar minhas escolhas”, disse Manara, que completou “…já passei por episódios de censura. Uma vez recebi da África do Sul, antes de Mandela, um jornal com uma lista de livros proibidos, e eu estava nessa lista.”, Manara ainda completou dizendo que enquadrou o jornal e o tem em seu estúdio.
E o quadrinhista italiano também falou sobre o caso de um jornal socialista italiano chamado Avante, que o atacou dizendo que ele usava o erotismo para ficar rico. Manara aproveitou para fazer algumas críticas ao partido socialista, e finalizou o assunto: “Sou conhecido por ser de esquerda, apesar de que sempre preferi trabalhar com editores para evitar problemas desnecessários”.
Inclusive esse seu lado de esquerda foi o que fez Manara entrar nas manifestações na sua juventude. “Era uma revolta a arte, ou o elitismo no museu. Havia uma divisão entre a sociedade e arte, havia uma burocracia, que fazia o papel social da arte ser perdido. Toda a contestação era fundamentada na perda desse papel social da arte”, afirmou Milo Manara que completou “Os quadrinhos são um produto em série, mas não como os de Andy Warhol. Eles são uma forma narrativa em série, têm o seu direito na sociedade. Esse foi o motivo de eu escolher HQs”.
Fora do auditório o público podia comprar obras de Milo Manara com desconto
E a sutileza de desenhar quadrinhos eróticos também foi um tema abordado. “Desenhar erotismo não é fácil, ao contrário, para o erotismo é preciso de equilíbrio”, disse Manara que começou a trabalhar o tema quando tinha 20 anos, e revelou que o erotismo fazia parte da vida dele, então foi natural colocar o tema em suas criações.
Sendo um quadrinhista que adquiriu fama internacional trabalhando com erotismo, perguntas sobre o que é erótico e pornô, também não deixaram de estar em pauta: “Não sei se existe uma linha clara entre pornô e erótico, se existe ela é nebulosa e está se deslocando sempre ao longo do tempo. Acredito que o desejo e a necessidade de representar o erotismo é tão forte que a maioria das invenções tem uma primeira aplicação erótica. O ser humano tem o impulso erótico”, disse Manara.
O mestre italiano colocou a sua interpretação sobre o assunto: “Se for excitante é erótico, se for entediante é pornô”. E completou com outra frase de Woody Allen: “A pornografia é o erotismo dos outros”. O que Manara quis mostrar com essas duas frases é que esse assunto é uma questão de ponto de vista e finaliza: “Não há uma verdadeira resposta possível nesse campo”.
Jal, da comissão do Troféu HQMix, o jornalista Sidney Gusman e Maurício de Sousa entregam o Astronauta para Milo Manara
E encerrando as perguntas da imprensa, foi questionado da onde vem a figura feminina de Milo Manara, se ela seria a sua mulher ideal e qual a sua inspiração para as suas criações. O mestre italiano respondeu: “Certamente ela provém da realidade. Eu diria que algo a ser considerado é fazer um pequeno mapeamento mental da personagem. Deve-se considerar todas as características que são necessárias para essa personagem, afinal as moças se tornam a representação da realidade. Se a personagem representar algum adjetivo bem específico, posso usar uma atriz que já fez essa personagem, como é o caso que usei as características da Nicole Kidman para a uma personagem”.
E quando se esperava uma finalização normal sem nenhuma surpresa, Maurício de Sousa que estava entre os convidados, levantou e junto com Sidney Gusman e Jal, entregaram em mãos o troféu HQMix desse ano para Manara que ganhou com a publicação Verão Índio.
Manara se emocionou e comentou que viveu uma surpresa após a outra aqui no Brasil.
Maurício de Sousa aproveitou para presentear Manara com as publicações MSP 50 e MSP +50 e mostrou um álbum em comemoração do aniversário da personagem Mônica, em que Milo Manara deu a sua versão para a personagem no Rio de Janeiro. “É uma das mais belas representações da Mônica já feita”, disse Maurício.
Maurício de Sousa mostra a personagem Mônica no traço de Milo Manara: “É uma das mais belas representações da Mônica já feita”, disse Maurício
Encerrada a parte da imprensa o auditório foi aberto para o público que chegou com uma hora de antecedência para garantir a sua senha de entrada. Com o espaço lotado e com um publico ansioso para ver Manara, o representante da Conrad deu dois recados. Primeiro agradeceu a presença de todos e apresentou quem estaria na mesa junto de Milo Manara, o jornalista Gonçalo Junior e o curador da exposição Uma Vida Chamada Desejo.
Infelizmente o outro recado que ele deu foi que Milo Manara pediu dispensa da sessão de autógrafos que iria realizar a partir das 21h. O motivo seria a sua saúde que nos dois dias anteriores havia piorado e que ele não queria estragar quarenta anos de carreira em cinco segundos com um autógrafo horrível. Claro que o público não ficou feliz com a notícia, mas não havia muito a se fazer e todos aguardaram as palavras do mestre italiano.
O jornalista Gonçalo Junior
Mas quem falou primeiro foi Gonçalo Junior, que deu uma breve introdução sobre quadrinhos eróticos italianos e explicou a sua presença na mesa. Gonçalo é autor do livro “Tentação à italiana”, onde ele traça um perfil do trabalho de grandes mestres italianos que trabalharam com quadrinhos eróticos como Guido Crepax, Paolo Serpieri, e aponta Milo Manara como um autor libertino, mas no sentido de dar liberdade as suas mulheres, o que não deixa de ser uma atitude política em determinado contexto.
Gonçalo também comentou como Manara consegue fundir os conceitos de erótico e pornográfico, e que o quadrinhista italiano não masculiniza o olhar em relação a mulher e que o mais importante, Manara sabe explorar as sutilezas.
Milo Manara agradeceu as palavras de Gonçalo e citou que entre as referências citadas só faltou Jean-Claude Forest, criador de Barbarella, para Manara, foi Forest quem começou com esse espírito leve. “Me sinto mais próximo desse personagem. Sou menos sério que Crepax e menos dramático que Serpieri”, afirma Manara.
Sobre a sutileza do seu trabalha Milo Manara afirmou que a vida é feita de momentos, e que ele procura trabalhar esses aspectos da leveza e sensibilidade, e reconhece que evoluiu em seus desenhos e apontou outra característica marcante em seu trabalho: o cômico.
“Sempre tento fazer uma história séria, mas no final eu vejo que coloquei um pouco de humor”, disse Manara que concluiu citando o diretor de cinema Federico Fellini: “Os cômicos são os benfeitores da humanidade”. “Sabemos que a risada é inimiga do Eros. É preciso ser dosado, se for excessivo apaga o aspecto erótico”, finalizou.
Manara também falou bastante sobre o tema aventura, e afirmou que para ele não há nada mais extraordinário que a aventura como tema. Citou grandes histórias como O Inferno de Dante, Odisséia e 2001: uma odisséia no espaço e completou: “A aventura é a libertação do homem. No fim se aplicássemos as descobertas da aventura não levantaríamos mais de manha para trabalhar. Mas infelizmente a sociedade é contra a aventura. A sociedade considera a aventura como aversão. Um livro policial começa com um morto e acaba na prisão. É notório que a tradição da aventura acabou quando começou a linha de montagem”.
Na opinião de Milo Manara devemos frequentar a aventura nos quadrinhos, e deu como um bom exemplo de autor brasileiro, o baiano Jorge Amado, que segundo Manara foi um cavaleiro da aventura.
Uma das mais fascinantes obras que Milo Manara desenhou é a série Os Bórgias, e é claro que o público não deixou de fazer perguntas sobre essa produção. “A série se passa em um período fascinante, em pleno renascimento italiano. Rodrigo Bórgia se tornou Papa no mesmo ano que começa a era moderna (1492)”, disse Manara, que também falou sobre Maquiavél, autor de o Príncipe: “Os Bórgias tinham um conselheiro chamado Maquiavél que agia de acordo com a política de os fins justificam os meios, e isso foi teorizado e praticado pela família Bórgia. O Alejandro Jodorowsky, deu a sua interpretação dos fatos e eu a minha visão gráfica desse período fascinante de referências iconográficas. Minha pesquisa também foi de olhar com atenção as obras de arte daquele período. Fiquei tão fascinado que resolvi colocar as cores na arte também. Foi uma festa para mim, que durou demais, cerca de 6 anos”.
Manara também revelou que no começo do projeto ele teve alguns receios em relação a trabalhar com Alejandro Jodorowsky, roteirista de Os Bórgias: “Ele tinha a reputação de não escrever, mas sim de falar o que ele queria. Depois percebi que ele escreve muito bem detalhado o que quer em cada cena. E no final ele acabava brincando comigo que eu não telefonava pra ele e eu dizia que não era preciso, pois não havia nenhuma dúvida”.
Como todo grande mestre dos quadrinhos eróticos, Milo Manara falou da sua satisfação em desenhar, mas como o cenário é importante para atingir o objetivo: “Tenho fascínio nas mulheres e nos homens também, mas o contexto tem que estar de acordo. Tudo que está em torno é tão importante como a figura. Onde falta a inteligência, falta o erotismo também. A arquitetura é importante para preparar a caixa que envolve e mostra o personagem”.
O mestre italiano também falou sobre o seu ponto de vista em relação às mulheres sempre serem personagens centrais em suas histórias: “Para mim é natural e não poderia ser de outra forma. Minha abordagem é natural, minha mãe era professora de escola primária, onde as mulheres mandavam. Hoje em dia com a idade a minha adoração pelas mulheres é contemplativa, quase eclesiástica”.
Um dos presentes na platéia perguntou para Manara se ele conhecia o trabalho de Giovanna Casotto: “Conheço Giovanna Casotto, mas nunca trabalhei com ela. Giovanna tem uma grande vantagem que é tirar as fotos dela mesmo e usar ela própria como modelo. Ela retoma uma tradição antiga que é retratar a si mesmo. Ao mesmo tempo no meu caso ser obrigado a imaginar e inventar pode ser uma vantagem”.
No final do bate-papo, Milo Manara já demonstrava alguns sinais de cansaço e para finalizar relembrou mais uma vez o seu começo de carreira: “Em 1968 a influência da política foi significativa em minha vida. Eu ia para a praça pública brigar e empurrar, e é claro que as minhas convicções estavam presentes no meu trabalho. Depois Hugo Pratt me convenceu que há algo mais fundamental que a política, é a nossa postura em relação à cultura. É fundamental agir de acordo com a sua cultura”.
Antes de encerrar o bate-papo e fazer a abertura da exposição Uma Vida Chamada Desejo, Milo Mara, com os sintomas de sua bronquite já mais em evidencia deixou o seu recado: “Meu recado a nação é que abaixem o ar-condicionado. Desejo boa saúde a todos”.
É claro que o público não deixou Manara sair assim calmamente, e um segundo após encerrarem o bate-papo os presentes ficaram em volta do quadrinhista para conseguir fotos, dar lembranças e os mais teimosos ou se preferirem insistentes, conseguiram um autógrafo do italiano que teve que cumprir os compromissos de abrir a exposição e gravar algumas entrevistas.
Milo Manara foi embora sem fazer anúncios e deixou que o público apreciasse a exposição, que, aliás, está belíssima. A noite foi marcada também pela presença do grande público fã do mestre italiano, de quadrinhistas de várias gerações, e também de vários veículos da imprensa que não perderam a oportunidade de registrar esse momento histórico que foi a visita de Milo Manara ao Brasil. Agora é torcer que ele venha mais uma vez ao nosso país para quem não conseguiu pegar o autógrafo dele tenha uma segunda oportunidade. Mas mesmo assim a noite foi excelente e não há como dizer que não foi única.
PUBLICADO EM  01-12-10

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