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domingo, 22 de janeiro de 2012

As Eras dos Quadrinhos - Parte 2 de 4


Era de Prata ? Uma nova esperança
Para estabelecer uma nova era, conforme a teoria de Kuhn, uma mudança de paradigma deve ser identificada. Essa transformação era preparada com o período de transição, pois um novo plano de fundo para as histórias já estava presente em algumas edições de horror e crime que abordavam os avanços da ciência. A ficção científica era um gênero novo e uma boa saída, já que guerra, crime e horror estavam fora da ordem do dia. A ciência nunca foi tão festejada como na Era de Prata, principalmente nos heróis re-imaginados por Julius Schwartz.
Julius Schwartz (1915 - 2004)
?Se nos anos de ouro muitos dos heróis tinham suas histórias calcadas no místico e no mitológico, no final da década de 50, com a corrida espacial e a iminência de uma guerra nuclear entre a URSS e os EUA, parecia mais apropriado que os heróis fossem produtos legítimos da ciência, mesmo que fantásticos demais?, nos diz Roberto Guedes, confirmando que não apenas as revistas em quadrinhos estavam mudando, mas todo o mundo ao redor delas. Os aspectos de ficção científica nos anos 60 não só mostravam mais ansiedade acerca de raças alienígenas e do futuro, mas também esperança. Um fator comum das histórias daquela época era deparar-se com uma explicação científica para um fenômeno, fossem os engenhos dos vilões, fossem as ações e poderes de um super-herói. Um novo paradigma começava a se estabelecer.
Mike Conroy afirma que a Era de Prata começou no ano de 1955, com a primeira aparição do Caçador de Marte, J?onn J?onnz, emDetective Comics#255, por ser ele o primeiro novo super-herói criado pela National Comics, que mais tarde assumiria o nome DC, desde os anos 1940. A maioria dos autores, no entanto, prefere estabelecer como início da nova era Showcase#4 (1956), a estréia do novoFlash, Barry Allen. Já os entusiastas da Marvel Comics defendem que Fantastic Four#1 (1961), uma resposta para a Liga da Justiça da National, iniciou os anos de prata. Eles vão além: essa edição iniciaria a Era Marvel dos quadrinhos.

Há de se concordar em parte com os marvetes, pois apenas com alguns elementos dos heróis da Casa das Idéias é que se completaria o paradigma da Era de Prata. A Marvel trouxe um sentido de cronologia mais arraigado e um universo comum para seus heróis, onde o que acontecia na história do primeiro refletia na do segundo, mas foram as fraquezas dos heróis e dos vilões os principais fatores que conquistaram o público. Anos mais tarde, a National contrataria alguns freelancers da Marvel para aproximar seus heróis do modelo criado pela concorrente.
Período de Transição B ? Santa relevância social, Batman!
A Família Batman
As mudanças de paradigma geralmente se concretizam em decisões editoriais. Julius Schwartz definiu o início da Era de Prata e deu os primeiros passos para o fim deste período. As histórias do Batman, editadas por Sheldon Moldoff, traziam o herói sofrendo todo o tipo de mutação: havia o Batman bebê, o Batman alienígena e até o Batman zebra. Para defender-se das acusações que Wertham fez de uma relação homossexual entre Homem-Morcego e Menino Prodígio, a National havia providenciado a eles uma família com Batwoman, Batgirl, Ace ? o Batcão eBat-Mirim. Nada disso impediu que as vendas despencassem e o público perdesse o interesse no personagem.
Estas histórias traziam elementos muito comuns da Era de Pratana DC Comics, como as famílias de heróis (Superman também tinha a sua), animais de capa e mudanças temporárias de toda sorte que colocavam os personagens-título em situações absurdas.Schwartz foi chamado para reverter a situação em 1964. Removeu das histórias do morcego os elementos bizarros que vinham de uma exacerbação da ficção cientifica, desfez a bat-família, trouxe de volta vilões clássicos e uniu uma elipse amarela ao símbolo que o herói usava no peito. Tudo isso para fazer com que os enredos voltassem à sua origem: as histórias de detetive.
No entanto, foi necessária a ação de Neal Adams para que Batman se libertasse de seus elementos infantis, que foram acentuados pela série de TV de 1966. Adams desenhava a revista The Brave and the Bold no final dos anos 60 e recebia cartas de fãs afirmando que o verdadeiro Batman estava naquela revista e pedindo para vê-lo assim em outras publicações. Junto com Denny O?Neil, Adamsconferiu ao morcego uma ambientação noturna e histórias com um grau de realismo não visto há décadas.
Batman de Neal Adams
(Batman #241 - 1966)
O ano que trouxe mais mudanças neste período de transição foi 1968. Neste ano, personagens novos e diferentes entravam no universo de Superman e Batman: Rastejante e Rapina & Columba. A Mulher-Marvilha entrava na fase I-Ching. APatrulha do Destino morria em sua última edição. Clark Kent ia trabalhar na televisão. Enquanto a Marvel transformava suas revistas de antologias (Strange Tales, Tales to Astonish e Tales to Suspense) em séries focadas em apenas um herói como Homem de Ferro e Capitão América. O Surfista Prateado e oCapitão Marvel ganhavam suas séries. Não por acaso, no mundo ?exterior?, também aconteciam mudanças. Em 1968, ocorreu a Primavera de Praga, quando a Tchecoslováquia tentava se separar do bloco comunista. As rebeliões estudantis eclodiam em Paris. O senador Robert Kennedy e Martin Luther King eram assassinados nos EUA. No Brasil, o AI-5, que limitava os direitos civis, era promulgado.
Também pelas mãos de O?Neil e Adams, em Green Lantern/Green Arrow #76 (1970), o Lanterna Verde e oArqueiro Verde iniciavam uma viagem através do país, lidando com assuntos delicados que envolviam consciência social, como preconceito racial, superpopulação, questões indígenas e trabalho escravo. A revista dos heróis esmeralda também foi a primeira a tratar de drogas após a instituição do Comic Code e, junto com o arco de histórias publicado em Amazing Spider-Man #96-98, em que Harry Osborn abusa das drogas, forçaram uma mudança no código em 1971.
Uma das influências para a preocupação com esses problemas e para tratar de temas controversos foram os quadrinhos underground, que não tinham papas na língua para falar de experimentações de toda sorte, drogas, tabus sexuais e a ridicularização do status quo. Zap Comix#1 (1967), de Robert Crumb é considerada o primeiro quadrinho underground. A indústria aprendeu que fazia bem trazer histórias conscientizantes, que transmitissem a relevância de combater as mazelas da sociedade, mas também soube que isso pode acarretar no cancelamento de uma revista, como aconteceu comArqueiro Verde/Lanterna Verde.
A Era de Bronze ? Morte, o grande momento da vida
A morte de Gwen Stacy
(detalhe de Amazing Spider-Man #122 - 1973)
O exemplo utilizado por Blumberg como a crise que estabelece novos paradigmas é a morte de Gwen Stacy, namorada do Homem-Aranha, publicada originalmente em Amazing Spider-Man #121 (Junho de 1973). A história, aqui, serve como o divisor de águas, a crise mencionada por Kuhn. A história inovava ao condenar uma personagem querida dos leitores a uma fatalidade, coisa até então impensada para o gênero. Os editores discutiram se o melhor para Peter Parker e Gwen Stacy era o casamento ou a morte. Decidiram pela morte. Este acontecimento redefiniu estatutos, os mesmos de que Ecofalava anteriormente, de que o herói não deve se consumir. O fim de Gwen abriu espaço para mortes mais grandiosas como da Fênix e de Elektra.
Era isso que o zeitgeist pedia. No início da década de 70, muitos jovens americanos tinham de encarar a morte de frente, sendo levados a combater no Vietnã por uma derrota anunciada. O escândalo Watergate desfez a imagem icônica que os ianques tinham de seus presidentes e passaram a encarar a vida com mais cinismo, desilusão e agressividade. O que dizer de personagens que surgiram depois disto, como oJusticeiro e Wolverine?
Contudo, o início da Era de Bronze também é discutido. Alguns, como o site Quarter Bin, afirmam que tudo começaria antes da morte de Gwen, com Jimmy Olsen #132 (1970), o primeiro título de Jack Kirby na DC Comics, que daria início à saga do Quarto Mundo. O próprio Kirby disse, à época do lançamento de suas novas séries, que novos tempos precisavam de novos tipos de heróis: ?Aqui estávamos nós, uma sociedade sem o tipo de deuses que costumavam existir, ou as lendas que viajavam para lá e para cá com as tribos. Cada tribo contara as mesmas histórias à sua maneira única, e eu dei a estas histórias o poder dos velhos conceitos com personagens dos nossos próprios dias?. O que Jack fez foi revitalizar as lendas, da mesma forma que os profissionais dos quadrinhos fazem quando um herói precisa de um novo paradigma.
Conan the Barbarian #1 - 1970
Há, ainda, quem diga que a Era de Bronze teria iniciado com a primeira edição de Conan, no mesmo ano. Ou que seu início se daria muito antes, em 1967, com a estréia do Desafiador emStrange Adventures. O fato é que as alterações no código, em 1971, permitiram que os quadrinhos de super-heróis se tornassem mais ousados em relação a seus antecessores. Drogas e álcool agora eram permitidos, contanto que fossem representados como um ?hábito maligno?. O novo código também permitia vampiros, aparições e lobisomens, lançando as editoras numa nova onda de quadrinhos de horror. Personagens como Homem-Coisa,Drácula, Lobisomem, Motoqueiro Fantasma e Monstro do Pântano surgiram nesta época.
A autonomia marcava o tom nos quadrinhos da Era de Bronze. Os grandes sucessos dessa época confirmam a afirmação, osNovos X-Men e os Novos Titãs. A primeira equipe trazia super-heróis lidando com o fato de serem diferentes e ?jurarem proteger uma sociedade que os teme e odeia?. Além disso, a adição da personagem Kitty Pryde aumentou a identificação do público com os heróis. Até hoje, Kitty é uma das favoritas dos fãs de quadrinhos. E, se uma adolescente gerava uma incrível massa de seguidores, o que dizer de uma turma deles? Os Novos Titãs traziam as desventuras de um bando teenager às voltas com as descobertas da adolescência e com a diversidade de poderes e personalidades que faziam a revista despontar em popularidade.
Buscando refletir os movimentos sociais dos anos 70, a Marvel tentou emplacar quadrinhos voltados para as meninas, como Shanna, Night Nurse e The Claws of the Cat. Personagens negros, como Luke Cage e Raio Negro (Jefferson Pierce), ganhavam destaque. Na onda do kung fu, vieram Punho de Ferro e o Mestre do Kung Fu. Em 1976, Superman se encontrava com o Homem-Aranha em um encontro inédito entre as duas maiores editoras de super-heróis, dando início a uma tradição. Nessa década, já eram populares os gibis de encontros de heróis como The Brave and The Bold, DC Comics Presents, Marvel Two-in-One e Marvel Team-Up, um pouco antes dos crossovers tomarem os quadrinhos de assalto.
As primeiras aparições de Luke Cage (1972), Raio Negro (1977), Punho de Ferro (1974) e do Mestre do Kunf Fu (1973).
Período de Transição C ? Avante, compradores!
No início dos anos 1980, um organizador de convenções de quadrinhos chamado Phil Seuling abordou as principais editoras de quadrinhos dos Estados Unidos para desenvolver um sistema de compra e distribuição de suas revistas diferente do que estavam costumados a utilizar. O mercado direto doscomic books se iniciava com a edição de estréia da mutante Cristal (Dazzler#1, de 1981) pela Marvel Comics. A edição vendeu mais de 400 mil cópias, praticamente o dobro da média de vendas dos gibis normais.
O iníco do mercado direto (Dazzler #1 - 1981)
A principal característica do mercado direto era, no início, a compra de revistas pelas empresas diretamente da editora, sem a possibilidade de retornar as edições não vendidas em troca de créditos, como era feito no sistema de consignação, com bancas de revistas e outros pontos informais de venda. No lugar deste benefício perdido, ganhavam maiores descontos, facilidades na compra e, principalmente, exclusividade. Algumas edições eram lançadas apenas neste tipo de mercado: assim, o custo de oportunidade de novos títulos se tornou menor, e as editoras passaram a arriscar mais e diversificar a produção, uma vez que o risco de não vender era absorvido pelos revendedores.
Camelot 3000 foi um exemplo desse empreendimento com vendas menos seguras, mas garantidas pelo mercado direto. Publicada em 1982, era uma minissérie de 12 edições vendida exclusivamente nas comic shops, além de ser impressa em um papel melhor, com uma sofisticada (para a época) paleta de cores. A história, de Mike W. Barr e ilustrada porBrian Bolland, tratava da volta do Rei Arthur no ano 3000, lutando para livrar a Terra de uma invasão alienígena, e mostrava a reencarnação dos diversos cavaleiros da Távola Redonda em novos corpos. Um deles, Sir Tristão, havia reencarnado em um corpo feminino e, no momento que conhecia sua outrora amada, Isolda, sentiu-se tão atraído por ela como em sua vida passada. Teve, então, de repensar os papéis de gênero e sua própria sexualidade. Camelot 3000 foi uma das primeiras revistas a mostrar relação sexual entre pessoas do mesmo sexo. No Brasil, essa cena foi censurada na primeira publicação da série.
The Saga of the Swamp Thing #29 - 1984
Frank Miller lançava, um ano depois, Ronin, no mesmo esquema. Em 1984, a DC trazia The Saga of the Swamp Thing #29 às bancas. Ela vinha sem o selo de aprovação do CCA e trazia nudez, corpos em decomposição, incesto e necrofilia. Tudo pelas mãos de Alan Moore. As próximas edições viriam sugeridas para o público adulto. Um grande passo para o amadurecimento dos comic books, apesar dos protestos de Moore quanto a rotulação de seus títulos.
Em 1982, surgia o primeiro grande crossover da Marvel, o Torneio de Campeões, que levava heróis de diversas nacionalidades a lutarem entre si pelo destino da Terra. Dois anos depois, a Marvel lançava outro evento, as Guerras Secretas, que traria conseqüências para as principais revistas da editora, e teria uma grande divulgação. A minissérie teve direito aaction figures baseadas em seu enredo. Uma das desvantagens mercadológicas de Guerras Secretas, comparada com os encontros de super-heróis que se seguiram, foi a ausência de tie-ins, ou seja, de revistas relacionadas à minissérie principal. Por exemplo, o Homem-Aranha embarcava para a dimensão deBeyonder na edição 251 de Amazing Spider-Man; na edição seguinte, de número 252, o amigão da vizinhança já estava de volta e com uniforme negro. Os leitores, contudo, teriam de esperar quase um ano inteiro para saber como o aracnídeo havia ganhado sua nova roupa.
A morte de Barry Allen
(Crisis on Infinite Earths #8 - 1985)
O evento do ano seguinte, da editora rival, Crise nas Infinitas Terras, mostraria todo o potencial de vendas de um crossover. Não apenas envolveria todos os heróis da DC Comics (que completava 50 anos na época), e se espalharia por todas as revistas, mas também redefiniria o confuso universo da editora. O objetivo principal de Crise nas Infinitas Terras era unificar o universo DC, juntando os mundos que o compunham numa única e consistente história de fundo, que tornasse todos os seus heróis mais acessíveis aos novos leitores.
Crise nas Infinitas Terras é o melhor exemplo da crise citada na Teoria das Revoluções Científicas de Kuhn, um ponto que rompe com o que já está estabelecido e dá início à criação de novos paradigmas para os super-heróis. Claro que, em retrospectiva, ficam evidentes todos os aspectos que levaram a essa quebra. Com Crise, o Superman das gerações seguintes não possui poderes ilimitados, mas um número restrito deles. AMulher-Maravilha tem sua origem mais arraigada à mitologia grega. Para os novos leitores, é Wally West quem melhor representa o Flash, e não Barry Allen.
A década de 80 também veria o surgimento e a expansão do mercado independente com títulos comoCerebus, ElfQuest, Tartarugas Ninja e a criação da Dark Horse. O mercado direto se expandiu a tal ponto que em 1987 já fazia parte de 70% das vendas brutas da Marvel. Os grandes crossovers e o avanço do mercado direto são os principais promotores da era que viria a seguir e cuja denominação ainda é incerta.

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