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terça-feira, 24 de maio de 2011

Algo de podre no reino das HQs

Por Diário do Nordeste 
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O traço sujo de Howard Chaykin traduz visualmente o encadeado de sexo, crime e amoralidade no clássico "Black Kiss"
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Em "Umbrella Academy" (no traço do brasileiro Gabriel Bá), os heróis garantem o assassinato de presidente John Kennedy
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O agente secreto X-9 em ação, no traço de Alex Raymond: personagem herdou ambiguidade moral da ficção policial
"Agente Secreto X-9", "Black Kiss" e "Umbrella Academy" trazem o melhor do lado perverso dos quadrinhos. Todo fã de quadrinhos que conheça um pouco da história desta linguagem sabe que Fredric Wertham (1895 - 1981) é um dos principais vilões dela. Autor de "Seduction of the Innocent" (Sedução dos Inocentes, de 1954), o psicanalista deu bases intelectuais (ainda que cientificamente capengas) para toda sorte de preconceitos contra o meio.

As HQs, para Wertham, se constituíam uma forma de subliteratura pervertora, catalizadora de maus costumes, da antecipação e deturpação dos hábitos sexuais entre os jovens e da entrada destes no mundo da deliquência. Wertham foi demasiado exagerado para que alguém inteligente, e sem má fé, acreditasse em suas abobrinhas, como ver na parceria Batman e Robin uma ode a homossexualidade e na cabeça do coelho Pernalonga uma anomalia formada por dois pênis e um saco escrotal.

Claro que os defensores das HQs se aproveitaram do mal caratismo intelectual de 
Wertham para salvar a reputação da nona arte. Mas é possível que tenha exagerado na dose. Como se o meio fosse uma virgem imaculada a trazer a boa nova da arte, da beleza e do entretenimento para todas as idades.

Bem, apesar de ser um detrator esforçado, Wertham nunca foi uma autoridade em quadrinhos. Havia, sim, muita perversão por aí, mas narcisisticamente ele preferiu atacar o que fazia mais sucesso, em detrimento do sentido que queria conferir a sua tese. E certamente teria surtado caso tivesse acompanhado alguns dos títulos mais ousados dos mercados europeu e norte-americano, lançados ao longo dos anos 80.

A arte e o bom-mocismo
A verdade é que, no meio dos quadrinhos, sempre teve muita gente de mente suja. O que, aliás, é regra em qualquer linguagem artística e não depõe contra a arte sequencial, como comprovam três lançamentos recentes da Devir, editora brasileira atenta a novidades e velharias das vertentes marginais da HQ norte-americana. A trinca tem pouco a ver uma com a outra, mas dá provas de que os quadrinhos são muito mais que super-heróis coloridos e animais antropomorfos fofinhos e falantes - e de que esta diferença pode criar arte. Afinal, quem disse que a arte tem que dar bons exemplos?

Por ordem cronológica, o primeiro é "Agente Secreto X-9", coletânea das tirinhas do espião criado por Dashiell Hammett (especialista em histórias policiais e autor do clássico "O Falcão-Maltês") e pelo artista Alex Raymond (gênio das HQs, conhecido pelo pioneiro herói da ciência, Flash Gordon). O volume reúne todas as histórias do personagens, editadas em forma de tiras, produzidas pela dupla criadora, em 1934 e 1935. À época, o título não conquistou o público almejado e teve vida curta. As histórias, contudo, merecem uma leitura mais atenta, de suas tramas envolvendo mulheres fatais, ricaços corruptos e um herói que fuma, seduz, mente, mata e intimida, mulheres, homens e marmanjos. Tudo com a melhor das intenções, claro.

Publicado originalmente em 1988, "Black Kiss" também passeia pelo território da ficção policial. Produzida por Howard Chaykin, quadrinhista norte-americano de produção polêmica, a história é propositadamente suja. O autor parece testar a tolerância de editores e de leitores e, ainda por cima, desdenhar a parca ousadia de outros artistas transgressores.

A começar porque "Black Kiss" fica no limite entre o erotismo e o pornográfico. Ao longo de suas páginas, desfila uma espécie de guia de fantasias machistas e violentas, com fixação em felação e sexo anal, passando por orgias e sadomasoquismo. O enredo gira em torno da chantagem a uma dupla de prostitutas, uma lésbica e uma travesti, envolvendo gangsters e um músico de jazz viciado em drogas.

Por vim, vale conferir "Dallas", segundo volume da série "Umbrella Academy", criada pelo músico Gerard Way (My Chemical Romance) e desenhada pelo brasileiro Gabriel Bá. Suas histórias acompanham uma família de heróis disfuncional, que salvam o mundo à base de deturpações éticas e homicídios (quase) gratuitos.
QUADRINHOS:
The Umbrella Academy - Dallas: Gerard Way e Gabriel Bá DEVIR, 2011, 184 PÁGINAS, R$ 44,90

Agente Secreto X-9: Alex Raymond e Dashiell Hammett DEVIR, 2011, 216 PÁGINAS, R$ 62

Black Kiss: Howard Chaykin

DEVIR, 2011, 152 PÁGINAS, R$ 49,90

TRADUÇÕES: Marquito Maia

DELLANO RIOS




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