Por Marcio Baraldi - 29/05/2011
Bem, amigos da Rede Bigorna, foi tudo muito bom, tudo muito bem, mas estamos encerrando nossas atividades por tempo indeterminado.
Foram mais de sete anos produzindo um site totalmente diferente dos outros. O Bigorna foi, desde o começo, um projeto idealizado e mantido por produtores de quadrinhos: roteiristas, editores, cartunistas ,chargistas, ilustradores, e também com a valiosa ajuda de alguns companheiros jornalistas, teóricos e estudiosos da nona arte. O Bigorna foi mais que um simples site sobre quadrinhos e cultura pop, foi um projeto social voltado para a valorização e discussão do Quadrinho Brasileiro e seus intermináveis problemas. Um site que se propôs nesses tantos anos a ser um veículo de análise crítica da dura situação dos quadrinhistas no Brasil e um canal de discussão para a categoria. Fomos o primeiro site a ter essa proposta, o primeiro site a criar um Prêmio para a categoria, o primeiro a deixar a futilidade de lado e politizar a conversa, o primeiro a abolir a burocracia e o puxa-saquísmo que se vê em outros veículos por aí e dar espaço democrático a TODOS os quadrinhistas brasileiros (do fanzineiro ao mestre consagrado), o primeiro a expor as feridas de nosso mercado e profissão e, ao invés de apenas enfiar um dedo sujo e oportunista nelas, propor, isso sim, os remédios para curá-las. Fizemos isso com muita competência, paixão e razão. E também com mais propriedade que qualquer outro, pois ninguém está mais habilitado a compreender e criticar o Quadrinho Nacional do que seus próprios criadores e produtores, os quadrinhistas. E por que paramos então, com um trabalho tão nobre e tão bacana? Pelos motivos mais simples do mundo.
Primeiro porque ninguém mais aqui tem tempo para o site. Eloyr Pacheco e Humberto Yashima, os fundadores do Bigorna, abriram um Centro Cultural em Londrina (PR) e agora dedicam todo seu tempo em administrá-lo. O mineiro Matheus Moura, deixou sua Minas Gerais e mudou-se para Goiás, onde ganhou uma bolsa de Mestrado, que lhe ocupa cada hora do dia. Eu (Marcio Baraldi), que sempre tive 400 empregos pra dar conta, já não posso mais sacrificar madrugadas e fins de semana pelo site. Como todos sabem, site ou blog algum de Quadrinhos neste país dá lucro para seus donos. Todos são mantidos apenas por militância e amor a causa. E entendemos que nossa militância já cumpriu sua função, já atingiu seu limite.
E é aí que entra o segundo motivo. O mercado de Quadrinhos no Brasil simplesmente desmoronou, evaporou da última década pra cá até se transformar num fiapo quase invisível. Com a exceção óbvia de Maurício de Sousa, não há mais quadrinhos brasileiros nas bancas e qualquer tentativa corajosa de alguns nobres colegas, dá com os burros n'água em poucos meses e edições. É uma vergonha que, em um país de centenas de cartunistas e quadrinhistas talentosos, de qualidade internacional, apenas um único tenha conseguido realmente ter sucesso comercial duradouro. É uma vergonha que tantos projetos maravilhosos de quadrinhos que, desde as primeiras décadas do século passado, chegaram às bancas, conquistaram leitores e espaço em outras mídias, tenham naufragado em pouco tempo. É uma vergonha que os teóricos, os críticos e a própria categoria nunca tenham discutido isso a sério, nunca tenham se unificado em torno da salvação deste relevante pedaço da cultura brasileira que é (ou era) o Quadrinho Nacional. Tirando o período em que a ADESP (Associação dos Desenhistas do Estado de São Paulo) e a ABD (Associação Brasileira de Desenhistas), nos anos 60, conseguiram criar uma mobilização real na categoria e chegaram muito perto de aprovar uma lei de proteção a HQB, nunca mais se viu movimento coletivo ou organização sindical alguma na categoria. Mauricio de Sousa, que foi presidente da ADESP, já não é mais sindicalista e sim um megaempresário e naturalmente suas opiniões mudaram.
É uma vergonha que hoje os próprios colegas não levem mais tal questão a sério, que ignorem e desdenhem todo esse passado, contaminados que estão pelo individualismo e pelo pensamento neoliberal, que prega que os pequenos produtores têm as mesmas condições de vencer que os grandes conglomerados e monopólios. É lógico que não temos, nunca tivemos, e pelo jeito, nunca teremos! Todos sabemos disso, mas a maioria prefere se acomodar no conforto da hipocrisia e fingir que não sabe. Ser burro e alienado é mais fácil, raciocinar dá muito trabalho.
É uma vergonha que seja preciso que um animador brasileiro vá trabalhar num conglomerado dos EUA para fazer um filme sobre araras do Rio de Janeiro, quando deveríamos fazer zilhões de animações sobre nossa própria fauna e cultura aqui dentro do Brasil mesmo. É triste que precisemos da verba de norte-americanos para tirar um retrato de nós mesmos. Na verdade temos mais dinheiro, talento e competência que muito gringo por aí .Mas eles têm algo muito mais poderoso que nós: AUTO-ESTIMA e AUTO-RESPEITO! Os países do tal primeiro mundo não admitem ser invadidos por uma cultura estrangeira e muito menos jogar a própria cultura no lixo. Não admitem que estrangeiros tomem seus empregos e seus lucros. Um brasileiro pode até desenhar para eles, mas só os personagens que são propriedade deles. Você, brasileiro talentoso, desenha os personagens dos americanos, recebe um salário por isso, e depois eles exportam esses personagens para o Brasil, onde arrecadam milhares de vezes mais do que o valor do seu salário. Esse é o mecanismo de uma colonização cultural e econômica que já dura séculos (no caso dos quadrinhos, décadas) e contra a qual o brasileiro não se esforça minimamente para lutar. Os quadrinhos Marvel e DC nunca fizeram sucesso na Europa e no Japão. Os povos desses países sempre estiveram mais interessados em seus próprios quadrinhos, que retratam as particularidades de sua própria cultura e de suas formas de enxergar o mundo. No Japão há emprego de sobra para os quadrinhistas japoneses e nenhum deles precisa procurar emprego nos EUA para sobreviver. Lá qualquer mangazinho vagabundo vende 300 mil exemplares por mês, enquanto no Brasil, que tem um território centenas de vezes maior, e uma população também maior, os quadrinhistas tem que se contentar com álbuns de mil ou dois mil exemplares .Isso os que podem. Os que não, se contentam com fanzines mesmo. Enquanto isso, o único autor que conseguiu furar o monopólio da HQ estrangeira no país, acabou, por ironia, se tornando um monopólio também. Isso tudo é o preço que pagamos pelo eterno descaso e desrespeito com nós mesmos. Nossa eterna auto-desvalorização.
Trabalho há 20 anos no edifício Martinelli, no centro de São Paulo. No mesmo prédio, onde há 50 anos atrás, funcionava a ADESP, improvisada num pequeno estúdio de propriedade de Julio Shimamoto e Luis Saidemberg, ambos então diretores da entidade. Dizem que o Martinelli, um antiquíssimo e sombrio arranha-céu neogótico, é mal-assombrado. Eu confirmo isso. De fato há 50 anos um fantasma inconformado agoniza por lá, chorando seus fracassos, suas frustrações e, sobretudo, sua morte precoce: o do Quadrinho Nacional! Que Deus o tenha!
PS: O Bigorna agradece de coração a todos os amigos e colaboradores que contribuíram para sua existência e bons serviços prestados ao Quadrinho Nacional desde 2005. Lembrando que o site permanecerá congelado no ar por período indefinido, para consulta do público em geral. Desejamos sucesso e saúde a todos e nos vemos por aí, nas curvas dessa infinita highway. Hasta la vista, babies!
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