Depois de longos meses de espera, finalmente estreia essa semana os novos títulos da DC, que marcam a renovação da editora, tão criticada, ao mesmo tempo, tão aguardada pelos fãs de quadrinhos. Pra quem esteve hibernando nos últimos meses e não sabe do que se trata, a DC Comics recriou todo seu universo de super-heróis como resultado da saga Flashpoint, estrelada pelo Flash, que cria um lapso temporal.
Assim, todos – isso mesmo: TODOS – os heróis sofreram mudanças, que vão desde seus uniformes até detalhes de sua origem, modificando conceitos que aqueles que acompanham as HQs há vários anos, já sabem de cor e salteado. A estratégica, como de praxe, visa “atrair novos leitores” para os personagens que são da idade de seus avós – o Superman tem quase 75 anos – e adaptar conceitos que são ultrapassados sob a ótica atual.
A editora não pensou pequeno. Para criar esta “nova DC”, todos os títulos foram zerados e serão lançados 52 novas revistas, todas começando pelo número 1 – alguns títulos permaneceram, outros foram cancelados e surgirão vários novos. Simultaneamente à revista de papel, será lançada também a revista digital, marcando a entrada da DC neste universo que, pelo que tudo indica, será a tendência em um curto espaço de tempo. O primeiro lançamento será a revista da Liga da Justiça.
Claro que uma mudança tão radical causou uma revolução junto aos leitores, especialmente os mais antigos que, de repente, viram que aquilo que leram durante os últimos anos não vale mais nada. A estratégia vem sendo chamada de “reboot” – termo que, em informática, significa desligar o computador e ligar novamente, para solucionar algum problema de configuração.
“Problemas de configuração” na DC existiram muitos ao longo dos anos.
O que irritou os fãs é que a editora já fez vários reboots desde 1985, quando lançou Crise nas Infinitas Terras, o mais marcante deles. Na verdade, a primeira reformulação de personagens foi nos anos 50, mais especificamente em 1956, quando a DC deu uma cara (e identidade) nova a alguns super-heróis (Flash, Lanterna Verde e Elektron, entre outros), que estavam no limbo após um período em que os quadrinhos sofreram com o desinteresse dos leitores e uma caça às bruxas que acusava os quadrinhos de violentos e depreciativos, entre outras críticas.
Em 1985, devido a inúmeros problemas que surgiram decorrentes da questão cronológica com seus incontáveis “universos paralelos”, a DC decidiu por ordem na casa e criou a saga Crise nas Infinitas Terras. A partir dali, todos os universos se fundiram num único e a cronologia foi arrumada. Para isso, alguns heróis tiveram sua origem recontada, com sutis alterações que não mudaram a essência desses ícones da cultura pop – pelo contrário, melhoraram suas histórias.
Para amarrar as pontas soltas deixada na Crise, uma nova saga se fez necessária: Zero Hora – Uma Crise no Tempo (1994). Foram poucas as mudanças desta vez, mas a DC percebeu que essas séries grandiosas que reuniam todos os seus heróis atraíam o público e se tornou a editora Das Crises (um trocadilho criado pelos leitores, que brinca com o próprio nome da DC): em 2004, lançou Crise de Identidade, na qual um assassinato misterioso resgata fatos do passado obscuro dos integrantes da Liga da Justiça; em 2005 foi a vez da Crise Infinita, que trouxe de volta 52 terras que tinham desaparecido na Crise nas Infinitas Terras e, finalmente, em 2009, a DC lançou Crise Final com a promessa de ser o último evento do tipo.
Tantas Crises, contudo, se mostraram uma caixa de pandora: ao mesmo tempo em que eram atraentes aos leitores, as tramas confusas anulavam uma saga em decorrência da outra – se a Crise nas Infinitas Terras acabou com os mundos paralelos para diminuir a confusão na cabeça dos leitores, por que trazê-los de volta na Crise Infinita? A sensação é que tudo que foi lido não valeu de nada e o que vale é agora. Até a próxima crise.
O reboot da DC é mais uma promessa do gênero. Ao mesmo tempo em que revigora os personagens e promete dar um novo fôlego às suas aventuras, deixa um sentimento que, daqui a pouco, tudo isso não terá mais valor algum e tudo voltará a ser como sempre foi. O que, diga-se de passagem, é como deveria ter permanecido, já que os heróis foram criados dessa forma e é assim que mantiveram uma legião de fãs ao longo dos 75 anos de existência da editora.
Não que sejamos contra mudanças. Elas são necessárias e bem-vindas, quando bem conduzidas e com um objetivo coerente. Ao contrário, quando este objetivo visa apenas uma explosão de vendas do número 1 da “nova” revista, mas não traz um personagem verossímil ou uma história consistente, é apenas areia jogada no ventilador. Resta aguardar e ver se a editora acertou na sua decisão ou se esse é apenas o prenúncio de mais uma crise – a crise de vendas.
A Marvel nunca teve um reboot propriamente dito, ao menos não nos moldes que a DC já fez com seus personagens, citados no artigo anterior. Porém, a editora do Homem-Aranha e Cia. já teve várias tentativas de atualizar seus heróis para novos públicos. Com raras exceções, todas naufragaram, obrigando uma volta aos conceitos originais, chegando a ignorar as histórias publicadas e fingindo como se nada tivesse acontecido.
No ano em que comemorava seu Jubileu de Prata, a Marvel decidiu lançar um universo totalmente novo, com novos personagens e sem ligação com o universo tradicional. A época exigia heróis mais realistas, pois os personagens “bonzinhos” demais não convenciam as novas gerações. Assim, surgiu em 1986, o Novo Universo Marvel, com oito títulos: Força Psi, Justice, P.N. 7, Trovão, Merc – O Cão de Guerra, Máscara Noturna, Os Torpedos e Estigma – A Marca da Estrela.
Em comum, esses personagens tinham um fenômeno batizado como Evento Branco – conceito que foi, direta ou indiretamente, aproveitado na série de TV Heroes – que teria dado origem aos superpoderes dos personagens. No entanto, como os roteiros das revistas eram fracos e o excesso de realismo não agradou os leitores, os títulos foram cancelados e o Evento Branco nunca ficou muito bem explicado.
Dez anos depois, em 1996, uma nova tentativa de renovação aconteceu, desta vez com os personagens principais. Após a saga Massacre, o Quarteto Fantástico e os Vingadores deram suas vidas para destruir a ameaça do poderoso ser, que fundia as personalidades do Professor Xavier e Magneto. O que parecia uma morte, na verdade foi um pretexto para modernizar os personagens, recontando suas origens e começando seus títulos do número 1.
A série que ficou conhecida como Heróis Renascem relançou os gibis do Capitão América, Vingadores, Quarteto Fantástico e Homem de Ferro com os artistas mais badalados da época no comando dos títulos. Rob Liefeld ficou com os dois primeiros e Jim Lee com os últimos. A série durou apenas um ano e logo tudo voltou ao que era antes. A justificativa para o retorno dos heróis é que eles estavam num universo alternativo, criado pela mente do filho de Reed Richards.
Em 1998, animados pelo sucesso da reformulação do Superman pelas mãos de John Byrne (na série Man of Steel, de 1986), os executivos da Marvel encarregaram o escritor e desenhista para fazer o mesmo com seu principal personagem. O Homem-Aranha teve sua origem recontada e alguns conceitos foram modernizados. Entretanto, o arco em 12 capítulos Chapter One também não agradou e a Marvel nem se deu ao trabalho de dizer que aquilo se passava em outro universo: simplesmente ignorou a história para efeitos de cronologia.
No entanto, a ideia de recomeçar do zero e atualizar os personagens para torná-los mais coerentes com os dias atuais nunca saiu das cabeças pensantes da editora e, no final do ano 2000, uma nova tentativa entraria em vigor.
Para não cair no mesmo erro, o Homem-Aranha Ultimate (ou “definitivo”, em tradução livre) já nascia num universo alternativo. Caso desse errado novamente, o universo tradicional não se alteraria. Porém, aconteceu o inverso: os bons roteiros de Brian Michael Bendis tornaram o “novo” herói um sucesso imediato, alavancando o lançamento de novos títulos como X-Men Ultimate, Quarteto Fantástico Ultimate e Os Supremos, a versão ultimate dos Vingadores.
Dez anos depois, chegamos a um reboot não do universo tradicional, mas do próprio Ultiverso. Em 2009, o arcoUltimatum trouxe a morte de vários heróis e um recomeço para outros. As revistas foram zeradas e recomeçaram do número 1, porém sem o mesmo fôlego original. Este ano, mais uma polêmica: a morte de Peter Parker e o renascimento do Homem-Aranha sob uma nova identidade: o jovem negro Miles Morales.
No universo tradicional, a série Season One, que será lançada em breve, promete trazer novos fatos para as origens de personagens como os X-Men, o Quarteto Fantástico, o Homem-Aranha e o Demolidor entre outros. E, claro, não podemos esquecer as mudanças radicais promovidas por arcos como A Saga do Clone e Um Dia a Mais, onde a vida do Homem-Aranha (sempre ele!) é virada de pernas pro ar, provocando a fúria dos leitores. Felizmente, a duração destes arcos é temporária.
Embora a Marvel seja um pouco mais prudente que a DC – as mudanças geralmente são feitas em retcons(revisitando o passado e mudando fatos isolados da história do personagem) – ambas as editoras partem da premissa que é preciso renovar para atrair leitores. Em se tratando de personagens de ficção, que não envelhecem, isso pode ser verdade em alguns aspectos, afinal, conceitos mudam com o tempo. Mas também é verdade que esses personagens são clássicos e possuem uma “história de vida” que já é conhecida por grande parte do público. Mudar isso em nome de vendas maiores é dar um tiro no próprio pé.
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