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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O que uma nova inciativa da DC pode ensinar a quadrinhistas brasileiros


Você sabe como uma editora americana recruta roteiristas? Sabe de que maneira elas procuram novos talentos? Pra chegar no aguardado argumento deste texto, explicarei como a coisa funciona.
Uma editora só contrata roteiristas de duas maneiras.

AUTOPUBLICAÇÃO

Nada mais é do que um roteirista que já tenha publicado algo, mesmo que do próprio bolso. Em outras palavras, trabalho independente ou mesmo em editoras pequenas. Mas vamos focar nos independentes, já que como o termo mostra, não depende de ninguém.
Quadrinhistas independentes em feira do ramo
Quadrinhistas independentes em feira do ramo - Fonte: http://www.printeresting.org
Você quer ser roteirista de quadrinhos e não sabe como chegar lá. Aí estuda, procura as maneiras, etc e tal. E vê que os editores só aceitam receber trabalhos de roteiristas de duas formas – e a outra já veremos logo abaixo – e uma delas é a forma independente. Trocando em miúdos, você precisa de uma equipe de arte. Porém, precisa mais, mesmo, do desenhista, porque sem ele, o arte-finalista e o colorista (se tiver, afinal, é independente) não trabalham.
E sofre pra achar alguém que faça as páginas, que as entregue. E que seja bom no que faz. Mas acha. E publica. Aí você vai em convenções de quadrinhos, vende sua HQ independente e/ou faz todo o marketing para as pessoas saberem que ela existe. E depois envia uma carta de apresentação junto com uma cópia da sua HQ.
Já é algo? É, mas tem editores que gostam de ver mais de uma coisa, pra não ficar numa única história. Ele quer saber se você não é uma banda de um hit só. Então o legal seria enviar até três HQs para ele avaliar melhor seu trabalho.
E por que é dessa forma? Simples: editores não tem tempo pra nada. Eles precisam coordenar 45431334088732 equipes criativas para editar estas mesmas 45431334088732 revistas. Então não, ele não lerá um texto encadernado de 34532 páginas mostrando cada minucioso detalhe de seu projeto. Por isso querem uma HQ ali, que dê pra ler enquanto volta pra casa ou um pouco antes de dormir. Algo que divirta e que mostre que você conhece as técnicas de roteirização, além de tentar ver aquele “algo a mais” que outros candidatos não tem.
Tá com isso em mente? Agora vamos para a segunda maneira.

PITCH

O “pitch” nada mais é do que um documento de apresentação de projeto. Para cada mídia – cinema, TV, teatro e, claro, quadrinhos, entre outras – o pitch tem características diferentes. Entretanto, o objetivo permanece o mesmo: apresentar um projeto de forma rápida e sucinta.
E como é feito um pitch?
Antes de mais nada, use fonte tamanho 12, sendo Arial, Times New Roman ou Courier New.
Exemplo clássico de Linha Geral
Exemplo clássico de Linha Geral: Superman. Fonte: http://heroisx.wordpress.com/
A primeira coisa é a Linha Geral. E a Linha Geral nada mais é do que seu projeto inteiro explicado em uma frase, no máximo, um parágrafo. Por exemplo: “Planeta está condenado à destruição e um casal de alienígenas nativos envia seu único filho ao planeta Terra, onde é criado por um casal do Kansas como o próprio filho e devido à sua fisiologia diferente ganha poderes e vira um herói”. Superman, explicado em uma única frase.
O objetivo da Linha Geral é preparar o editor para o resto do pitch. Ao ter o resumo na cabeça, ele absorverá melhor o que vem depois.
Depois vem o Conceito. O Conceito é uma expansão da Linha Geral. É pegar a Linha Geral e aprofundar. No máximo, meia página. O Conceito serve para mostrar ao editor como você quer desenvolver o que foi apresentado na Linha Geral. O Conceito dá ao editor uma ideia de para onde quer levar a história, alguns de seus detalhes mais trabalhados, normalmente ligados a Pontos de Virada (técnica de roteiro, só procurar no Google) principais e outros detalhes mais importantes.
Em seguida vem a Direção, que nada mais é do que explicar as influências visuais da HQ em questão, assim como possíveis cruzamentos para dar melhor uma ideia do que é sua proposta. Tudo em meia página, no máximo. Por exemplo, Bando de Dois, de Danilo Beyruth pode ser explicado como “faroeste no melhor estilo Segio Leone no nordeste brasileiro”. Essa é uma boa frase para criar meia página explicando essas coisas.
A Direção dá uma ideia ao editor de como pode trabalhar o marketing, se a proposta tem a cara da editora, entre outras detalhes editoriais que ele quer saber.
Exemplo de Model Sheet - AnarquiaDepois vem Personagens. Você terá duas páginas para cada personagem, sendo no máximo três. Em uma das páginas, você coloca meia página de texto, uma página de model-sheet. Se não sabe o que é model-sheet, é uma página mostrando o personagem de frente, de lado e de costas e com algumas expressões faciais. Usando o Superman novamente, você poderia colocar o Superman, Lois Lane e Lex Luthor. Mais ninguém.
Agora vem a hora das Páginas Prontas. Você tem que colocar entre cinco e dez páginas prontas do seu projeto. Prontas assim: desenhadas, arte-finalizadas, coloridas e com letras (balões e onomatopéias). Em outras palavras, páginas que estariam prontas para ir para a gráfica.
A razão é que depois de conhecer a proposta da série e os personagens, o editor chega na “hora do vamos ver”. As Páginas Prontas mostram a ele se o que ele leu na proposta tem a mesma qualidade no material final.
Para o editor receber um pitch, você deve ir a um evento/convenção de HQs e mostrar a ele. Ele vai ler a Linha Geral e ir direto pro visual dos personagens e para as páginas prontas. Se ele curtiu o que viu, ele irá guardar o pitch para avaliar melhor depois. Se ele não curtir, ele devolve e diz que não interessa. Simples assim.
O pitch é algo pra ser tratado de forma bem rápida.
Tirando essas duas maneiras, as editoras americanas não olham para novos roteiristas. E isso acontece porque se eles recebem um material todo detalhado, com projetos elaborados e que mais parecem uma bíblia, etc e tal, e rolar de algum roteirista da casa estiver fazendo algo parecido na mesma época – sem você saber, já que eles seguram os detalhes o máximo que podem – depois que é publicado, você pode acusá-los de ter roubado sua ideia. Então eles se protegem o máximo que podem para que isso não ocorra. Um processo, muito bem atingido, e bye-bye editora. Uma penca de gente fica sem emprego.

E qual é o grande anúncio da DC Comics?

E qual é a grande novidade que a DC Comics anunciou? Na New York Comic Con deste ano, a casa de Superman, Batman e tantos outros anunciou que está iniciando um programa de treinamento de novos roteiristas (finalmente alguém fez isso, coisa que falo desde 1995!).
Enfim, segundo o presidente da empresa, Dan Didio, eles estarão convidando roteiristas independentes e de editoras pequenas para participar de um treinamento intensivo com os roteiristas deles – Geoff Johns, Grant Morrison, entre outros – para assim, revelar esses novos talentos.
Reparou quem eles estão convidando? Você ainda precisa se autopublicar, mas já é um começo. Estão de braços abertos e isso é importante.
E o que isso tudo tem para ensinar aos desenhistas brasileiros?

O poder está nas mãos dos desenhistas

E esse é um precioso detalhe para os desenhistas, dos iniciantes aos mais experientes, chegando às grande estrelas.
Sempre dizem que não existe mercado de quadrinhos nacionais. Alguns contestam isso. Não obstante, a verdade é que temos algo, mas não no nível do mercado americano. Só que isso pode mudar e tudo depende dos desenhistas.
Como?
Imagine que você é um músico, mecânico, advogado ou que tenha qualquer outro ofício. Você não entende nada desse trabalho e está começando. Você estuda, se dedica e evolui da maneira que pode. Porém, algo acontece e você para de praticar/estudar. Você enferruja e/ou não desenvolve tudo que poderia. Consequentemente, você nunca será músico, mecânico, advogado ou qualquer outra coisa.
No caso dos roteiristas brasileiros, este “algo acontece” em muitos casos atende pelo nome de “desenhista inexistente”.
É a lógica: sem o desenhista, o roteirista não tem como mostrar seu trabalho. E indo mais além – e sendo ainda mais importante – sem o desenhista, ele não tem como publicar e sem publicar, o trabalho dele não será criticado e sem as críticas, ele não tem como evoluir ao aprender com seus erros.
Então o fato de termos poucos – ou quase nenhum – roteiristas bons de quadrinhos reside no fato de que os desenhistas não dão muita bola pra isso. Ou se dão, não podem se envolver. Ou não querem.
O caso é que os desenhistas bons estão trabalhando para as editoras americanas. Boa parte deles tem contrato de exclusividade, o que os impede de fazer qualquer outra coisa que não seja desenhar para quem os empregou. Daqueles que não tem contrato de exclusividade, alguns trabalham para conseguir isso, o que significa segurança na carreira e outros não se importam se conseguirão isso ou não, querem apenas desenhar.
Os que não tem contrato de exclusividade poderiam fazer parceria com algum roteirista e publicar algo aqui como projeto paralelo. Começa com um HQ. Conseguem uma editora. Fazem todo o auê necessário para ela aparecer pra todos. Recebe as críticas e elogios. Aquele conhecido caminho todo.
Depois vem a segunda HQ. A terceira. A quarta. E, aos poucos, o roteirista vai pegando cada vez mais experiência, aprendendo mais, tornando-se um profissional melhor. Pronto, desenhista, você ajudou – e teve papel fundamental – a criar um bom roteirista brasileiro de HQs.
Novo Flama - por Mike Deodato
Novo Flama - por Mike Deodato. Fonte: http://mixhqpodcast.blogspot.com/
Dos que tem contrato de exclusividade, alguns tem uma moral gigantesca dentro das editoras que trabalham. Por exemplo, o Mike Deodato tem contrato de exclusividade com a Marvel, mas a moral que ele tem lá dentro permitiu que ele iniciasse a volta do Flama, personagem do pai dele que o grande artista retomará, publicando-o no Brasil. Além dele, quem mais? Ivan Reis? Ed Benes? Há uma boa quantidade de artistas com esse poder. Qual é o editor que não publicaria um nome desses? Claro que eles tem poder para fazer surgir novos e bons roteiristas.
Tudo que quero dizer é que os roteiristas são reféns dos desenhistas. Se os desenhistas não fazem a parte deles – dedicar-se a um projeto em parceria, entregar as páginas e deixar a preguiça de lado – a situação dos roteiristas no Brasil não mudará. O desenhista que não entrega páginas ou não se dedica a um projeto é sim parte do problema de porque não há bons roteiristas de quadrinhos por aqui.
O pagamento no Brasil é quase inexistente? É. Mas se os projetos não pipocarem por tudo quanto é lado – e como mostrei, isso depende da boa vontade dos desenhistas – não surgirão séries que seja sucesso de vendas e que pressionem os editores a pagar o justo – por página – que toda a equipe criativa merece. A coisa é parar de reclamar, parar de inventar obstáculos e simplesmente fazer.

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