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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

2011: o ano em que o quadrinho nacional aconteceu - parte 2 de 2

Por Paulo Ramos

Daytripper, de Gabriel Bá e Fábio MoonTão inusitado foi este 2011 para o autor nacional que um dos títulos estrangeiros mais comentados do ano, tanto dentro quanto fora do país, foi produzido por uma dupla de brasileiros. "Daytripper", dos irmãos Gabriel Bá e Fábio Moon, foi o destaque do ano. No exterior, venceu nos Estados Unidos os prêmios Eisner Award e Harvey Award, respectivamente como melhor minissérie e melhor história ou edição individual.
No Brasil, foi indicada como o segundo melhor lançamento do ano em duas listas feitas por pessoas que noticiam quadrinhos, a da revista virtual "O Grito" e a do blog "Gibizada". Em primeiro lugar, ficou "Asterios Polyp", de David Mazzucchelli (Quadrinhos da Cia.), premiada com o Eisner em 2010.
Os números de vendas no Brasil apenas confirmaram a repercussão de "Daytripper". Produzido em capa dura pela Panini, o álbum viu os primeiros três mil exemplares esgotarem logo na primeira semana de lançamento, em setembro. Nova tiragem de três mil, novo esgotamento nos meses seguintes. A editora imprime neste fim de 2011 outros 12 mil exemplares, metade deles em capa cartonada e preço mais em conta. No total, em quatro meses, a obra atingiu uma tiragem de 18 mil números. Um fenômeno editorial.

Seria um equívoco rotular "Daytripper" como nacional, apesar de feita por brasileiros. A história foi publicada originalmente no prestigiado selo Vertigo, que reúne trabalhos autorais e adultos da editora norte-americana DC Comics, a mesma de Batman e Super-Homem. A minissérie, em dez partes, foi reunida no início do ano num álbum, que integrou a lista dos mais vendidos da categoria em ranking do jornal "The New York Times". Só no segundo semestre ganhou uma versão nacional, vertida para o português pelo tradutor e especialista em quadrinhos Érico Assis. Por ser ambientada em diferentes partes do Brasil, a série parece funcionar melhor em português.
Difícil resumir a história sem antecipar o enredo ao leitor. Pode-se dizer que se trata de uma engenhosa narrativa sobre a vida e as mortes inesperadas de um escritor de obituários, Brás de Oliva Domingos. Mortes, no plural mesmo. E, por meio delas, contam-se momentos presentes, passados e futuros do protagonista.
Gabriel Bá conta que teve a ideia da trama ao olhar pela janela do banheiro, durante o banho. De onde estava, conseguia avistar uma favela. Pela distância, seria possível ser atingido por uma bala perdida. E se isso acontecesse mesmo? A partir desse insight, desenvolveu a história em parceria com o irmão.
Curioso que houve pelo menos um caso assim registrado no país, o de Older Cazarré. Ator de programas de humor da TV Globo e dublador (ficou famoso por dar voz ao personagem Dom Pixote dos desenhos animados da dupla Hanna-Barbera), morreu em fevereiro de 1992, aos 57 anos. Foi atingido por uma bala enquanto dormia em seu apartamento, no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro.

Daytripper, de Gabriel Bá e Fábio Moon 

"Daytripper", criada por brasileiros, conseguiu projeção num ano bastante generoso de boas obras estrangeiras, estas feitas por autores de fora do país, de diferentes partes. Além do já citado "Asterios Polyp", o leitor brasileiro teve contato com os europeus "Lucille" (de Ludovic Debeurme, pela editora Barba Negra), "Três Sombras" (Cyril Pedrosa, Quadrinhos na Cia.), "Fidel Castro em Quadrinhos" (Reinhard Kleist, 8Inverso), "Castelo de Areia" (Pierre Oscar Lévy e Prederik Peeters, obra estreante da Tordesilhas) e "A Chegada", de Shaun Tan, história muda e que figura entre as melhores do ano.
A estrente editora Nemo resgatou alguns trabalhos importantes e inéditos no país. Trouxe de volta a série italiana "Corto Maltese", de Hugo Pratt, os incômodos relatos de guerra de "Era a Guerra das Trincheiras", do francês Jacques Tardi, e iniciou uma coleção com histórias de Moebius. Os dois primeiros foram "Azrach" e "Absoluten Calfreutrail & Outras Histórias".
Estreitou-se um pouco mais a edição de trabalhos argentinos, até então raros no país. A maior parte foi lançada pela editora Zarabatana. As tiras de "Macanudo" ganharam um quarto volume (de autoria de Liniers), o álbum "Noturno" teve uma edição nacional (com os desenhos detalhados de Salvador Sanz) e conteúdo da revista "Fierro", a principal da Argentina, foi reunido em forma de livro, dividido com quadrinistas nacionais (Danilo Beyruth, Gustavo Duarte, Adão Iturrusgarai, Eloar Guazzelli e outros). A Marca de Fantasia, de João Pessoa, reuniu histórias de "Carne Argentina", produzida por autores do grupo de La Productora.
Dos Estados Unidos, pôde-se ler o até então inédito "Mundo Fantasma" (Daniel Clowes, GAL) e novos volumes de "A Liga Extraordinária", ambientada em 1969 (Alan Moore e Kevin O´Neil, Devir), de "The Umbrella Academy" (desenhada por Gabriel Bá, Devir)e da viciante "Os Mortos-Vivos" (Robert Kirkman e Charlie Adlard, HQM).
Houve também reedições da erótica "Black Kiss" (Howard Chaykin, Devir) e de tiras históricas de "Peanuts" (quarto volume da série da L&PM), "Recruta Zero" (Mort Walker, Kalaco) e "Agente Secreto X-9" (Dashiell Hammett e Alex Raymond). Houve ainda a sequência de boas séries da Vertigo, via Panini, casos de "Fábulas", "Y - O Último Homem", "Ex Machina" e "Preacher", que, enfim, teve o último número lançado no Brasil.
A Panini também publicou séries da Vertigo numa revista mensal homônima. Duas merecem destaque: "Escalpo" e "Vampiro Americano". Esta é desenhada pelo brasileiro Rafael Albuquerque e foi premiada como melhor nova série no Eisner Award e no Harvey Award.
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Os títulos da Vertigo dividiram as prateleiras das bancas com os super-heróis norte-americanos, os mangás japoneses, os personagens Disney, os faroestes italianos, Luluzinha em versão adolescente (produzida no Brasil) e infantil (trabalho original, produzido nos Estados Unidos nas décadas de 1940 e seguintes) e as revistas de Mauricio de Sousa.
"Turma da Mônica Jovem" continuou em evidência. A tiragem, entre 300 mil e 400 mil exemplares, segundo números da assessoria do desenhista e empresário, foi superior a de títulos estadunidenses dos heróis da Marvel e DC Comics. A revista também lidera as vendagens do setor no Brasil, vendendo mais que a versão tradicional de Mônica.
Os Estúdios Mauricio de Sousa continuaram também apostando em novos projetos. Um deles foi o terceiro volume de "MSP 50 - Mauricio de Sousa por 50 Novos Artistas", lançado no começo do segundo semestre. Talvez por se ancorar na mesma fórmula (histórias feitas por diferentes artistas), o álbum não teve a mesma repercussão que os dois anteriores, publicados em 2009 e 2010. Por outro lado, ganhou bastante destaque, inclusive na chamada grande mídia, o anúncio de quatro álbuns que serão produzidos com os personagens da Turma da Mônica, feitos por Vítor e Luciana Cafaggi, Gustavo Duarte, Shiko e Danilo Beyruth.
A Abril teve um nítido interesse em diversificar e ampliar seus títulos ao longo de 2011. Houve mais almanaques e especiais com os personagens Disney, publicou quatro volumes com histórias juvenis baseadas em animações de heróis da DC Comics (Super-Homem, Batman, Liga da Justiça e Joves Titãs) e encerra o ano com três revistas nacionais, "Gemini 8", da empresa TV Pinguim, "UFFO - Uma Família Fora de Órbita", de Lucas Lima, e "Garoto Vivo - Na Villa Cemitério", de Fabricio Pretti. Os dois últimos foram os trabalhos vencedores do Prêmio Abril de Personagens, realizado pela editora. O quadrinho de banca não está morto, como muitos apregoam, ancorados nas altas vendas do passado.
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Analisado em perspectiva, o ano de 2011 confirma algumas tendências: livrarias como pontos sólidos de vendas de quadrinhos; interesse editorial em adaptações literárias e em álbuns nacionais; vontade de os autores produzirem por conta e mostrarem serviço, em vez de ficarem esperando que algo aconteça; surgimento de histórias longas interessantes, num país que há menos de uma década dizia ser desprovido de bons escritores para narrativas de maior fôlego; mercado estrangeiro como alternativa para expor obras e/ou atuar; veiculação de histórias na internet para serem, depois, compiladas em papel; diversificação de títulos e gêneros; as tiras dos jornais são sombreadas pelas da internet.
Outra constatação é que ocorre uma redução no espaço que separa(va) os autores independentes e as editoras. Esse raciocínio foi percebido por Fabiano Barroso, editor da revista independente mineira "Graffiti 76% Quadrinhos", e é de se concordar com ele. Os quadrinistas que se autopublicam já conseguem tiragens e qualidade gráfica semelhantes às editoras de quadrinhos. Parte destas é mantida por uma, duas, três pessoas, que acumulam as funções administrativas com as editoriais.
Foi um ano em que o quadrinho nacional aconteceu.
E, ironicamente, no mesmo ano em que ganhou corpo o projeto de lei que estipula uma reserva de mercado de 20% para quadrinhos nacionais (nos jornais, 50%), tema acaloradamente debatido por autores, editores e leitores nas redes sociais, este blog inclusive. O texto, discutido na Câmara dos Deputados, ingressa em 2012 no Senado. Se aprovado lá, passa a sanção presidencial. É uma lei que, se aprovada e se for mantido o cenário atual, já entra em vigor obsoleta.
Pode-se questionar se essa tendência de volume de produção nacional será mantida daqui para a frente. Difícil dizer, até porque se trataria de previsão, e não de constatações. De concreto, já há anúncios de novos álbuns e adaptações nacionais para 2012, boa parte fruto do edital paulista do ProAC.
Mas pode-se analisar a questão por outro ângulo. Há cinco anos, alguém imaginava que veria tantos trabalhos nacionais publicados no país? Confesso que não. Trata-se, é fato, de um cenário bem mais promissor do que o de então.
E leitores e autores parece terem criado gosto pela coisa. Esse é o diferencial.

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