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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Os 20+ de 2011 pelo Portal GHQ


Por Milena Azevedo - GHQ


Nem os mais otimistas teriam previsto um ano tão incrível para a arte sequencial como foi 2011. Uma porção de eventos dedicados à cultura pop e aos quadrinhos aflorou em diversas regiões do Brasil, como a Gibicon (Curitiba) e a FLIQ (Natal), e o tradicional FIQBH bateu recorde de público, superando a badalada San Diego Comic Con.
E nesses eventos todos, o quadrinho nacional provou que tem seu espaço garantido, com vários lançamentos independentes excelentes (Nanquim descartável 4, São Jorge da Mata Escura, By the Southern Grace of God), novas editoras chegando (Nemo, Tordesilhas) e outras iniciando selos de HQs (Ática, Draco), apostando também nas pratas da casa, antes mesmo da polêmica cota para publicação de quadrinhos nacionais.
Podemos dizer, igualmente, que 2011 foi um ano “milagroso”. Tivemos o fim da “maldição” de Preacher, no Brasil, com a Panini publicando o arco completo de Álamo; Mutarelli voltando a fazer quadrinhos; o álbum Toute la poussière du chemin, escrito pelo brasileiro Wander Antunes e desenhado pelo espanhol Jaime Martin, concorreu ao Grand Prinx do Festival de Angoulême; e os quadrinistas potiguares viram o sol brilhar através do projeto 1ª Edição, contando pela primeira vez com um estande próprio no FIQ.
Vi com bons olhos as iniciativas do Cláudio Martini, da Zarabatana Books, de relançar Saino a Percurá, do Marcelo Lelis (o desenhista argentino Horácio Altuna ficou encantado); da Conrad Editora, com a compilação das HQs de A Garra Cinzenta; daeditora Abril, que voltou a investir no setor de quadrinhos, criando uma linha infanto-juvenil brazuca; e do Portal Ig Jovem, abrindo espaço para webcomics e webtiras de artistas nacionais consagrados.
Destaco também o trabalho do Wellington Srbek à frente da jovem editora Nemo. Graças a ele, voltamos a ter em mãos obras de Pratt, Moebius, Tardi, todos com um projeto gráfico bacana, voltado para colecionadores exigentes, e com um preço justo pelo acabamento do material. Esse início da Nemo com o pé direito me faz indicá-la como melhor editora de 2011.
Se fazer a lista do Top 20 já era algo um tanto quanto complicado, a safra 2011 foi de rachar a cuca, embora, como de praxe, não tenha sido possível comprar e ler todos os títulos lançados.
1°) Morro da Favela (Barba Negra/Leya): o retrato que André Diniz fez do fotógrafo Maurício Hora, enquadrando o Morro da Providência e o início do tráfico de drogas nas favelas cariocas, é de uma grandeza ímpar. Seguro do seu traço e da história que narrava, Diniz escapou dos clichês e construiu uma obra coesa e sincera ao mostrar uma realidade desfavorável de forma poética e sensata.

2°) Três Sombras (Quadrinhos na Cia.): vencedor do Grand Prix de Angoulême de 2008, a tocante saga de um pai que empreende uma grande jornada mundo afora para evitar a morte do filho é um poema visual trágico e belo sobre sacrifício e esperança, conduzido com maestria por Cyril Pedrosa. Impossível não verter lágrimas.
3°) Daytripper (Panini): Moon e Bá se superaram e mereceram o Eisner que ganharam com essa graphic novel sobre um escritor de obituários, Brás de Oliva Domingos, que deseja sair da sombra de seu pai e iniciar uma carreira como romancista. Metanarrativa delicadamente elaborada, texto e arte inspirados.
4°) Asterios Polyp (Quadrinhos na Cia.): um achado de David Mazzucchelli, que produziu uma das graphic novels mais ousadas e inovadoras do século XXI, brincando com as formas e a diagramação das páginas para explicitar os estados emocionais dos personagens.
5°) Fahrenheit 451 (Globo): méritos ganha o artista que consegue fazer uma obra clássica ficar melhor do que ela já é. Essa adaptação do romance homônimo de Ray Bradbury por Tim Hamilton é uma pérola e um cartão de visita a todos os que desconhecem ambos os autores.
6°) A Garra Cinzenta (Conrad): caprichada e merecida compilação do primeiro anti-herói brasileiro dos quadrinhos a ser exportado para países como o México e a Bélgica. Série provavelmente escrita por Helena Ferraz de Abreu (sob o pseudônimo de Francisco Armond) e desenhada por Renato Silva, publicada originalmente entre 1937 e 1939, nos suplementos A Gazetinha/Gazeta Juvenil. O texto do Worney Almeida de Souza apimenta a questão da controversa autoria.
7°) MSPNovos50 (Panini): finalizando a trilogia com estilo, Sidney Gusman voltou a selecionar a nata dos quadrinistas brasileiros, entre eles Shiko Leite, Ana Luiza Koehler, Aluir Amancio, W. Lene Chaves, Watson Portela, Samuel Fonseca, Tiago Elcerdo, Mike Deodato Jr., João Montanaro, Felipe Massafera, Marcio Coelho.
8°) Achados e Perdidos (independente): primeira graphic novel brazuca publicada através do financiamento colaborativo, com direito à trilha sonora exclusiva para cada capítulo. Mergulhe no buraco negro da barriga de Dev, conhecendo e enfrentando seus traumas e frustrações.
9°) Nanquim descartável # 4 (independente): amadurecimento de Daniel Esteves como roteirista, o quarto volume de Nanquim Descartável é robusto de forma e conteúdo.
10°) Clara dos Anjos (Quadrinhos na Cia.): o último e inacabado romance de Lima Barreto se transformou numa história em quadrinhos fiel às características do autor, como o desfraldar da hipocrisia da sociedade brasileira, a denúncia do preconceito étnico e o foco nos pobres, negros e boêmios, graças a um roteiro enxuto e bem trabalhado por Wander Antunes e Marcelo Lelis. A edição ganhou um excelente posfácio de Lilia Schwarcz, e Lelis também conta como foi o processo criativo e a elaboração do design de cada personagem.
11°) Quando eu cresci (Ática): a graphic novel que marcou a estreia do selo Agaquê, da editora Ática, é uma autobiografia (com toques de fantasia) sobre amadurecimento precoce. As metáforas de Pierre Paquet são bem empregadas e a arte de Tony Sandoval mescla ternura e medo. Dá uma tremenda vontade de reler ao finalizarmos.
12°) Liga Extraordinária: século 1969 (Devir): a Devir parece que vai continuar mesmo lançando a aclamada série de Alan Moore e Kevin O´Neill. Nesse volume, temos uma aventura psicodélica, envolvendo hippies, pop stars, satanismo, na qual Mina, Orlando e Allan Quatermain precisam evitar o nascimento do AntiCristo. O ponto alto é a brincadeira que Moore faz entre os personagens, pra ver quem mais se adapta ao desbunde.
13°) Corto Maltese – A juventude (Nemo): numa aventura em que Corto Maltese mal dá às caras, aparecendo praticamente para apresentar Jack London a Rasputin, em pleno armistício da louca guerra entre Rússica, Japão e Manchúria, em 1905. O texto introdutório (repleto de fotos) é um primor, informando-nos sobre a referida guerra, os personagens principais e o porquê de a história ter ficado incompleta.
14°) A balada de Johnny Furacão (Flâneur e Kalaco): recorde de vendas, a primeira graphic novel do Sama ganhou uma reedição com extras em torno de seis meses após lançada. Pontos para o ator-quadrinista, que soube contar uma história (cujo mote foi uma música do Erasmo Carlos) de forma surpreendente.
15°) Para tudo se acabar na quarta-feira (Draco): estreia do designer e professor Octavio Aragão nos quadrinhos. Aragão entra de sola no universo criado por ele, a Intempol, narrando uma história de aventura e ficção, repleta de referências literárias e quadrinísticas, em pleno carnaval carioca.
16°) Mundo Fantasma (Gal Editora): palmas para a Gal Editora que finalmente lançou esse clássico dos quadrinhos underground no Brasil. É ler e se divertir com as tirações de sarro das amigas Enid e Becky.
17°) O beijo adolescente – primeira temporada (independente): Rafael Coutinho criou uma trama original e muito bem conduzida; uma metáfora do colorido mundo novo (e passageiro) da adolescência e o constante embate com a cinzenta aridez dos adultos.
18°) Vigor Mortis Comics (Zarabatana Books): José Aguiar e DW aceitaram o desafio de quadrinizar as peças (adaptadas para roteiros de quadrinhos) da Cia. de teatro Vigor Mortis, escritas por Paulo Biscaia Filho. Misturando gore, noir, cultura pop e metanarrativa, as oito histórias do álbum formam um ótimo “terrir”.
19°) Gênesis apocalípticos + Os inefáveis (Marca de Fantasia): alguém alguma vez imaginou que as teorias sobre a criação do mundo e dos seres humanos pudessem render piadas inteligentes e afiadas? Lewis Trondheim mostrou que sim.
20°) Birds (independente): diferente de Có e Taxi, Gustavo Duarte investiu numa trama mais sombria e sanguinolenta, embora a narrativa visual e o apelo cômico tenham sido mantidos. A história dos pássaros que procuram escapar da morte é um thriller que certamente faria Hitchcock dar boas gargalhadas.

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