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domingo, 11 de março de 2012

John Carter, a ficção que veio de Marte

Por Pipoca Moderna


"John Carter – Entre Dois Mundos” é um dos grandes lançamentos cinematográficos de 2012, com um orçamento estimado em US$ 250 milhões, muitos efeitos especiais e o recurso do 3D. Mas sua história original não poderia ser mais barata. De fato, era vendida por 20 centavos em 1912, quando o escritor Edgar Rice Burroughs teve a ideia de colocar um veterano da Guerra Civil americana no planeta Marte, entre criaturas de quatro braços e uma princesa estonteante.
“Burroughs foi provavelmente o escritor mais influente em toda a história do mundo”. O comentário, que soa exagerado, ganha relevância por ter saído da boca de Ray Bradbury, outro ícone da ficção científica (“Fahrenheit 451”, “Crônicas Marcianas”), no livro “Listen to the Echoes”, de Sam Weller. Ele foi influenciado a criar uma série de livros sobre o planeta vermelho após ler as aventuras do campeão de Marte.
Sem “John Carter”, até os genes de “Star Wars” seriam diferentes. Quando George Lucas não conseguiu os direitos de filmagem de “Flash Gordon”, que nada mais era que um John Carter no planeta Mongo, ele decidiu inventar sua própria space opera – sem negar as origens. A influência aumentou ainda mais com a continuação, “O Império Contra-Ataca”, roteirizada por Leigh Brackett, um fã assumido do escritor. “Fui apresentado a Edgar Rice Burroughs quando era jovem e isso mudou minha vida. O meu fascínio por Marte vem do fascínio pelo planeta que ele imaginava”, disse certa vez.

“John Carter”, no entanto, nasceu quase que por acidente. Bem antes das revistas em quadrinhos, eram as revistas pulps que faziam a molecada imaginar monstros e viagens intergalácticas, na primeira metade do século 20. Impressas em papel de baixíssima qualidade, o que reduzia o custo e tornava o produto acessível a um grande público, as histórias fantasiosas dos pulps traziam heróis poderosos resgatando belas mulheres em situações de perigo contra criaturas malignas.
Apesar da completa despretensão literária, grandes autores surgiram desse gênero, como Dashiell Hammett (“O Falcão Maltês”), Edward Elmer Smith (“Skylark”), Edmond Hamilton (“Captain Future”), H.P. Lovecraft (“Nas Montanhas da Loucura”). H.G. Wells (“Guerra dos Mundos”) e Robert E. Howard (“Conan”), entre outros.
Edgar Rice Burroughs era um ávido leitor das pulps e não estava numa situação financeira invejável. Aos 35 anos e com uma família para sustentar, ele vivia insatisfeito com o emprego de vendedor de apontadores de lápis num apartamento apertado, e decidiu arriscar inventar sua própria ficção, visando simplesmente um ganho extra. “Eu não estava escrevendo por qualquer desejo de escrever nem por um amor especial pela escrita”, Burroughs chegou a confessar. “Eu escrevia porque eu tinha uma esposa e dois bebês, uma combinação que não funciona bem sem dinheiro”.
Da necessidade, surgiu “John Carter”, um soldado do século 19 que vai parar em Marte, onde precisa resgatar uma princesa e enfrentar criaturas de múltiplos membros. De científico, mesmo, a ficção de Burroughs não tinha muito, já que as explicações técnicas eram escassas e, em alguns casos, equivocadas – como a habilidade do humano em pular grandes alturas devido à diferença da gravidade do planeta vermelho.
Não interessa. “A Princesa de Marte”, caiu no gosto do público e acabou se tornando o primeiro livro de uma saga composta por 11 obras. Burroughs foi ainda responsável pela criação de outro clássico da literatura moderna, “Tarzan, O Filho das Selvas”, este sim com inúmeras adaptações cinematográficas e televisivas.
A complexidade do mundo fantástico repleto de raças alienígenas e criaturas monstruosas, por outro lado, foi uma barreira para a transposição audiovisual de “John Carter”. A falta de filmes ou seriados sobre o personagem, somada ao declínio da produção das pulps com a 2ª Guerra Mundial e a chegada de novos heróis, ou melhor, super-heróis, dificultaram sua popularização ao longo dos anos.
Mas isso não impediu que grandes autores e produtores mantivessem a chama marciana acesa e se inspirassem nas aventuras elaboradas por Burroughs para criar (ou recriar) novas histórias. Jerry Siegel e Joe Shuster criaram Superman, alguém que vai de um prédio a outro com um único salto; Arthur C. Clarke (“2001: Uma Odisseia no Espaço”) e Robert Heinlein (“Um Estranho Numa Terra Estranha”) também já citaram Burroughs como grande inspiração.
O célebre ilustrador Frank Frazetta também dedicou várias telas ao herói, usadas como capa de reedições dos livros durante os anos 1970. Mais recentemente, o igualmente incensado Boris Vallejo (ilustrador do pôster do clássico filme “Barbarella”) se juntou à artista Julie Bell para criar novas artes impressionantes inspiradas nos livros de Burroughs. O fato é que, desde os anos 1930, “John Carter” tem ganhado imagens vívidas, ao ser transportado para os quadrinhos. As primeiras adaptações tinham traços de John Coleman Burroughs, filho do próprio criador do personagem, mas as versões mais lembradas são as da década de 1970 nas editoras DC e Marvel Comics, ambas escritas pelo quadrinhista Marv Wolfman (criador dos “Novos Titãs” e de “Blade”).
Mesmo cientistas e astronautas relataram ter escolhido a carreira motivados pela semente mágica plantada enquanto folheavam aquelas páginas baratas. “Os romances de Edgar Rice Burroughs despertaram em gerações, eu entre elas, a consideração da exploração dos planetas como uma possibilidade real”, disse Carl Sagan, astrônomo que foi conhecido pela série televisiva “Cosmos”.
Até a maior bilheteria da história deve tributo pela inspiração. “Com ‘Avatar’, eu pensei: ‘Esqueça todos esses filminhos e vamos fazer uma aventura clássica, nos moldes de Edgar Rice Burroughs, como ‘John Carter’, um soldado que vai para Marte’”, comentou James Cameron em entrevista ao The New Yorker em 2009. O ex-fuzileiro naval Jake Sully (Sam Worthington) não vai para o planeta vermelho, mas para Pandora, e o resto da história todo mundo já sabe.
Depois de tantas inspirações e influências, o personagem de Burroughs finalmente chega aos cinemas com um filme próprio, em “John Carter – Entre Dois Mundos” – um sonho antigo, inclusive, do diretor Andrew Stanton, outro fã confesso e um dos homens fortes da Pixar, vencedor de dois Oscar (“Procurando Nemo” e “Wall-E”). O grande desafio de “John Carter”, porém, vem agora: convencer gerações que acham que pulp fiction é um filme “antigo” de Quentin Tarantino e dar um pulo marciano nas bilheterias.

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