Páginas

sábado, 28 de julho de 2012

Batman: o Ressurgimento do Cavaleiro das Trevas e o fim de uma era

Por Judão

 Em um universo povoado por alienígenas, tropas intergaláticas, garotos com poderes de aranha e mutantes, o Batman sempre foi o herói mais humano dos quadrinhos. Ele não precisou de algum acidente ou o acaso do destino para ganhar, ou comprar, seus poderes. Na realidade, a tragédia da vida, que permeia toda a existência, acabou por levar Bruce Wayne a um caminho no qual conquistou o pico da condição física e onde desenvolveu de forma brilhante sua inteligência. Por isso este é um herói tão real. E, depois de pensar muito sobre Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge e ver como o filme se encaixa no resto da trilogia de Christopher Nolan, percebo que ter levado esta realidade ao máximo possível é a maior qualidade do trabalho do diretor.
De qualquer forma, ver – e entender de forma mais ampla – TDKR não é um trabalho fácil. Para escrever este texto, veja só, já vi o filme duas vezes, além de passar horas refletindo sobre a história contada. De definitiva, as únicas conclusões que cheguei são aquela do parágrafo anterior e que este novo filme do Homem-Morcego não é melhor que Batman – O Cavaleiro das Trevas.

E isso não é algo ruim. Ao contrário.
Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge começa oito anos depois dos eventos do filme anterior. O Homem-Morcego não é visto desde a fatídica noite na qual Harvey Dent morreu. O herói assumiu as mortes causadas pelo promotor e os políticos de Gotham usaram o exemplo de Dent para promulgar uma lei muito mais dura contra o crime organizado. Gotham agora vive quase em paz e Bruce, incapacitado de seguir como o Batman por conta do ferimento na perna no final do último filme (além do desgaste sofrido em seu corpo como um todo) vive recluso em sua mansão.
James Gordon, porém, sabe de toda a verdade. E os dois vivem uma mentira. Uma mentira que trouxe a paz, mas que os corrói por dentro. É assim que começa o ressurgimento do Homem-Morcego.
A história, apesar de ser seca e inédita para o personagem, traz importantes elementos das HQs, entre elas A Queda do Morcego (incluindo aí o desgaste físico de Bruce e a presença de Bane), O Cavaleiro das Trevas e de um arco da fase de Grant Morrison que não citarei qual é pra depois ninguém reclamar de spoiler. ;)
Pode parecer, inicialmente, uma enorme salada – tanto é que o background do vilão Bane é bastante alterado – mas tudo isso em conjunto funciona muito bem. No final das contas, temos um filme que realmente fecha uma trilogia, amarrando as pontas do primeiro e do segundo, e ainda foge daquele formato definido por George Luccas nos anos 80, quando o segundo filme é o fundo do poço para o herói. Na realidade, o fundo do poço – literalmente – acontece para o Batman neste novo filme.
É pena não ver a presença do Coringa neste grande plano tocado por Bane — o personagem não é nem citado. Por um lado, é de se esperar o respeito do diretor Christopher Nolan ao legado de Heath Ledger, acreditando que é melhor deixar totalmente intocado o trabalho do ator, mas por outro fica estranho para a história como um todo. O que podemos é apenas imaginar que, de alguma forma, o Coringa não viu mais graça em azucrinar os habitantes de Gotham depois que aquele ser que o completava, o Batman, sumiu.
O fator Blake
Em meio a uma história tão longa e elaborada – se passam meses entre a primeira e a última cena, isso tudo em 2h44 de filme – Christopher, Jonathan Nolan e David S. Goyer não ficaram presos apenas nas referências aos quadrinhos e na resolução dos filmes anteriores. Eles tiveram tempo de criar. A principal criação foi, sem dúvida, o policial John Blake. No final das contas, ele é o único herói de verdade em todo o filme, já que Bruce e Gordon vivem uma mentira. Blake não foge da verdade, nem de suas obrigações como policial. Ele é a força que movimenta, diretamente ou indiretamente, a resistência de Gotham.
Isso faz de Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge um filme ainda mais real. Afinal, o único uniforme de Blake é, no final das contas, uma farda.
Por tudo isso, é de se elogiar a atuação de Joseph Gordon-Levitt. Não é fácil entrar em uma franquia de sucesso no terceiro filme sem ser um vilão. E é mais difícil ainda segurar uma importância tão grande em seu papel.
Nesse contexto, o Batman é diminuído. Não vou aqui repetir o que muita gente achou do filme anterior e dirá desse novo, porque sim, esse É um filme do Batman. Ele é quem movimenta a história e inspira as pessoas. No entanto, o herói mentiu por um “bem maior” e se acovardou. Ao invés de seguir em frente após ter abandonado o capuz e a capa, como pede o Alfred, ele prefere ficar preso em sua mansão, lembrando-se do passado de combate ao crime e da amada. Duas coisas que perdeu, já que Rachel morreu e seu corpo não é mais o mesmo de antes.
Isso tudo, mais uma vez, humaniza o personagem de uma forma inédita. Nos quadrinhos Batman já mentiu por não confiar nas pessoas… Mas não assim, de uma forma tão grande. A sacada de Nolan é que ele não deturpa o personagem com essa mentira. Pelo contrário, ele retrata o sofrimento de Bruce Wayne com o que foi obrigado a fazer.
De certa forma, essa novidade trouxe um desafio ao Christian Bale. Ele pode fazer o personagem pela terceira vez, mas em um momento novo. Aqui vemos pouco o Batman e o playboy, mas sim a real persona de Bruce Wayne. Talvez, no fim, esse seja mais um filme do Bruce Wayne do que do Homem-Morcego.
Outro personagem que compartilha a dor da mentira com o Batman é James Gordon. O comissário aparece desta vez muito mais duro e contundente, mostrando uma evolução do personagem e uma aproximação daquele Gordon mais experiente das HQs – afinal, oito anos se passaram. Nem é preciso elogiar o Gary Oldman pela atuação. O próprio nome do ator já virou sinônimo de elogio.
Meow!
Outra novidade muito bem vinda é a Mulher-Gato – que, no final das contas, nem recebe esse nome. Na realidade, nos jornais, Selina Kyle é chamada de “The Cat” e só. Mais uma vez Nolan foi até a origem da personagem, nos trazendo uma Selina que é, acima de tudo, uma ladra. Ela tem sim características felinas, mas não estão nos trejeitos ou nos “miaus”. Selina Kyle não tem orelhas (são apenas óculos de visão noturna que, em cima da cabeça, deem a impressão de orelha) ou rabo em seu uniforme. Só que não são apenas essas as características de uma gata.
Dos felinos, ela pega emprestado o jeito imponente de andar, a necessidade de ouvir os próprios instintos e vontades, a desconfiança e o jeito sexy.
O resultado é, sem dúvida, a melhor atuação da carreira de Anne Hathaway. Ela te convence dos motivos que está ali, sem contar as mudanças nas expressões nos momentos em que ela “atua” para conquistar seus objetivos.
Por outro lado, Miranda Tate, a personagem de Marion Cottilard, funciona por quase todo o filme como um oposto para Selina. Por vários motivos, Anne rouba um pouco a cena de Marion, mas é proposital. Gatos gostam de roubar a cena e isso ajuda na história que está sendo contada. ;)
“I WILL BREAK YOU!”
O ponto fraco do filme, por diversos motivos, é o Bane. Não que seja péssima a atuação, a concepção do personagem… É que o nível da trilogia é tão alto que se algo não sai muito certo, acaba destoando de forma gritante.
A razão está nas expressões do vilão. Tom Hardy tentou fazer bem o seu papel, mas uma série de fatores levaram a um resultado que fica muito estranho na tela de cinema. Começa pelo rosto, que só tem a boca coberta. Até aí tudo bem, mas quando ele fala não há expressão no resto do rosto. Talvez a ideia tenha sido mostrar que o Bane perdeu a capacidade de se expressar, mas isso combinado com a voz redublada na pós-produção (a “original” era ininteligível, como você deve ter percebido no primeiro trailer do filme) resultaram em algo que não encaixa. Muitas vezes não parece que aquele cara careca na sua frente é quem está falando. Talvez a melhor solução tivesse sido manter uma máscara igual a dos quadrinhos, que cobre todo o rosto.
Fico curioso sobre como vão resolver isso na dublagem em português.
Outra impressão que fica é que algumas sequências importantes de Bane não receberam a importância devida por parte do Christopher Nolan. O primeiro grande confronto entre o vilão e o Batman tem uma cena importantíssima que, no contexto do filme, é fraca. Passa, rápida, sem a devida emoção, sem o devido drama, sem o devido “puta que pariu”… Pena.
Para encerrar as análises das atuações, apenas digo que Morgan Freeman e Michael Caine estão no mesmo nível de sempre. Ou seja, espetaculares. Outro que continua no seu melhor é Hans Zimmer, que faz com que esta trilha sonora seja ainda melhor que a do filme anterior.
Uma trilogia histórica
Além dos erros apontados até aqui, existem outros – muitos dos quais são spoilers, por isso não comentarei. O que posso dizer é que a parte final do filme talvez seja muito rápida, com grandes passagens de tempo em poucos minutos, o que compromete um pouco. Não havia, no entanto, muito que fazer, já que TDKR se tornou um filme extremamente longo.
No final das contas, como já disse, é um filme inferior a Batman – O Cavaleiro das Trevas. Porém, acredito que nunca foi a intenção de Christopher Nolan se superar. A investida do Coringa contra Gotham e o Batman é a obra-prima na carreira do diretor – algo que seria impossível de superar, até pela falta de Heath Ledger. Sendo assim, Nolan claramente abdicou desse objetivo para contar uma história que coloca o Batman do diretor definitivamente com os dois pés fincados na realidade e finaliza um ciclo que encerra tudo aquilo que foi contado em Batman Begins e TDK.
Depois de terminada a sessão, percebo que pela primeira vez encaro um super-herói de uma forma diferente. Desde o surgimento do Superman, em 1938, a ideia sempre foi que o leitor/espectador quisesse, de alguma forma, SER o herói. Agora, terminada esta trilogia, a sensação ao sair do cinema é que este Batman não é apenas possível, como necessário. O difícil é estar preparado para pagar o preço.
Ah! Não há cena pós-créditos, por mais que você deseje isso do fundo de seu coração.

Nenhum comentário:

Postar um comentário