Por Ficção HQ
ENTENDA DE UMA VEZ POR TODAS TODO O CASO MIRACLEMAN/MARVELMAN!
Era
uma vez um personagem chamado Capitão Marvel. Assim como a grande
maioria dos assim recém-nomeados "super-heróis", ele tinha à sua
disposição um leque de poderes que incluía a famosa trindade
voo/superforça/invulnerabilidade*.
Porém, diferentemente das dezenas de outros super-heróis surgidos
durante a Era de Ouro, o Capitão Marvel apresentava um desafio à altura
do primeiro deles, Super-Homem, pois o alter ego
de Billy Batson vendia, e muito - mais até que o Homem de Aço à época!
Devido a isso, a National Comics (que depois se tornaria a famosa DC
Comics) impetrou uma ação na justiça acusando o Mortal Mais Poderoso da
Terra de plágio do Super, e assim a Fawcett Comics, que publicava o
Capitão Marvel, não tendo tanto dinheiro como a National (DC), parou de
publicá-lo (e toda a Família Marvel) em 1953.
Enquanto
isso, no Reino Unido, a L. Miller & Son, responsável por publicar a
Família Marvel na Inglaterra, não estava disposta a desistir de sua
maior fonte de renda. Assim, solicitou ao criador Mick Anglo que achasse
um substituto. A revista Capitão Marvel #24 foi sucedida no mês
seguinte pela revista Marvelman #25. Numa jogada de mestre, Mick Anglo
retirou a capa do personagem, mudou seu cabelo para loiro e alterou a
frase de poder Shazam para Kimota (a aliteração de Billy Batson se
manteve em Micky Moran). E assim nascia um novo super-herói. A revista
Marvelman durou até 1963. Marvelman chegou a ser publicado no Brasil,
juntamente com Capitão Marvel, mesmo durante as décadas de 50 e 60, e
aqui nas terras tupiniquins recebeu o nome de Jack Marvel (?!?) - com as iniciais "MM" de seu peito muitas vezes apagadas.
Aproveitando
o lapso deixado pelo nome e a marca, a editora Marvel Comics, durante a
Era de Prata, pegou o nome "Capitão Marvel" e lançou seu próprio
personagem, o herói alienígena da raça Kree que durante algum tempo
trocava de corpos com o adolescente Rick Jones**. Desde
1967, a Marvel Comics é detentora dos direitos de estampar na capa uma
revista chamada "Capitão Marvel". Para não perder os direitos do nome, a
Marvel Comics sempre lança, periodicamente, alguma revista, minissérie
ou personagem novo com o mesmo título, Captain Marvel no original (por isso a quantidade exagerada de personagens na editora que já dividiram o mesmo nom de guerre, incluindo algumas personagens femininas até).
Devido
a isso, quando, em 1972, a DC Comics conseguiu comprar o personagem
mítico da Fawcett Comics, não pode estampar seu nome nas capas das
revistas em que era publicado, em seu lugar decidindo estampar o nome
Shazam! E foi desta forma que o personagem da DC ficou conhecidíssimo,
principalmente no Brasil, não como Capitão Marvel, mas como Shazam, como
se este fosse seu verdadeiro nome. ***
Durante
o início da década de 80, um escritor inglês debutante apaixonado pela
Era de Ouro foi chamado pela revista britânica Warrior para trabalhar
sobre um antigo personagem. Foi assim que Alan Moore começou sua
legendária fase reidealizando Marvelman. Moore repaginou o personagem,
imaginando um envelhecido Michael Moran tendo sonhos sobre antigas
aventuras passadas há quase duas décadas nas quais tinha poderes
sobre-humanos e a capacidade de voar. Dentro da história de Moore, o
personagem Marvelman havia deixado de existir como tal em 1963 (ano da
última publicação do personagem), recuperando sua memória e antigos
poderes por volta de 1980 (quando começava a nova história),
desconstruindo-o e reconstruindo-o totalmente. Alan Moore criou todo um background novo
para explicar não só o sumiço do personagem neste ínterim como também
para trazer uma noção mais realista ou verossímil das origens e poderes
da Era de Ouro de acordo com visão moderna de super-heróis.
Ao
mesmo tempo em que isso se dava, Moore também ficou a cargo das
histórias do personagem Capitão Bretanha (ou, como ficou mais conhecido,
Capitão Britânia) para a Marvel UK, divisão britânica da editora. Em
uma de suas primeiras histórias, Alan Moore e Alan Davis fizeram uma
homenagem ao personagem e o inseriram nas aventuras do Capitão Britânia,
apenas para matá-lo logo em seguida. Para evitar problemas, nomearam
esta aparição especial de Miracleman.
Esta
mesma Marvel Comics que empregava Alan Moore para escrever Capitão
Britânia entrou com um processo contra a Warrior impedindo que a revista
estampasse a palavra "Marvel" em suas capas, e os donos da pequena
Warrior não tinham dinheiro para ir legalmente contra a toda-poderosa
editora americana.
Mas
eis que uma editora americana conhecida como Eclipse Comics passou a
publicar o personagem, agora em cores, em solo americano, renomeando-o -
adivinhem - como Miracleman para evitar possíveis processos judiciais. E
foi assim que o personagem teve 24 edições publicadas, as 16 primeiras
por Alan Moore, e as seguintes escritas por Neil Gaiman. Houve ainda
algumas edições apócrifas, e o leque total de participantes (entre
escritores e desenhistas) é invejável, figurando Mark Buckingham, um
incipiente Alex Ross, Gary Leach, Alan Davis, Rick Veitch, John
Totleben, Kurt Busiek, Matt Wagner, James Robinson e outros. A fase da
Eclipse, sob o nome Miracleman, foi a pela qual o personagem mais ficou
conhecido. Infelizmente, a editora faliu antes de concluir toda a saga
proposta para o herói.
As
questões legais de publicação do personagem nos Estados Unidos apenas
com a alteração do nome para Miracleman foi um dos motivos pelos quais
Alan Moore declarou nunca mais trabalhar para a Marvel Comics. Outros
fatores foram a editora republicar sem sua permissão histórias do
Capitão Bretanha (e algumas do Dr. Who) e usar uma chamada para atrair
leitores com o slogan "Marvel tem Moore", mas referindo-se ao escritor John Francis Moore.
Na
DC Comics, no entanto, Alan Moore fez diversos trabalhos, entre os
quais um dos mais marcantes e conhecidos foi Watchmen, revisitando e
repaginando antigos heróis da Charlton Comics, editora recém-comprada
pela DC, mas alterando seus nomes e personalidades e poderes (Capitão
Átomo virou Dr. Manhattan, Besouro Azul virou o Coruja, Questão virou
Rorschach etc.). Porém, esta mesma obra foi o motivo pelo qual Alan
Moore decidiu também deixar de trabalhar para a editora de Super-Homem.
Pelas cláusulas contratuais, Watchmen e seus personagens pertencem à DC
Comics, só passando a serem de Alan Moore e Dave Gibbons um ano após a
editora parar de publicá-los. Ocorre que Watchmen nunca parou de ser
publicada desde 1986, deixando seus direitos para sempre nas mãos da DC.
Moore jurou nunca mais escrever tanto para a DC quanto para a Marvel. ****
Este
litígio entre os detentores de direitos de personagens foi um dos
motivos responsáveis pelo chamado "X-odus", o êxodo de diversos
artistas, principalmente da Marvel Comics, para fundar a Image Comics.
Entre eles, estavam Jim Lee e Todd Mcfarlane. Todd inventou o personagem
Spawn, e em determinado momento chamou alguns escritores de peso para
escreverem edições com o Soldado do Inferno. Alan Moore e Neil Gaiman
estavam entre os convidados. Na edição número 9, Neil Gaiman introduziu
três personagens ao universo do Spawn: Spawn Medieval, Cogliostro e a
famosa Ângela. Todd Mcfarlane nunca pagou a Neil Gaiman o devido pelo
uso destes personagens em outras publicações e outras mídias. Neil
Gaiman entrou então com um processo na justiça para ter direitos sobre
os personagens que criou.
Neste
ínterim, Todd Mcfarlane comprou os espólios da Eclipse Comics, e se
sentiu no direito de incluir os personagens da extinta editora em suas
histórias do Spawn, chegando inclusive a lançar uma estatueta do
personagem Miracleman com a seguinte inscrição abaixo: "Miracleman is a
trademark of Todd McFarlane Productions, Inc. The Miracleman action
figure is (copyright) 2003 Todd McFarlane Production". As decisões foram
unânimes em favor de Neil Gaiman, e Todd - ironicamente cofundador da
Image Comics num momento de reivindicação dos direitos dos personagens -
transformou a figura que havia aparecido em sua linha Spawn rebatizado
como Man of Miracles (?!?).
Neil Gaiman, para conseguir dinheiro para manter a causa na justiça, escreveu a minissérie 1602 para
a Marvel Comics e fundou a Marvels and Miracles LLC. Assim, ficou-se
acordado que os direitos sobre os personagens que Neil fez para Spawn
permaneceriam com Todd, e em troca Neil deteria os direitos sobre
Miracleman. Ao que parece, Neil e Alan Moore concordaram em doar todos
os valores relativos ao personagem para Mick Anglo e sua família.
Finalmente, o personagem voltou a seu criador.
Em
2009, durante a San Diego Comic Con, Joe Quesada deu a bombástica
informação: a Marvel Comics havia adquirido os direitos sobre Miracleman
diretamente de Mick Anglo. Assim, o personagem voltou ao seu antigo
nome, tornando-se mais uma vez Marvelman. No final de 2011, Mick Anglo,
criador do herói, faleceu. A expectativa agora é que a Marvel Comics,
além de relançar todos as histórias antigas, relance ainda a fase de
Alan Moore e Neil Gaiman escrita na década de 80 e de 90. Os fãs
aguardam ansiosamente a publicação deste material de forma completa.
Quem sabe, com Neil Gaiman escrevendo material inédito, as famosas fases
Bronze Ages e Dark Ages que já havia previsto para o personagem e que nunca pôde concretizar.
* Apenas por curiosidade, pegue o encadernado de Projeto Superpowers e jogue na internet o nome de todos
os heróis da Era de Ouro que lá aparecem para comparar seus poderes. Cerca de 80% deles compartilha a
trindade voo/superforça/invulnerabilidade.
** Entenda todas as semelhanças/dessemelhanças entre os Capitães Marvel aqui em: http://ficcaohq.blogspot.com/2010/10/irreverencia-ou-copia.html
*** Agora
em janeiro de 2012 o escritor Geoff Johns declarou que, como o público
em geral já associa a palavra Shazam ao personagem Capitão Marvel, e
para cortar qualquer ligação ao nome "marvel", no novo universo DC o alter ego de Billy Batson vai se chamar definitivamente SHAZAM.
**** Um
dos estúdios fundadores da Image Comics, WildStorm, foi o responsável
por publicar algumas das mais recentes HQs de Alan Moore, dentre as
quais Promethea, Top10, Tom Strong e Liga Extraordinária, por meio do
selo America´s Best Comics. Porém, com a venda da WildStorm para a DC
Comics em 1999, indiretamente Alan Moore passou a escrever para a DC
novamente, mesmo sem o saber.
Excelente texto! Adorei a matéria! Parabéns!!!!
ResponderExcluirGrato pela audiência e pelo comentário. Abraços e continue conosco, tem muita novidade ainda por vir.
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