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quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A força da imagem e o poder da informação

Alfred Hitchcock, o mestre dos filmes de suspense, certa vez, durante as filmagens de seu filme Janela Indiscreta, exemplificou a força da imagem da seguinte maneira:
“Pense num homem observando algo através de uma janela e sorrindo. Em seguida, corte a cena e enfoque no objeto de sua observação: outra janela num prédio à frente. Se você colocar uma mulher com um bebê no colo, automaticamente, o espectador imaginará que o homem é uma pessoa sensível, uma boa pessoa. Mas… tire essa imagem e no lugar da mulher com o bebê, coloque uma garota, despindo-se. Pronto! Seu homem de bem virou um pervertido. Vê? Essa é a força de uma imagem!”

Bem, Hitchock entendia muito bem de imagem e seus simbolismos, da mesma forma que também sabia usá-la para obter o efeito desejado. Ele começou cedo, mesmo antes do cinema, trabalhando no departamento de publicidade da Telegraph Henley, empresa que colaborou com o governo inglês na Primeira Guerra Mundial.
Mas o que isso tem a ver com esse post, afinal?
Vamos ilustrar o exemplo de Hithcock com algo que aconteceu essa semana. Vê a foto do post? Imagine que o ator ao invés de um mangá esteja lendo um livro. O que você imaginaria? Que ele é um intelectual, culto, um homem estudado? E se fosse um jornal esportivo? Seria um sujeito que gosta de futebol, mais dinâmico? Se o colocarmos lendo o próprio mangá, ele lhe parecerá alguém mais jovem do que é, um descolado, um fã de quadrinhos, ou algo assim? A cada objeto que é colocado em suas mãos, mudam-se as características do personagem – se você altera a imagem, sua mente a interpreta de “n” formas através de associação visual.
Agora vamos brincar um pouco mais fundo.
Você vê esse personagem lendo mangá e recebe a informação de que é uma pessoa “legal”, que trabalha ou estuda, enfim, alguém que se esforça para ser uma pessoa melhor. O que vem a sua mente? Ele lê quadrinhos, mas é um cara legal, então quadrinhos são coisas que podem ser lidas por pessoas de “bem”. Certo. Mas, e se a pessoa em questão é um mau caráter, um mentiroso manipulador e um vagabundo por opção? O que um indivíduo como esse pode ler de bom num mangá, já que ele segue um arquétipo “errado”? Mangás, dessa forma, se tornam uma leitura atrativa para desajustados. Curioso, não? Esse é o poder da informação!
Essa cena aconteceu nessa quinta-feira, 29/11/2012, no capítulo que foi ao ar da novela Guerra dos Sexos. O personagem Zenon apareceu lendo um volume do mangá shounen Tsubasa Reservoir Chronicle da Clamp (sim, é um shounen! Era publicado na Weekly Shounen Magazine). Não, ele não é um cara legal, é o personagem tipo desajustado, trapaceiro, mau caráter e manipulador.  Você que lê quadrinhos pode saber que isso não tem nada a ver. Qualquer um poderia ler quadrinhos, assim como muita gente sacana lê Ilíada de Homero e isso não é um indicativo de caráter. Mas o público em geral, para o qual as novelas são direcionadas, acredita em mensagens de massa, em pacotes informativos prontos, de forma comodista e subconsciente, claro, e é dessa forma que compram ideias por associação direta. “Vilões leem coisas que não prestam e ponto.” O Mau absorve o Mau, o Bem absorve o Bem; simples maniqueísmo.
“Quadrinhos são vistos como um material transgressor que só serve de atrativo para pessoas desocupadas.” Essa ideia surgiu nos anos 50, basicamente e, até hoje, permeia o imaginário popular. Mas espera aí? Você lê quadrinhos? É legal, estuda ou trabalha? Esforça-se de alguma forma e não foi “corrompido” por esse tipo de leitura? Não sacaneia gente boa ou mente para atingir objetivos sórdidos? Quer ser uma pessoa melhor no mundo? Então, por que quadrinhos ainda são retratados como leitura para os desajustados, sabendo-se que não é um material “maligno” ou corruptor de caráter, conseguindo, depois de muitos anos de esforço, ser visto como uma forma de literatura?
Por que a mídia televisiva faz esse desserviço constante a esse veículo de entretenimento e leitura? Marketing? Pouco provável, não? Afinal, pela lógica, uma editora nunca gastaria uma grana absurda para divulgar, numa novela, um título que já se encerrou e, ainda por cima,  visto nas mãos do pior exemplo de pessoa.
Você pode pensar que talvez tenha sido coincidência. Uma cena aleatória? Bem, não acreditamos em cenas aleatórias feitas em um grande veículo de comunicação como a televisão, e não é a primeira vez que essa emissora expõem quadrinhos (em especial, mangá) como um produto corruptor. Na novela “Senhora de Destino”, existe menção similar onde um personagem fora dos padrões é visto lendo uma revista fictícia com a palavra mangá escrita em letras de destaque na capa. Feito para ser vista. Coincidências?
Vimos alguns leitores inocentes comemorando a aparição de um personagem global lendo um mangá. Para nós que produzimos quadrinhos e que conhecemos o poder de uma história, de uma informação e de uma imagem, não há nada para se comemorar. Não, nessas condições.
E você, o que vê?

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