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segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Perdido e Mal Pago



Em “Perdido e Mal Pago: Nerds em apuros”, publicado em 2013 aqui no Brasil pela Gal Editora, Rob Hoffman é um desenhista que está com 22 anos, prestes a se mudar junto com sua namorada, Sylvia Fanucci, e insatisfeito com o atual rumo de sua carreira. A história se passa em Nova York, mas poderia muito bem ser em São Paulo e Rob poderia muito bem ser qualquer um de nós, uma vez que muitas das preocupações do personagem podem ser comuns em determinada fase de nossas vidas.
Essa proximidade com alguns temas do cotidiano sob o ponto de vista do personagem permite que o leitor crie uma afinidade com mais facilidade. Rob é muito bem construído em suas qualidades e defeitos, e fica a sensação de que o autor, Bob Fingerman, está expressando seus próprios pensamentos e frustrações. Por sua vez, Fingerman não considera que sua obra seja uma autobiografia, mas admite que utilizou várias experiências pessoais para compor o personagem e a trama.

A HQ é em preto e branco, e o desenho é estilo cartum, dois elementos que eu gosto muito quando bem reunidos. Fingerman se atenta aos mínimos detalhes em cada quadro, e as expressões faciais são um ponto muito forte na narrativa. A sobrancelha franzida de Rob, por exemplo, é praticamente uma marca do personagem, que frequentemente ostenta um ar ora de frustração, ora de preocupação ou desconfiança.
Fingerman também não tem dificuldade em retratar o ambiente em cada quadro, e consegue representar os personagens nos mais variados ângulos e situações, seja saindo na porrada ou fazendo sexo. E tem muito sexo, ainda que não seja de maneira muito explícita. Talvez uma herança dos tempos em que Fingerman, assim como o personagem, fez alguns gibis eróticos.
OS PERSONAGENS: NERDS?
Ao contrário do que o título brasileiro sugere, os personagens não são “nerds”, uma vez que essa definição para mim remete a pessoas mais reclusas. Rob, Sylvia e seus amigos estão mais para “geeks”, uma vez que tem interesse por coisas peculiares, mas não deixam de ir curtir uma praia, por exemplo. E a maioria dos personagens tem mesmo suas peculiaridades.
Rob é crítico de quadrinhos de uma revista meia boca e ilustrador de gibis pornôs. Sylvia trabalha em um salão de beleza, tem sua própria maneira de se vestir e gosta de filmes italianos de zumbi. Jack gosta de experimentar pratos estranhos como miolo de vaca, enquanto Matt é fissurado pelo Godzilla e tem uma namorada stripper, e por aí vai.
A sinceridade, o bom humor e o sarcasmo dos personagens também são características marcantes, e todos falam o que pensam na cara um do outro, sem que isso gere qualquer grande comoção negativa. Em alguns casos, o que acontece é uma resposta bem-humorada ou uma piadinha.
A TRAMA: TRUNFOS, DEFEITOS E POLÊMICA
Um dos trunfos da trama, como eu já escrevi acima, é a sensação de intimidade que ela passa ao leitor. Quando comecei a ler, a HQ me lembrou um pouco a série “Fracasso de Público” (também publicada pela Gal Editora), de Alex Robinson, que também aborda o universo dos quadrinhos ao mesmo tempo que nos mostra os anseios mais íntimos de cada personagem.
As semelhanças existem, mas ao contrário da história de Robinson, que se desenvolve à procura de dar um fecho para cada personagem, “Perdido e Mal Pago” se foca mais no casal Rob e Sylvia. Por mais que os amigos do casal sejam apresentados, eles não ganham a mesma profundidade, pelo menos não neste primeiro livro publicado pela Gal Editora, que reúne metade da história.
A passagem do penúltimo para o último capítulo me incomodou um pouco. De uma situação um tanto complicada somos levados a uma convenção de quadrinhos, e parece que perdemos muita coisa no meio disso tudo. Porém, pode ter sido um bom recurso adotado por Fingerman para não ter que prender os leitores em um capítulo muito sério e pular logo para o que a série tem de melhor: o humor.
“Perdido e Mal Pago” tem vários momentos hilários e inusitados, e os diálogos e reflexões dos personagens são ótimos. O único ponto negativo sobre os diálogos – e que devem ter sido um ponto forte da série no passado – são as referências à cultura pop, e por um motivo simples. A HQ foi escrita originalmente entre 1995 e 1999, então são referências da cultura pop americana de mais de uma década atrás. Por conta disso, o primeiro livro veio com um Guia de Referências no final, bem bacana por sinal, mas que na hora de ler não dá o mesmo impacto.
Eu escrevi polêmica também não é? Bem, a polêmica fica mesmo por conta da maneira que Fingerman aborda o tema da gravidez indesejada e aborto (o papo da “situação complicada” que escrevi logo acima). Tudo bem que o assunto já vem sido debatido publicamente ao longo dos anos, mas há quase duas décadas ainda era um grande tabu.
BOB FINGERMAN E NOVIDADES PARA A SÉRIE
“Perdido e Mal Pago” é a primeira HQ de Bob Fingerman a ser publicada no Brasil, e a segunda parte da história também deve sair pela Gal ainda este ano. Confesso que se a Comix Book Shop não tivesse cedido um exemplar em mais uma parceria com o Impulso HQ, talvez eu demorasse um pouco mais para conhecer essa história, mas valeu a pena. A leitura é bem fluída, e a história é divertida. Em termos de comparação, ainda sou mais o “Fracasso de Público”, do Robinson, mas estou curioso para a segunda parte e vou esperá-la antes de afirmar isso com toda certeza.
Fingerman escreveu na introdução brasileira que a obra nunca se tornou o sucesso que ele achou que teria, mas atraiu um público esperto e devotado. E ele não poderia estar mais certo, uma vez que a série ganhou uma versão compilada no ano passado. O sucesso foi tão grande que, neste ano, após quase 15 anos depois da última edição original publicada em 1999, “Perdido e Mal Pago” está de volta com novas histórias nos Estados Unidos.
Perdido e Mal Pago: Nerds em apuros
Autor: Bob Fingerman
Gal Editora
P/B
112 páginas
21 x 26 cm
R$ 36,00
Via IHQ

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