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segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Tributos a Cirne

Todos fomos pegos de surpresa com o falecimento inesperado do sempre imortal, Moacy Cirne. Superados do choque, os amantes da nona arte começaram a tecer as primeiras e últimas impressões sobre o Mestre dos Quadrinhos brasileiros.Repassamos aqui os posts dos espaços virtuais que prestaram essa última homenagem a Cirne com bastante carinho e propriedade. A nossa singela homenagem sairá na próxima edição da SOQ - SÓ QUADRINHOS, aguardem! Confiram na sequencia os artigos do Impulso HQ e do Quadrinhos na Sargeta.(BP)
RIP Moacy Cirne
Por Alexandre Dassumpcao  - IHQ
Alguns momentos.
Nasci em 1971 e como todos os fãs de quadrinhos de minha geração só fui me aperfeiçoar na década seguinte. Dito isso, nomes como Moacy Cirne e Ariel Dorfman (Para ler o Pato Donald) só entraram na minha vida quando tive a chance de conhecer fãs mais velhos, que já os conheciam.
Nunca conheci o Dorfman, mas o Cirne cruzou minha vida em vários momentos e situações. Lembro de pelo menos três importantes.
Em 1990, eu já estava no Covil e muitos dos nossos membros queriam ser alunos do Ofeliano. Acabamos frequentando a casa dele e conhecendo pessoas do meio de então. A moda da época eram as entrevistas. Numa delas, um dos membros disse que iríamos entrevistar um gênio dos quadrinhos.
Ignorante que só, pensei que se tratava de um desenhista ou roteirista, mas encontrei um senhor de barba branca que havia escrito vários livros teóricos e filosóficos sobre como ler os quadrinhos, um deles, inclusive, havia saído no ano que nasci. Numa conversa de quase três horas, ele falou sobre seus projetos, sua visão dos quadrinhos e outros assuntos que me fizeram sair mais inteligente da conversa.
A vida seguiu, cresci um pouco e comecei a namorar a mãe do meu filho. Ela falava muito do seu professor de histórias em quadrinhos que fazia um fanzine chamado “O Balaio”. Numa das muitas coincidências absurdas que me são comuns, ele me reconheceu e rimos.

Foi umas das muitas vezes que ela ficou surpresa ao descobrir que alguém que ela admirava já me conhecia a alguns anos. E nas várias visitas de um namoro que evoluiu, acabei conversando com o Cirne em várias situações que mais uma vez mudariam minha forma de perceber os quadrinhos.
Cirne era um rato de sebo. Nos encontramos várias vezes e me lembro de duas situações. Em 1998, quando fui trabalhar num sebo e quando estava arrumando uma prateleira com quatro livros dele, ele apareceu em busca de um de seus livros (ele não tinha nenhum) para escrever o de 2001. Mais conversas. Passei a frequentar sua casa e quase fui o digitador do Quadrinhos, Sedução e Paixão (o famoso livro de 2001).
Me separei e perdemos contato. Só fomos nos reencontrar em 2010 quando voltamos a ser vizinhos e ele já estava doente. Frequentávamos os mesmos sebos da zona sul do Rio de Janeiro e sempre encontrávamos alguém do passado. No nosso último encontro ele já estava doente e comentou comigo e Renato Lima que havia passado por um problema sério.
Perdemos contato mais uma vez. Dessa vez pra sempre. Acabei de saber que ele morreu no último sábado (11/1). Infelizmente, estamos falando de Brasil e sabemos que ele teve uma morte dupla: a primeira, a cultural é culpa das editoras que tiraram seus livros de catálogo. Para muitos leitores, o primeiro livro sobre quadrinhos publicado aqui foi o do Will Eisner.
Duas gerações de leitores desconhecem o trabalho não só deste autor como de vários desbravadores que fizeram seus livros com paixão, muitas vezes deixando a técnica de quadrinhos de lado, tendo em vista que eles buscavam referências cinematográficas, uma vez que o formato quadrinhos ainda estava se achando.
Gente como o Cirne é insubstituível, de uma época perdida onde todos eram agregadores e catedráticos que poucos vão saber do que se trata. Uma época mais divertida em que os autores eram politizados e catedráticos que falavam com a mesma naturalidade tanto de semiótica quanto dos trapalhões.
Pessoas que apesar de terem esquecido mais do que muitos do que nós jamais conseguiremos aprender tinham uma paciência sem tamanho para conversar tanto com novatos quanto com seus iguais. Algo que seu perdeu na minha geração.
Minha geração é a última a ter convivido com esses grandes pensadores e temos a responsabilidade de levar seus ensinamentos adiante. Infelizmente, todos estão morrendo e sendo pouco a pouco substituídos tanto por técnicos como por quadrinistas que não veem nada além do seu nicho. Temo pelo futuro dos quadrinhos.
Descanse em paz, Cirne. Obrigado por ter existido. Pena saber que seu coração não aguentou tanta paixão.
RIP Moacy Cirne (1943-2014).
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...e quando os quadrinhos acabam? Tributo a Moacy Cirne

Por Alexandre Linck - Quadrinhos na Sargeta

Caros e caras, soube há poucas horas que morreu neste sábado, 11 de janeiro de 2014, o poeta, professor e teórico dos quadrinhos, Moacy Cirne. Gostaria de compartilhar algumas palavras um tanto apressadas, mas sinceras sobre as histórias em quadrinhos do e no Brasil e a importância da teoria dos quadrinhos. 

Primeiramente vi a notícia com certa ironia. Neste mês aqui no Quadrinhos na Sarjeta estamos nos dedicando somente à leituras de quadrinhos brasileiros. O mês foi escolhido em função do dia do quadrinho nacional, 30 de janeiro, data da publicação por Angelo Agostini de As Aventuras de Nhô Quim ou Impressões de Uma Viagem à Corte, em 1869. 

Não faço isso por qualquer obrigação cívica ou tolices patrioteiras. Dedico-me a ler os quadrinhos brasileiros porque acho que eles são carentes nessa área. Não falo de vendagens! Apesar disto também ser um problema, minha ênfase se dá no fato de que os quadrinhos, em especial o brasileiro, são muito mal lidos. Até mesmo Turma da Mônica, comercialmente bem-sucedida, quando debatida pelos festivais, fóruns ou redes sociais, quase exclusivamente se fala sobre como é vendida pelo mundo, como faz sucesso, como gera grana, etc. Cultura, arte, poesia… isso pouco se fala. E ler é mais do que consumir.   

Por isso a importância de teóricos, de pessoas que se dedicam a teorizar os quadrinhos. A teoria, por excelência, é uma leitura. Necessariamente rigorosa, assumidamente metodológica, e acima de tudo capaz de, muitas vezes, potencializar nosso olhar sobre alguma manifestação cultural, artística ou poética. Se acadêmicos escrevem difícil e não são lidos pela imensa maioria da população, não se enganem - isso jamais medirá sua influência. 

A teoria age de forma radical, como uma raiz nos dá base, sustentando alunos que serão novos professores. Assim, as ideias se disseminarão, caminharão por conta própria e por fim nos envolvendo muito mais do que notamos. Pois caso você não saiba, em grande parte sua ideia de Verdade vem de Platão, sua defesa da Razão de Descartes, sua compreensão da História de Hegel, etc. Mesmo sem ter lido qualquer um destes, eles estão em você e são você mais do que muitos gostariam de admitir.  

Portanto, a importância de Moacy Cirne não deve ser medida por sua “popularidade” de likes e shares. Sua força está em ter sido o primeiro, até onde sei, a ter lançado em 1970 um livro teórico atendo-se à arte dos quadrinhos chamado A Explosão Criativa dos Quadrinhos, pela editora Vozes. Depois deste vieram tantos outros como A Linguagem dos Quadrinhos (1971), Para Ler os Quadrinhos (1972), Uma Introdução Política aos Quadrinhos (1982), História e Crítica dos Quadrinhos Brasileiros (1990), Quadrinhos, Sedução e Paixão (2000), A Escrita dos Quadrinhos (2006). 

Sua contribuição para uma valorização dos quadrinhos para além dos ranços típicos é fundamental até os dias de hoje. Se o estruturalismo permeia sua escrita, se seu “estranho” semioticismo marxista (falo estranho por não ser lá muito ortodoxo) já está consideravelmente defasado, como ele mesmo aludiu em 2011 nas Jornadas Internacionais de Quadrinhos da USP, muitas das questões que Cirne tocou permanecem fortemente vivas.

Cirne sacou muito bem que o pensar quadrinhos não deveria se restringir a uma leitura a partir de um determinismo econômico. Era preciso, como Aristóteles contra Platão, sair do plano dos ideais e pensar a “máquina”, olhar para as formas, eleger a poética - poética dos quadrinhos. Da mesma forma Cirne via nos quadrinhos um sintoma artístico, o mesmo que o cinema compartilhava e que se inseria na tradição que permitiu as vanguardas da arte moderna. 

Cirne elevava os quadrinhos ao status de arte, e ao fazer isso, sabia inseri-lo culturalmente numa história muito mais rica, complexa e contundente do que a ladainha da má influência dos quadrinhos nas crianças, da visão objetivista que certo estruturalismo e semioticismo abraçaram ou do determinismo econômico que um marxismo um tanto provinciano relegava aos quadrinhos na indústria cultural. Como poeta que foi, um dos fundadores do Poema/Processo, Cirne sabia reconhecer poesia nas histórias em quadrinhos e em como isso deveria ser observado com mais atenção e por olhos menos limitados.  A defesa de Moacy Cirne: a “Libertária Poeticidade” da “Imagem Complexa” das histórias em quadrinhos. Uma leitura afinal… 

Mas se leituras não devem parar, elas podem mudar. Eu discordo de muitas das teorias de Cirne, mas reconheço a importância do exercício teórico, coisa que ele soube fazer com maestria. Seria uma injustiça tremenda virar as costas a quem foi o nosso maior teórico dos quadrinhos. Quanto ao título da postagem, parafraseio uma das grandes preocupações de Nietzsche: ...e quando a música acaba? A resposta é difícil, dura, porém constata o óbvio: um dia a música acaba. Os quadrinhos também. Neste final de semana eles acabaram para Moacy Cirne. Contudo fica a esperança que a leitura dos quadrinhos não cessem. Quadro a quadrinho, balão à sarjeta, sigamos...

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