Por Milena Azevedo - GHQ
É
uma ousadia misturar filosofia, música, cosplay, boardgames, cordel,
literatura, charges e histórias em quadrinhos em um único evento?
Públicos
distintos abraçaram com gosto a segunda edição da FLiQ – Feira de
Livros e Quadrinhos de Natal, que aconteceu entre os dias 23 e 26 de
outubro de 2012, mostrando que a ousadia de Rilder Medeiros e Osni
Damásio não é utópica, e sim necessária para uma cidade tão carente de
eventos culturais como a “Noiva do Sol” o é.
Com
mais de 50 horas de programação gratuita, a FLiQ proporcionou oficinas
de cordel, criação de personagem, roteiro, desenho e arte-final,
aulas-demonstrações, bate-papos, palestras e mesas-redondas acaloradas,
além de sessões de autógrafo e sketches, promovendo uma quebra de
barreiras entre o público e os artistas.
Essa
edição teve Moacy Cirne como homenageado, e convidados de peso, como
Sidney Gusman, Gustavo Duarte, Flávio Luiz, Humberto Gessinger, Marcia
Tiburi, Xico Sá e Maurício Ricardo.
A
novidade desse ano ficou por conta de um mural, no qual todos os
participantes poderiam desenhar ou escrever o que quisessem. As folhas
com texto e desenho ficaram expostas durante os quatro dias do evento.
Em breve os trinta melhores trabalhos estarão expostos no site oficial
da FLiQ.
No primeiro dia, o auditório ficou praticamente lotado para ver o simpático Sidney Gusman
falar sobre os diversos projetos da Mauricio de Sousa Produções (que
vão desde livros para bebês até cartazes para a Orquestra Sinfônica do
Estado de São Paulo), enfocando os artistas locais Williandi e Márcio Coelho,
convidados por ele para compor os álbuns MSP +50 e MSP Novos 50,
respectivamente. Eles relataram como foi o processo de criação dos
roteiros de ambas as HQs, e Márcio revelou que a primeira ideia dele era
fazer uma história do Astronauta, mostrando os diversos esboços que
havia preparado, até que o Sidney sugeriu que ele fizesse uma história
com a Turma da Mata, explorando cultura indígena e ecologia, como ele
havia feito em uma das edições da revista Maturi.
Antes, foi proferida uma palestra sobre jogos de tabuleiro literários, com o boardgamer e colecionador Tendson Artur,
que levou ao palco alguns dos jogos de sua coleção (que já passa dos
duzentos títulos) e encantou o público com a beleza e inteligência de
jogos baseados nas Mil e Uma Noites, O nome da rosa, Os Pilares da
Terra, O Senhor dos Aneis e Game of Thrones. E eu também pude mostrar ao
público o meu projeto Visualizando Citações, contando com as
participações de Brum e Wanderline Freitas, integrantes da maravilhosa
equipe do VC.
No campo da literatura, o jornalista Vicente Serejo bateu um papo com o escritor Lira Neto
sobre a escrita de biografias, destacando a vida de Getúlio Vargas, seu
mais novo biografado. E o publicitário e escritor potiguar Patrício
Junior conduziu uma conversa animada com o escritor Marcelino Freire.
Ainda na segunda, Rilder Medeiros, organizador Geral da FLiQ, anunciou o 1° Prêmio Petrobras de Histórias em Quadrinhos,
que receberá inscrições até o dia 19 de fevereiro de 2013, contemplando
estudantes do ensino fundamental, médio e universitário, de todas as
instituições de ensino público e privado do Rio Grande do Norte.
O
segundo dia da FLiQ foi de tietagem geral. No início da tarde, fãs
natalenses e vindos do interior do estado, como Russiano Paulino, de São
Rafael, já começavam a chegar para esperar Humberto Gessinger,
vocalista e letrista dos Engenheiros do Hawaii, também autor de quatro
livros. Logo as senhas para autógrafos do Gessinger passaram a ser
disputadas quase à tapa.
Da mesma forma, a tietagem esteve presente no bate-papo que tive com o Sidney Gusman
sobre o mercado de quadrinhos no Brasil, a criação do Universo HQ, sua
experiência de escrever um roteiro profissionalmente para O Ouro da
Casa, e os causos de colecionador, com ele contando como foi a acirrada
disputa pela edição do Homem Borracha, de Jack Cole (publicado pela Ebal
nos anos 1970), entre ele e Rodrigo Arco e Flecha. Aproveitei o momento
e apresentei a Sidney alguns de meus tesouros da Turma da Mônica: o
álbum de figurinhas A História da Turma da Mônica, lançado pela Rio
Gráfica em 1986, e o especial As Melhores Piadas de Roque Sambeiro (aí
ele me fala: “você não viu que o Mauricio fez chamada, pedindo a quem
tivesse essa edição pra enviar à MSP, pois nossos estoques estão
baixos?”).
Logo em seguida ocorreu a mesa sobre a publicação independente, com Henrique Magalhães, Flávio Luiz e os membros da K-ótica: Marcos Guerra, Leander Moura e Renato de Medeiros.
Para completar, a mesa-redonda em homenagem ao Professor Moacy Cirne,
composta por Sidney Gusman, Henrique Magalhães (que segurou durante
todo o momento o livro A explosão criativa dos quadrinhos) e José
Veríssimo, teve um relato bem-humorado desde quando Cirne começou a ler
quadrinhos até sua chegada ao Rio e a produção dos primeiros textos
analisando quadrinhos e cinema.
A serenidade desse dia ficou por conta do protesto contra o descaso da Fundação José Augusto ao Prêmio Moacy Cirne de Quadrinhos, cujo resultado saiu há quatro anos, mas nenhum artista recebeu seus respectivos prêmios.
Na quinta-feira houve a mistura de quadrinhos, cordel e literatura. A entrega do VI Prêmio Cosern Literatura de Cordel
agitou o pavilhão da FLiQ, com os vencedores – a maioria da cidade de
Mossoró – orgulhosos de suas conquistas. A literatura jocosa de Xico Sá
foi posta em evidência num bate-papo com o publicitário e escritor
Carlos Fialho (que “entupiu” o auditório), e a literatura infantil foi
tema da mesa-redonda que reuniu José de Castro e Lara Piau.
No tocante aos quadrinhos, a mesa Não perca a piada: fazendo quadrinhos de humor, com Flávio Luiz e Gustavo Duarte,
mediada pelo desenhista e chargista Brum, foi simplesmente magnífica
(com direito a elogio público de Gustavo a Brum, em suas palavras “um
dos melhores mediadores que tive em eventos”). Flávio Luiz fez várias
revelações: explicou por que trocou Salvador por São Paulo, que o álbum
Aú, o capoeirista não foi publicado pela Lei de Cultura da Bahia porque
ele se recusou a inserir ACM Neto como personagem (depois o álbum acabou
saindo via Lei Rouanet), e ainda por que ele alterou as ilustrações na
bandana de Bel (vocalista do Chiclete com Banana). E Gustavo, ainda
chateado – com razão – sobre a questão do “remanejamento” do jornal
esportivo LANCE!, no qual ele fazia charges diárias há 12 anos,
provocou: “os jornalistas estão acabando com o jornalismo”.
À noite dividiram lançamentos (ambos da Cia. das Letras) Gustavo Duarte, com Monstros!, e Xico Sá, com Big Jato;
e ainda Flávio Luiz autografava seus álbuns Aú, o capoeirista e O
Cabra, além de posters diversos e HQs mais antigas, como Jayne
Mastodonte e as tiras do Rota 66.
O
último dia do evento teve discussão sobre Luiz Gonzaga, palestra sobre
literatura e filosofia, concurso de cosplay e a aguardada mesa sobre
charges. Os momentos altos ficaram por conta da Marcia Tiburi,
que provocou a plateia logo de cara, espantada com o excesso de
veículos automotores em Natal (“isso é culpa do IPI reduzido”,
comentou), depois relembrou seu amor pelo estudo da filosofia ainda no
início da adolescência, a escrita de seus livros de filosofia e os
romances, confessando que um dia quer fazer uma história em quadrinhos
(mídia que adora), mas por enquanto só esboçou um texto ilustrado em
Filosofia Brincante. Ela insistiu que a saída para a depressão e outros
males modernos do espírito é a escrita, e que pretende criar uma espécie
de seita do silêncio, pois hoje os únicos locais em que o silêncio é
encontrado são as igrejas e as bibliotecas (e olhe lá).
A
mesa que fechou a segunda edição da FLiQ contou com a presença do
popular Maurício Ricardo, e dos chargistas Ivan Cabral e Brum, e foi
polêmica. Começou com a discordância do Maurício Ricardo com a proposta
mais didática trazida por Ivan Cabral. Superado o impasse inicial, a
fala de todos foi bem descontraída, até abrir para as perguntas da
plateia. Um rapaz, para quem charge não era arte, pois ele não a
comparava com o Grito ou a Monalisa, insistia em dizer que Maurício
Ricardo fazia charge para os analfabetos funcionais, pois ao colocar
“legendas” em suas charges, matava o sentido das mesmas. Maurício
respondeu à altura, dizendo que de forma alguma explica suas piadas,
apenas deixa um link para que o leitor se situe no contexto das mesmas:
“meu público é grande e diversificado, então quem não souber o que é CPI
ou Mensalão, clica na legenda e terá a notícia a seu dispor”.
A
FLiQ não tem vergonha em ser pop. E esse ano os stands comprovaram
isso. Estavam lá livrarias, editoras, sebos, cordel, cosplay,
quadrinistas, boardgames, assinaturas da Panini, mas também a escola de
animação Gracom e as camisetas Red Bug.
O stand da Gracom, diga-se de passagem, foi o mais visitado e
fotografado, pois eles deixaram em exposição uma estátua em tamanho real
do Wolverine, bem como bustos de Rambo e Pelé, que todos queriam “levar
pra casa” como recordação.
A
organização ficou deveras feliz com o retorno positivo do público, e até
está pensando em fazer algumas alterações para a próxima edição, haja
vista a intensa solicitação para que o evento se estenda até o sábado.
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