Por
Nossa entrevista de agora é com o pesquisador e doutor em sociologia Amaro Xavier Braga Jr, que possui especializações em Artes Visuais, História da Arte e das Religiões, e em Gestão do Ensino Superior. Professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas –
UFAL, também é autor de diversos quadrinhos e livros sobre quadrinhos.
Tanto sua pesquisa quanto seus quadrinhos abordam aspectos sociais
presentes na atualidade e nos estudos sobre o comportamento humano, como
ele mesmo diz: um quadrinhista fazendo sociologia e um sociólogo
fazendo quadrinhos.
Como pesquisador, escreveu e organizou diversas obras, entre elas Arte Sequencial em Perspectiva Multidisciplinar, Desvendando o Mangá Nacional,Religiosidades nas Histórias em Quadrinhos e, a mais recente, Quadrinhos & Educação, vol. 1: Relatos de Experiência e Análises de Publicação. Sua obra Afro-HQ já fora tratada aqui no site (http://quadro-a-quadro.blog.br/primor-e-carinho-coloridos-a-afro-hq/), além de ser autor da coleção de narrativas históricas em quadrinhos chamada Passos Perdidos, História Desenhada. Este ano lançou a blandícia Preto, que nem Carvão!
Quadro
a Quadro – Artes visuais, sociologia e educação são os focos de seus
interesses nos estudos sobre quadrinhos. Como você avalia a situação dos
quadrinhos, hoje, em cada uma destas áreas?
O campo da educação foi que mais se desenvolveu nos últimos anos, haja
vista o grande número de publicações e pesquisas desenvolvidas. Acredito
que a perspectiva acerca das HQs enquanto instrumento
didático-pedagógico atingiu um nível benéfico. Em relação aos campos da
Arte e da sociologia, ainda demandam um maior investimento. Em artes
visuais as HQs ainda são vistas como práticas inferiores e as tentativas
de explicitação de suas dimensões artísticas encontram resistência e
são ações acusadas de denegrir a imagem das artes consolidadas; Em
sociologia as coisas são mais áridas, mas já encontramos ações em nível
nacional que visam modificar estes aspectos. Já há um número de
professores de sociologia em universidades federais que, em seus
respectivos programas, estão inseridos os estudos sociológicos entre as
dimensões tradicionais e incentivando os estudos na área. Já tivemos,
inclusive, GTs específicos sobre o tema (Sociologia das HQs) em grandes
congressos da área (Promovidos pelo Prof. Dr. Nildo Viana, da UFG).
QaQ
– Além de pesquisador é produtor de quadrinhos, tendo lançado obras que
buscam criticar a sociedade e as relações raciais e religiosas. Quais
os cuidados a se tomar para que uma área não interfira na outra ou onde
essa interferência é controlável?
É uma interferência incontrolável. E, sinceramente, não sei até que
ponto é benéfica. Quando faço sociologia, às vezes, recebo críticas de
colegas da Universidade que se referem a minha experiência enquanto
produtor de HQs e quando faço quadrinhos, muitos deste campo me vem como
sociólogo…. isto é: um quadrinhista fazendo sociologia e um sociólogo
fazendo quadrinhos. (kkkk) Já não me importo mais com uma ou outra
perspectiva. Acredito que em ambos os momentos haja benefícios. Escrever
HQs com temáticas sociológicas me permite acessar aspectos densos nos
roteiros ao qual nem todo roteirista tem facilidade ou possibilidade de
acessar. E é esta mesma dimensão que deixa minhas aulas de sociologia
muito mais agradáveis, pois posso contextualizar cenários explicativos
para as teorias que terminam sendo muito mais cessíveis aos alunos do
que a tradicional visão árida da explicação sociológica. Obviamente, nem
tudo são flores. Muito de minha prática termina sendo limitada pela
minha atuação sociológica. Roteiros mais "criativos" e visões mais
pessoais são autocensuradas pelo meu conhecimento sociológico,
castrando-me de desenvolver HQs mais livres. Passei anos fazendo HQs de
vampiros inspiradas nas minhas sessões de RPG (Vampire: The Masquerade) e
hoje tanto as HQs, quanto a vontade foram guardadas na gaveta.
QaQ
– Na área de sociologia, quais as abordagens que faz nos seus estudos? É
viável estudar quadrinhos sociologicamente? A sociologia no Brasil já
está mais simpatizante com os quadrinhos enquanto objeto de estudos?
Venho desenvolvendo estudos no campo das mudanças de representação
visual de aspectos sociais (Família, Sexualidade, Raça, Gênero etc.). E
atuo em um campo chamado "Sociologia dos Objetos" que analisa como estes
materiais exercem um tipo de "resistência" na ação das pessoas. Isto é,
trata-se de uma perspectiva de explicar o comportamento das pessoas
pela interação com os objetos que produzem e interagem e relação
interativa.
Sim, é muito viável. A sociologia tem ferramentas fantásticas para analisar as HQs.
Não vejo
como simpatia. Um dos grandes problemas é que os candidatos aos estudos
sociológicos chegam nos programas de pós-graduação com propostas de
pesquisa amparadas em outros campos de análise. Isto é, querem
desenvolver estudos sociológicos utilizando ferramentas e teorias da
comunicação, por exemplo. E, por isso, acabam sendo barrados ou com
mutia dificuldade de sustentar seus projetos. Não se trata de simpatia e
sim da inferência correta. Eu faço sociologia e meu objeto de pesquisa
são as HQs. Não o contrário.
QaQ
– Diante das histórias em quadrinhos, estamos precisando mais de
produções nacionais em quadrinhos ou de pesquisas para os usos em sala
de aula? Onde os estudos científicos estão ou podem ajudar ambos os
lados?
Acredito que precisamos de mais produção de HQs brasileiras (Já
esclareci em outros momentos que o termo "nacional" é um tipo de
produção mais específico. Prefiro chamar de "produção brasileira"). Seu
uso em sala de aula é uma consequência e não o fim em si. O produtor de
quadrinhos (desenhista ou roteirista) pode se beneficiar bastante dos
estudos ao tomar conhecimento dos parâmetros analisados. Não é algo
obrigatório. A criação deve ser livre e nunca depender de pesquisa
nenhuma. Mas a "pesquisa" é material de ordem de qualquer desenhista ou
roteirista. Eles sempre estão buscando referências para agregar valor às
suas produções. Se seus objetivos são produzir uma HQ educativa, é
válido investir na leitura dos estudos sobre este campo. Se tem
objetivos artísticos, a mesma coisa. E assim por adiante. Afinal, é este
o objetivo das pesquisas, mostrar a estrutura das cosias que não são
facilmente percebidas.
QaQ
– Certamente seus trabalhos sobre o conceito social de raça e as
desconstruções dos preconceitos tendem a ser bem aceitos como recursos
pedagógicos. No que tange a religiosidade de influência africana, existe
algum tipo de preconceito na sua aplicação no ambiente de ensino? Houve
alguma experiência de preconceito ou controle de sua obra?
Sim. Em Maceió, durante um projeto de incentivo à formação de educadores
no campo da História e Cultura Afro-brasileira, alguns colégios
com administração católica ou evangélica negaram-se a utilizar a HQ
AfroHQ por ter orixás e, segundo os diretores "incentivar o culto
africano". Apesar de não ter sido minha intenção fazer uma HQ
proselitista, ela é vista assim, em alguns locais mais intolerantes. Não
me espanto. Este tipo de resistência é natural em ambientes que
demostram ou defendem a intolerância religiosa. É preciso combater esta
prática para garantir uma educação para a diversidade.
QaQ
– Muitos de seus estudos foram feitos sobre a relação visual e cultural
dos quadrinhos nacionais com os mangás, em seus trabalhos você fala de
crise de identidade, hibridismo e reprodução, enfatizando seus
instrumentos sociológicos. Como estão as historias em quadrinhos
brasileiras nas atuais conjunturas? Ainda somos copistas ou já se brota
uma identidade? Quais delas fazem isso?
O quadrinho brasileiro não deve ser visto simplesmente como uma prática
mimética ou pouco criativa em sua produção. O que defendi naqueles
trabalhos foi justamente o contrário. A HQ brasileira segue
uma tendência que se identifica em diversos outros ambientes mais
céleres ou "desenvolvidos". A cópia (reprodução mimética) é uma fase dos
processos de produção. Só indica que a prática está em um estado
inicial que tende a seguir um estágio híbrido até se libertar (ou
cristalizar) ou estética própria. Isso aconteceu com o mangá no Japão e
anda acontecendo com o quadrinho brasileiro. Ainda buscamos uma
identidade própria. Não há um consenso estético ou temático consolidado.
Há indícios que já podem ser percebidos pelos pesquisadores, mas ainda
são desconexos para os produtores (eles não tem consciência ainda deste
ethos). O quadrinho brasileiro tem um mercado crescente de produção. Não
tem a mesma aparência de outros mercados consolidados (e isso confunde
as pessoas que acham que a situação no Brasil ainda não é a ideal por
não ser igual à de outros países), mas é muito melhor que em décadas
passadas.
Apontar quais são estas HQs é complicado e exige cautela.
QaQ
– O Quadro a Quadro agradece todo seu tempo e que possamos ter mais
diálogos juntos. Diante de sua experiência nos estudos sobre quadrinhos e
nas produções de quadrinhos engajados, o que gostaria de dizer aos que
estão começando ambas as carreiras?
A velha máxima: continue a produzir, independente das críticas. É
preciso ser seguro do que se faz. Não é ignorar as críticas. É não
deixar de produzir. Como qualquer área de pesquisa, é preciso circular,
dialogar com os pares e colocar em avaliação sua produção. Na produção
de HQs, a mesma coisa: produza, produza e produza. Minhas metas são
sempre um álbum por ano e sei o trabalho enorme que isso me exige. Tanto
para um, quanto para o outro, é necessário concentrar as ações e a
atenção. Para os quadrinhistas é preciso que se atenham à produção de
materiais completos (revistas, álbuns etc.). Isso ajuda os leitores (e
pesquisadores) a identificar a linguagem do artista e acompanhar seu
desenvolvimento e assim por diante.
Reproduzido integralmente do Site: http://quadro-a-quadro.blog.br/entrevista-quadro-a-quadro-amaro-braga/
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