Fabien Toulmé lança no Brasil álbum 'Não Era Você Que Eu Esperava', dentro de uma tendência internacional de quadrinhos de não ficção
Por Guilherme Sobota - O ESTADO DE S. PAULO
Quem atende a ligação do outro lado da linha fala um português perfeito, com sotaque paraibano, e discorre com desenvoltura sobre como passou de engenheiro promissor a quadrinista profissional. Seu nome é Fabien Toulmé, ele é francês – atualmente morador de Aix-en-Provence, no sul da França – tem 37 anos e sua primeira graphic novel acaba de chegar ao Brasil: Não Era Você Que Eu Esperava (Editora Nemo).
A trama é familiar ao leitor de literatura brasileira contemporânea: um pai – ele mesmo – narra como foi descobrir que sua filha recém-nascida tinha síndrome de Down. Passa então ao choque que foi lidar com a notícia, o período posterior de negação, pesquisa, aceitação, compreensão, e, finalmente, amor (trama parecida com a do incontornável romance de Cristovão Tezza, de 2007, O Filho Eterno). Toulmé viveu isso entre 2009 e 2010, quando sua mulher, a brasileira Patrícia, deu à luz Julia, portadora da trissomia 21 – que hoje tem 8 anos e está bem, estudando, segundo o pai.
A história do livro começa no Brasil, em João Pessoa, onde Toulmé viveu por alguns anos. Uma inquietude com o país natal e a vontade de buscar os trópicos o haviam aproximado do Brasil, onde ele conheceu sua mulher e, também, onde tomou a decisão de largar os empregos estáveis, porém pouco estimulantes, na área de engenharia. Entre várias viagens pelo País, acabou no Estúdio Daniel Brandão, em Fortaleza, e o contato com o premiado quadrinista brasileiro lhe reviveu vontades antigas de fazer HQs.
“Eu me identifiquei com muita coisa no Brasil”, diz Toulmé. “Quando voltei para a França, me sentia um estrangeiro em um país diferente.” Nesse retorno, por volta de 2010, ele começou a se dedicar de verdade aos quadrinhos. A transição entre o emprego de engenheiro e o de quadrinista foi gradual: “Na verdade, era uma mistura de situações de medo, de sair de uma situação confortável para uma atividade mais atípica, incerta.” Ele conta que começou a praticar em casa, rigoroso, contribuiu para revistas locais e frequentou o Festival de Angoulême, o maior do mundo no setor. Lá, encontrou um editor e “meio por acaso” vendeu a ideia de fazer uma graphic novel de não ficção sobre sua experiência como pai. Não Era Você Que Eu Esperava, lançado originalmente em 2014, vendeu mais de 30 mil exemplares na França, e teve traduções para Alemanha e Coreia do Sul, e agora Brasil. A honestidade com a história, na opinião dele, é o que move a empatia tremenda que o livro desperta. “Queria contar essa história trocando nomes, mas ia perder esse lado.” O livro lhe permitiu ser quadrinista profissional.
Mais recentemente, Toulmé lançou Les Deux Vies de Baudoin, um álbum de ficção. “Inventar os aspectos é até mais complicado. Na ficção, a cada momento há várias possibilidades, mas o autor tem que decidir por um caminho.” Sua próxima HQ volta à não ficção – será uma espécie de reportagem sobre uma família de sírios, refugiados da guerra, vivendo na França.
O momento é oportuno para falar de eleições na França – “estou igual a muitas pessoas: sou a favor de uma sociedade mais empática, e não que só recompense quem tem dinheiro. Não sei em quem vou votar, mas não quero que seja a extrema direita que chegue ao poder.” Seu novo projeto tem a ver com isso. “Quando o ser humano não conhece, tem medo. É uma reação humana. Mas quando começa a se interessar pelo outro, por quem vem de outro país, vemos que somos iguais. Quem vem, não vem para roubar. Quem está no poder é quem rouba mais. Temos que tentar entender, viver em paz com amigos, vizinhos.”
NÃO ERA VOCÊ QUE EU ESPERAVA
Autor: Fabien Toulmé
Tradutor: Fernando Scheibe
Editora: Nemo (256 págs., R$ 59,80)
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