18 anos após o encerramento de Calvin & Haroldo, a série ganha documentários, reimpressões e até uma possível cinebiografia de seu criador
Um convite era feito no último quadrinho de uma tira publicada há 18 anos: “O mundo é mágico, Haroldo, meu chapa... vamos explorá-lo!”. O chamado era feito por Calvin para seu tigre de pano Haroldo, protagonistas da tira que deixou de ser publicada no dia 31 de dezembro de 1995, ao chegar ao número 3.160. O recado não ficava só na ficção: era feito pelo autor da série, Bill Watterson, como consolo para seus leitores, que lamentariam o fim da tira. Dezoito anos depois do quadrinho derradeiro, a exploração do universo de Calvin & Haroldo é crescente e as notícias mais recentes relacionadas à obra cogitam a possibilidade de cinebiografia produzida por Leonardo DiCaprio sobre a vida do recluso autor.
O esforço do quadrinista para evitar qualquer forma de aparição pública e sua postura irrevogável em relação ao não-licenciamento dos direitos de suas criações não foram suficientes para conter uma onda crescente de interesse em relação a sua obra nos últimos meses. No fim de 2013 foi lançado o documentário Dear Mr. Watterson (Querido Sr. Watterson, em português) quando também foram disponibilizadas na Amazon versões em ebooks para três coletâneas de Calvin & Haroldo.
No Brasil, para 2014, estão previstos os lançamentos das quatro compilações. A Conrad, editora da série no país, cogita publicar as tiras em um aplicativo para celulares e estuda como lançar uma edição nacional para a enorme caixa luxuosa contendo três livros com a coleção completa da série.
“Calvin e Haroldo é tão bom que independe de merchandising e, ainda bem, Bill Watterson nunca precisou disso para viver de seus quadrinhos”, comemora o diretor do documentário Joel Allen Schroeder em entrevista a GALILEU. Em Dear Mr. Watterson ele tenta entender o culto à obra e a adoração aos personagens, apesar da relutância do autor em ganhar milhões de dólares com qualquer produto relacionado às suas criações além da reimpressão das tiras. Financiado coletivamente pela internet, o filme pode ser comprado em DVD e Blu-Ray no site dearmrwatterson.com.
Nascido no dia 5 de julho de 1958, Bill Watterson mora na pequena cidade de Cleveland Heights, no estado de Ohio, nos EUA. Em rara entrevista, publicada na edição de dezembro da revista norte-americana Mental Floss, reafirmou seus princípios contrários a qualquer produto ou continuação relacionado aos quadrinhos. “Um novo trabalho requer uma certa dose de paciência e energia e sempre há o risco de frustração. Você não pode culpar as pessoas por preferirem o que já conhecem e gostam. O ponto negativo, óbvio, é que previsibilidade é algo chato. Repetição é a morte da mágica”, disse.
As crenças do autor não impediram que fãs dessem continuidade às aventuras de Calvin. A ilustradora norte-americana Terra Snover, por exemplo, fez sucesso com Bacon & Hobbes (hobbes-bacon.com), HQ protagonizada por Haroldo e por Bacon, a filha de Calvin. “Não fui a primeira a fazer isso, criaram a história e perguntei se poderia levar adiante”, conta em referência ao trabalho original do site pantsareoverrated.com.
Editor da Maurício de Sousa Produções e responsável por pensar nos novos projetos relacionados à Turma da Mônica, Sidney Gusman crê que a postura de Watterson contribuiu para o crescimento do culto da série: “Por dar a ela um caráter finito, que nenhuma outra até então tinha”. Para ele, a receita de sucesso da série não tem segredo: “Creio que manter os personagens atuais geração após geração é um desafio e tanto. E poucos conseguem vencê-lo. Os que conseguiram estão aí até hoje, renovando seu público. E há, claro, casos como Calvin que continua atravessando gerações por sua qualidade atemporal”.
PROTAGONISTA AUSENTE
Em busca pela compreensão do fenômeno Calvin, Joel Allen Schroeder conversou com leitores, editores e autores de publicações contemporâneas à tira, iniciada no dia 18 de novembro de 1988. Nem todos seus entrevistados apreciam a postura pouco social de Bill Watterson: “É natural que as pessoas queiram saber mais sobre ele. E como ele criou algo tão maravilhoso, há a crença que possa fazer ainda mais”, explica.
As reflexões propostas pelo documentário foram destaque nas críticas na imprensa norte-americana. O Hollywood Reporter ressaltou a análise sobre a perda de espaço dos quadrinhos em jornais após o fim da tira. Já o New York Times elogiou o espaço dado a outros cartunistas para falar sobre a obra de Watterson. Outro ponto enaltecido é a ida à cidade na qual Watterson foi criado e viveu por anos, Chagrin Falls, também em Ohio. Em uma das melhores sequências, são mostrados os locais que serviram de inspiração para os cenários das tiras. Ruas, prédios e praças são facilmente identificáveis.
Schroeder optou por não tentar entrar em contato com seu protagonista. “Eu teria amado falar com ele, mas sabia que as chances eram quase nulas. Não queria que o foco fosse a busca por ele, por isso decidi limitar ao máximo a intrusão à sua vida”, explicou.
Nos últimos meses, GALILEU tentou entrar em contato com o autor, mas, como consta no site da editora, “infelizmente, Bill Watterson não está disponível para entrevistas”.
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