Por Judão
Existiu uma época nas histórias em quadrinhos na qual o herói sempre vencia no final, não importando como. Se ele não vencia era porque o final não havia chegado. Depois veio o realismo e os personagens começaram a realmente morrer. Primeiro foram os coadjuvantes, mas com o tempo as vítimas passaram a ser as estrelas propriamente ditas. Mortes ocasionadas por câncer, ferimentos, lutas, doenças… e vilões. No entanto, são estes mesmos heróis que mantém vivos os contracheques de editores, roteiristas e artistas no final de casa semana. Sendo assim, pouco ou muito tempo depois, os mortos voltam à vida. Essa é a lei dos quadrinhos.
Claro que muitas leis estão aí para serem transgredidas, rompidas ou modificadas de acordo com a evolução da sociedade. E a Marvel está tendo a coragem de fazer isso no Universo Ultimate. O grande marco desse direcionamento acaba de ser publicado no Brasil em Ultimate Marvel #25 (Panini Comics, 124 páginas, R$ 12,50) e atende pelo nome de A Morte do Homem-Aranha.
Que fique claro que o que acabei de escrever não é um spoiler. Desde o começo a Casa das Ideias e a Panini no Brasil divulgaram que Peter Parker, o Homem-Aranha Ultimate, iria morrer. Por um lado o próprio nome do arco estraga uma surpresa de enredo, mas, por outro, abre logo de cara o que o Brian Michael Bendis pretendia, atraindo toda a atenção necessária para um evento de enorme coragem do roteirista e da editora. Até porque não é sempre que a Marvel mata seu principal herói – mesmo que em uma versão secundária.
De resto, esta resenha não apresenta qualquer spoiler, já que apenas apresenta como o arco chega a esta edição e faz comentários sobre a revista.
De certa forma, os eventos transcorridos até aqui foram muito bem construídos pela editora. Para começar a própria cronologia do Homem-Aranha Ultimate, muito coesa e estabelecida em mais de dez anos de histórias. Só que esta mesma cronologia acabou por se tornar um fardo para o personagem, pois o Ultiverso foi criado para ser acessível para novos leitores e uma cronologia tão grande não ajuda nisso, mesmo considerando que Peter Parker quase não envelheceu nesse período. Outros personagens importantes no Universo Ultimate, como Wolverine, morreram bem antes – e não voltaram.
Já nas publicações recentes, Bendis trabalhou ao lado de Mark Millar para construir o enredo da morte de forma convincente. Nas páginas da revista estadunidense Ultimate Comics Spider-Man vimos o retorno de um grande inimigo do Aranha, o Duende Verde, que foi buscar reforços para acabar com aquele que culpa por todos os fracassos. Ao mesmo tempo, nas páginas de Ultimate Avengers vs. New Ultimates, Millar montou um conflito de proporções épicas entre essas que são as duas grandes equipes do Ultiverso.
Assim o leitor é levado aos acontecimento da edição 24 de Ultimate Marvel, a edição anterior publicada no Brasil: Peter Parker é baleado ao interferir na briga entre as duas equipes, ajudando o Capitão América. Ferido e com os heróis ocupados com a briga causada pelo conflito entre Nick Fury e Carol Danvers, Peter retorna para o Queens apenas para descobrir o ataque final de Norman Osborn.
Não dá pra dizer que este aqui é o ponto alto de Millar e Bendis como roteiristas. O primeiro já escreveu histórias melhores para as duas equipes e, nas três HQs publicadas em Ultimate Marvel #25, parece mais preocupado em terminar logo a minissérie, já que ele tinha ainda muita coisa ainda para ser contada. Isso é uma pena, já que a trama é bem interessante, além de tocar na conturbada relação entre os irmãos Gregory e Tony Stark As duas HQs roteirizadas por Bendis, publicadas em Ultimate Comics Spider-Man #159 e #160 também sofrem do mesmo problema. O roteirista corre muito a história, o que não era necessário. Ninguém iria se importar que Peter Parker morresse na edição #161. “Ah, não é número redondo”, alguém na Marvel poderia comentar. E?
Ainda assim, a história comove – afinal é um garoto de 16 anos ali, dando a vida pelas pessoas e pelo bairro que ama. Para quem acompanhou o personagem por todos esses anos, é quase como se fosse o irmão ali, lutando e resistindo. É algo tão emocional que a editora associada do Ultiverso, Sana Amanat, deixou escapar na última San Diego Comic-Con que chorou ao ler o roteiro de Brian Bendis pela primeira vez.
Antes que alguém diga que a morte é passageira, é bom lembrar que em breve teremos por aqui o novo Homem-Aranha, um personagem que está fazendo muito sucesso nos EUA e está conseguindo levar a carga emotiva do personagem até novos níveis. Também lembro aquilo que o editor-chefe da Marvel, Axel Alonso, disse também na Comic-Con:
“Peter Parker não vai voltar. É uma das regras do Universo Ultimate. Pessoas voltam no Universo Marvel, e isso é parte da diversão. Você sabe que alguém vai voltar, mas não sabe como. Mas isso é diferente do Universo Ultimate”.
Se esta postura for matida por anos e anos, merece elogios. Afinal, mais corajoso do que MATAR Peter Parker é mantê-lo morto. Isso fará com que as HQs publicadas em Ultimate Marvel #25 se tornem históricas, um marco que será comentado pelas próximas gerações. Assim como foi a morte de Gwen Stacy no Universo Marvel.
Até pela importância, a Panini fez um bom trabalho na edição nacional. Além de ter mais páginas que o normal, a edição vem com uma sobrecapa negra parecida com as “death bags” que a Marvel faz lá fora. Por fora a imagem é toda negra, apenas com o logo do Aranha em vermelho e o título do arco, e, por dentro, há as quatro capas variantes da minissérie Ultimate Fallout, com os desdobramentos da morte de Peter Parker, e que juntas formam uma imagem só. Por baixo o gibi traz a capa de Ultimate Comics Spider-Man #160, desenhada por Mark Bagley. Isso tudo reflete no preço, de R$ 12,90, que não é caro por tudo que a edição oferece.
Para finalizar, replico aqui a fala de um personagem após saber da morte de Peter – o qual não digo qual é para não fazer spoilers: “O melhor e o mais brilhante de nós foi apagado como uma vela”. Se ele foi o melhor e o mais brilhante em vida, morre como um verdadeiro herói – alguém que restabelece os heróis ao seu posto de humanos, no final das contas.
Que ESSA chama nunca se apague.
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