Por Giorgio Cappelli - GHQ
Quando encontro títulos de matérias do tipo “A ciência nos quadrinhos” em revistas ou jornais, sinto o coração gelar. Já sei que vem vindo por aí um festival de bobagens. Mesmo assim, respiro fundo, venço meu preconceito, me encho de coragem e enfrento o texto. Quase sempre fico inconformado com o que leio.
Por obra e graça de algum raciocínio que eu nunca vou entender, certos jornalistas perdem o tempo deles (e o nosso) entrevistando acadêmicos sobre impossibilidades físicas, como o voo do Super-Homem, a flexibilidade na armadura do Homem de Ferro, o fator de cura do Wolverine, o dom da fala do Pato Donald, entre muitas outras. Os entrevistados chegam mesmo a afirmar que a radiação jamais permitiria a existência de um Hulk ou de um Homem-Aranha. Não brinca! E eu que podia jurar que qualquer animal irradiado me transmitiria seus poderes através de uma mordida. Lá se foi mais um sonho de criança…!
Uma pena que tais PHDs em Física e analfabetos em imaginação nunca sejam confrontados com um jornalista que conheça mesmo Histórias em Quadrinhos. Ele os surpreenderia com uma aventura do Homem-Aranha, cujo tema é clonagem. Nela, explicaria o hipotético jornalista, Peter Parker e sua falecida namorada são “xerocados” por um cientista inconformado com a morte da garota. Isso em 1975, e olha que a maioria das pessoas só veio a saber o que era um clone graças à ovelha Dolly, que veio ao mundo em cinco de julho de 1996 – vinte e um anos depois da publicação.
“Ah, mas não existia tecnologia para isso nos anos setenta”, argumentaria o acadêmico. E o jornalista rebateria: “A questão não é essa. Você disse que os quadrinhos só falam de coisas erradas e impossíveis. Esse quadrinho fala de algo que a própria ciência já mostrou ser possível. Se o conceito de reproduzir um ser vivo a partir de uma única célula já existia em 1975, não se pode falar em delírios de roteirista.”
Agora, imaginemos que esse nosso jornalista apreciador de quadrinhos conheça o detetive Dick Tracy. Esse personagem, criado nos anos 1940, investigava crimes usando técnicas periciais. Sua marca registrada, além do queixo quadrado e dos bandidos tão bizarros quanto os do Batman, é um rádio-relógio de pulso, com o qual se comunica com os colegas de polícia. Outra vez o “acadêmico” chamaria a isso de impossibilidade científica para a tecnologia da época. Sim. Analisando com menos superficialidade, Chester Gould, criador de Dick Tracy, simplesmente adiantou-se a seu tempo. Ele sonhava com os pés no chão.
Nosso jornalista, ainda desejando torturar o teórico, evocaria o nome de Buck Rogers.Aprisionado por acidente em uma mina abandonada, ele é mantido em animação suspensa graças a um gás desconhecido, só acordando em 2430. Embora as primeiras aventuras tenham sido criadas em 1929, o autor acertou ao prever a igualdade de direitos e papéis entre homens e mulheres, passeios em naves espaciais e apetrechos acopláveis às costas que permitem o voo individual quase do mesmo modelo visto em Rocketeer.
Ficção científica, senhor acadêmico? Tal aparelho geraria calor demais e queimaria seu usuário, certo?
Permita-me então apresentar-lhe duas empresas: a TAM (Tecnologia Aeroespacial Mexicana) e a Jetpack International; e um inventor, Glenn Martin, para mostrar que os quadrinhos acertaram outra vez. Os aparelhos das citadas empresas fazem perto de 100 quilômetros por hora e conseguem se manter no ar de 30 a 33 segundos. O outro alcança a altura de 1,5 quilômetros e estará à venda (sim, você leu certo) em 2012.
Como fica agora o argumento da falta de tecnologia na época? Ainda falta muito tempo para 2430. Caso o acadêmico cético reclamasse do desempenho dos veículos, lembremos que o 14-Bis de Santos Dumont saltava e subia pouco mais de 90 centímetros do chão. Os aviões de hoje em dia fazem muito mais que isso. Quanto à comparação de tamanhos, os rádios encolheram bastante desde seu nascimento. Chegar aos modelos diminutos de Buck Rogers é uma questão de paciência e da evolução natural da tecnologia. Ponto pros quadrinhos, de novo!
O acadêmico ainda teima, e afirma que, mesmo assim, há limites para a tecnologia que os quadrinhos não respeitam. Pois nosso jornalista quer ver sangue! Ele agora vai até o Japão, onde o quadrinista Osamu Tezuka, à semelhança das obras de Isaac Asimov, criou, em 1952, o personagem Astroboy, imaginando uma sociedade em que humanos e robôs conviveriam normalmente. Com o atual desenvolvimento dos robôs assemelhados a humanos – os chamados andróides – no próprio Japão, será que essa previsão não se encontra mais perto do que imaginamos?
O acadêmico começa a suar frio, e nosso jornalista continua batendo mais que campeão de MMA. Na Bélgica, Tintim, personagem de HQ do qual já falamos por aqui, chegou à Lua em 1954, quinze anos antes do americano Neil Armstrong. Antes de Tintim, Júlio Verne fez três tripulantes darem uma volta pela órbita da Lua em 1865 – mais de cem anos de antecedência. Havia tecnologia para mandar um homem até lá no século XIX? Não, mas os cientistas adoram mencionar Júlio Verne e o fato de esse escritor ter “previsto” o surgimento do helicóptero, doaqualung, da televisão. O que eles esquecem de dizer, ou não querem, é que Verne usava uma grande ferramenta para aguçar a imaginação: a pesquisa. A mesma usada pelos roteiristas de quadrinhos mencionados nesta matéria.
Portanto, meus caros teóricos e acadêmicos, vamos parar com essa implicância com a ficção científica nos quadrinhos. Aprendam a separar a fantasia divertida da ficção embasada. Sonhem com o dia em que poderemos usar a antigravidade, conversar por telefones holográficos, atravessar o sistema solar em questão de segundos, ter amigos alienígenas, dinossauros de estimação e políticos honestos.
Acreditem no impossível.
Giorgio Cappelli é tradutor e revisor com pretensões a quadrinista. Também sabe que o som não se propaga no vácuo e nem por isso fica reclamando quando escuta as naves manobrando, disparando ou explodindo em Guerra nas Estrelas.
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