(...) Avengers vs. X-Men #11 foi publicado nos EUA e trouxe a morte de um importante personagem. Não contarei quem é, afinal a ideia é que esta coluna seja spoiler-free. No entanto, posso te dizer – caso você não saiba o nome do cara – que a tal morte gerou certa indignação, principalmente por não ser a primeira vez que essa pessoa “morre”.
Isso levanta uma questão importante: até que ponto as HQs de super-heróis estão saturadas de mortes – e dos retornos logo após?
Antes de entrar no assunto propriamente dito, vale uma pequena contextualização. A morte de personagens nos gibis era algo extremamente raro até a década de 70. De certa forma, isso era visto pelos roteiristas e editores como um grande acontecimento, algo que deveria ser destinado à formação do caráter do herói. Isso fica claro, por exemplo, se eu te lembrar que Bruce Wayne perdeu os pais ainda criança, motivando-o a se tornar o Batman quando mais velho. No caso do Homem-Aranha, foi o assassinato do tio Ben que o levou a entender que “grandes poderes trazem grandes responsabilidades”. Isso para ficar em apenas dois exemplos.
Dá para dizer que a primeira grande morte foi a da Gwen Stacy, em junho de 1973. Naquela época, Gwen e Peter Parker estavam se tornando muito próximos. O casamento não deveria demorar a acontecer. Stan Lee, o criador do personagem, apoiava isso, mas ele havia deixado de ser editor-chefe da Marvel no ano anterior, dando espaço para uma corrente que não concordava com o envelhecimento tão rápido do personagem. Foi aí que surgiu a ideia de matá-la, evitando o casamento… E construindo uma grande história do processo.
A partir daí as editoras foram começando a perceber que matar um personagem de apoio importante turbinava as vendas. Isso foi evoluindo até que as editoras passassem a matar os próprios heróis. Ainda na Casa das Ideias, um exemplo disso é a morte do primeiro Capitão Marvel, em 1982.
Ainda assim, quase sempre, quem morria permanecia morto. No máximo aparecia um clone da Gwen Stacy ali, uma personagem muito parecida acolá… Só que aí, em 1993, veio aquilo que mudaria tudo: A Morte do Superman.
Mais uma vez a culpa foi de um casamento. A DC pretendia levar Clark Kent e Lois Lane ao altar desde que houve o reboot do personagem por John Byrne em 1986. Por iss os dois ficaram noivos, ela descobriu a identidade secreta do amado… Tudo caminhava bem, até que surgiu a série de TV, chamada Lois & Clark: The New Adventures of Superman.
A produção, que era muito mais focada no relacionamento dos dois jornalistas do que na vida heroica do Azulão, também pretendia casar os personagens. Nesse momento alguém teve a brilhante ideia de fazer isso ao mesmo tempo que nas HQs. Como não dava pra casar Clark e Lois na primeira ou na segunda temporada, o pessoal da DC ia ter que segurar os planos que tinham. E como segurar isso se até noivos eles estavam?
Alguém teve a brilhante ideia: vamos matar o cara.
Aí surgiu aquela enorme saga que você conhece, que, na realidade, se divide em três fases: A Morte do Superman, Funeral para um Amigo e O Retorno do Superman. Sim, “retorno”, afinal ninguém queria se livrar do principal personagem da editora, apenas deixá-lo de lado por algum tempo. Quando a DC (e a Marvel) viram os resultados financeiros daquilo tudo tiveram uma certeza: bom negócio MESMO era matar os principais heróis e depois, claro, voltar com eles, maximizando lucros.
Sim, “lucros”. Uma editora é um negócio. Qualquer empresa de entretenimento é um negócio. É preciso cada vez mais ampliar as vendas, trazer novos leitores, reconquistar os antigos… Mortes, normalmente, chamam a atenção da imprensa, ampliar a divulgação, os donos de comic shops encomendam mais exemplares. Depois, quando o herói retorna, o processo é bem parecido – talvez sem tanta cobertura da mídia que não seja especializada.
Por isso que, de meados da década de 90 pra cá, morreram e voltaram à vida personagens como o Batman, Tocha-Humana, Lanterna Verde, Gelo, Isis, Justiceiro, Robin (Jason Todd), Caçador de Marte, Thanos, Thor, Loki, Capitão América, Homem-Aranha, Ra’s al Ghul, Aço, Gavião Arqueiro, Superboy, Mulher-Maravilha, Homem-Formiga (Scott Lang), Tia May, Colossus, Harry Osborn…
Eventualmente, algumas dessas mortes foram reveladas como “fakes”, enganos, viagens temporais… Ainda assim, foram consideradas mortes quando publicadas.
Por um lado, morrer faz parte da vida – é para onde todos nós vamos, infelizmente. Quadrinhos, se querem de alguma forma reproduzir a vida, devem sim abordar temas como a morte. A questão é que vejo nos leitores em geral uma descrença nas mortes. “Ah, o fulano volta daqui X meses, querem apostar?”.
Isso se deve, em parte, ao fato de que uma editora como a DC não abrirá mão de, todo mês, publicar um gibi com o Bruce Wayne sendo o Batman. Por breves períodos pode ser que você até encontre um Dick Grayson ou um Jean-Paul Valley usando o uniforme que todo mundo conhece, mas isso sempre será temporário. Para uma grande empresa, o inconsciente coletivo sabe que Bruce Wayne é o Batman. Ponto. Manter um status quo que não seja esse é jogar contra o próprio bolso. No entanto, a mesma editora não quer abrir mão de, eventualmente, matar o herói para turbinar as vendas… Isso gera o “morre e retorna” que temos hoje.
De certa forma, sabendo que a editora não abrirá mão da sua fonte de dinheiro, defendo que os leitores devem desencanar, afinal toda morte é provisória nas HQs. As únicas definitivas são a dos pais do Bruce Wayne, do tio Ben e da Gwen Stacy. Sendo assim, just relax and have fun com aquele conteúdo, se emocione com a história, curta, sinta… E esqueça o amanhã.
Pode ser até que o retorno do falecido seja interessante. Geoff Johns, por exemplo, fez um ótimo trabalho com Lanterna Verde: Renascimento, que é o retorno do Hal Jordan à vida – o personagem havia morrido ainda na década de 90, na saga A Noite Final.
Para você ter uma ideia de como a estratégia dá certo, vamos pegar o exemplo da morte de Johnny Storm, o Tocha Humana. A edição na qual o herói morreu nos EUA, Fantastic Four #587, foi a mais vendida em janeiro de 2011, com mais de 115 mil exemplares vendidos – o que foi muito, já que o Quarteto Fantástico não vendia tão bem há anos. FF #1, com a criação da Fundação Futuro (uma nova equipe do Quarteto sem o Johnny e com o Homem-Aranha), foi a mais vendida de março do mesmo ano, com mais de 114 mil exemplares. Apenas para comparação, a segunda colocada no mesmo mês, Green Lantern #64, vendeu quase 77 mil revistas. Já em relação a morte do Batman, Final Crisis #6 foi o terceiro mais vendido de fevereiro de 2009, com 110 mil exemplares – campeão daquele mês foi uma edição de Amazing Spider-Man com o Barack Obama na capa, que passou da barreira dos 300 mil. Batman: The Return of Bruce Wayne #1, com o retorno do personagem, também foi o terceiro mais vendido de maio de 2010, com cerca de 108 mil gibis. Ou seja, o retorno vende tão bem quanto a morte.
Claro que, pelo jeito que as coisas vão indo, em breve a maioria das pessoas não conseguirá mais curtir tantas mortes e retornos – e aí o efeito das mortes no que se refere a “turbinar vendas” vai se perder de vez. Nesse sentindo, a Marvel vem trabalhando o Universo Ultimate de uma forma interessante, que, a meu ver, deveria ser o caminho para os Universos Marvel e DC.
Já disse por aqui, mas repito: na última San Diego Comic-Con, o editor-chefe da Marvel Axel Alonso comentou que “pessoas voltam no Universo Marvel, e isso é parte da diversão. Você sabe que alguém vai voltar, mas não sabe como. Mas isso é diferente do Universo Ultimate”. Com esse pensamento, desde a saga Ultimatum, a Casa das Ideias tem promovido uma série de mortes de personagens, como a do Wolverine e a recente morte do Homem-Aranha (publicada no Brasil mês passado). Em seguida, a editora trabalha o conceito do “legado”. Ou seja, Peter Parker morreu, mas o legado do Homem-Aranha sobrevive em outra pessoa.
Isso ajuda a criar novos caminhos para novos leitores. Afinal, quem hoje começar a ler Ultimate Comics Spider-Man nos EUA não precisa saber de tudo que aconteceu com Parker. A mesma coisa aqui no Brasil: quando as aventuras de Miles começarem a sair em Ultimate Marvel (o que deve acontecer, se eu não perdi as contas, agora em setembro), os novatos vão poder começar a ler o gibi sem se preocupar com as amarras cronológicas de mais de dez anos, como sempre foi o espírito do Universo Ultimate Marvel.
Claro, não ganho nada aqui defendendo a Marvel. A tal regra colocada por Alonso na Comic-Con só pode ser considerada, no máximo, a partir de Ultimatum. A própria versão Ultimate da Gwen Stacy morreu e voltou à vida antes disso. Também nada garante que a Casa das Ideias irá manter essa determinação para sempre – apesar de que o Ultiverso é feito para vender menos, sem a preocupação de ter seus gibis sempre entre os mais vendidos da editora.
No caso específico do Miles Morales, o novo Homem-Aranha, a troca fez efeito e o personagem está conquistando cada vez mais os leitores. Ainda na última Comic-Con, pude conferir como a maioria dos fãs da Marvel dizia estar adorando as HQs.
É um caminho. Se a Casa das Ideias continuar tendo resultado com este tipo de iniciativa (os atuais X-Men, principalmente o novo Wolverine, são outro exemplo disso), a regra pode ser replicada ao Universo Marvel – e até copiada pela Distinta Concorrência. Se você lembrar bem, esse é de cera forma o discurso de Bruce Wayne no recente Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge, mostrando que o conceito também pode ser aplicado ao cinema.
No final das contas, Marvel e DC são empresas. Elas precisam pagar os custos, os funcionários e darem lucros para seus grupos (respectivamente, Disney e Warner). Assim, os heróis vão continuar morrendo. Só espero que nem todos voltem. Dessa forma, pelo menos, ficaríamos na dúvida se aquele personagem que morreu ontem continuará morto…
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