Por Marcus Ramone - UHQ
Nas décadas de 1940 a 1980, com frequência, nomes destacados da política, da história e das artes do Brasil costumavam ganhar versões em quadrinhos. Em sua quase totalidade, eram edições especiais biográficas. Nada, porém, que os transformasse em astros dos gibis.
Nos anos 1950, a La Selva encabeçou as exceções que confirmavam essa regra e sacudiu o mercado com uma proposta diferente.
Apostando em nomes de sucesso dos filmes de comédia da época, a editora publicou títulos como Oscarito e Grande Otelo e Mazzaropi, ambos chegando até a década seguinte nas bancas.
Nas HQs, os comediantes viviam as mais diversas aventuras, em cenários e situações que, embora muitas vezes familiares ao que o público via nos filmes, não economizavam na imaginação. Coordenadas por Jayme Cortez, as histórias contavam, dentre outros desenhistas, com o já consagrado Messias de Mello - considerado, até hoje, o melhor e mais destacado quadrinhista alagoano de todos os tempos.
A La Selva também lançou gibis estrelados por Carequinha, Arrelia e Fuzarca, famosos palhaços que, durante muito tempo, fizeram a alegria das crianças nos circos, no rádio e na TV. Acompanhados de Fred, Pimentinha e Torresmo, seus respectivos ajudantes - ou "escadas", no jargão dos humoristas -, eles também conquistaram os quadrinhos em aventuras que não se passavam apenas num circo e marcaram o início de carreira de muitos artistas, como Julio Shimamoto (que assinou os desenhos de várias HQs da revista Carequinha e Fred).
Mas foi no final dos anos 1970 que teve início uma nova fase das celebridades do Brasil nos quadrinhos, numa onda que atravessou a década de 1980, começou a diminuir na seguinte e se diferenciou por transformar as personalidades da mídia em crianças.
Conheça ou relembre alguns gibis que ajudaram a eternizar muitas celebridades brasileiras. E não se espante se - independentemente da qualidade editorial de grande parte deles - reconhecer que vários dessas publicações marcaram sua infância.
Os Trapalhões (Bloch, 1976) - Uma das mais cultuadas revistas em quadrinhos produzidas no Brasil. O saudoso quarteto de humoristas protagonizou nos gibis as mais loucas aventuras, nas quais o politicamente incorreto dava o tom das piadas sobre política, religião, gays, mulheres e outros temas palpitantes, não poupando nem mesmo outras celebridades (nacionais ou estrangeiras).
No final dos anos 1980, os personagens migraram para a Editora Abril, virando crianças e mudando o conceito de suas histórias, mais conectadas ao mundo infantil.
Pelezinho (Abril, 1977) - Inspirado no rei do futebol, o personagem inaugurou a era das versões infantis das celebridades. Acompanhado de uma carismática galeria de coadjuvantes - que competiam com ele na preferência dos fãs e eram, em sua maioria, baseados nos amigos de infância de Pelé -, o craque Pelezinho fez sucesso, marcou época e deixou saudade quando saiu definitivamente das bancas, há mais de 20 anos.
Em 2012, com o retorno do rei dos campinhos em uma série de republicações, as novas gerações de leitores puderam, enfim, conhecer esse clássico dos quadrinhos nacionais.
As aventuras de Beto Carrero (CLUQ, 1985) - Em programas de rádio e nos rodeios, o empresário João Batista Sérgio Murad encarnava o personagem Beto Carrero desde 1970. Mas só se tornou nacionalmente conhecido a partir de meados da década de 1980, quando participou de alguns filmes dos Trapalhões e estrelou uma revista em quadrinhos que durou apenas cinco edições bimestrais.O gibi, em formato magazine, trazia HQs em preto e branco, escritas por Gedeone Malagola e desenhadas por Eugênio Colonnese. Um faroeste à brasileira, com cenários como o Pantanal, onde o caubói enfrentava os bandidos sem usar arma de fogo, valendo-se apenas de um chicote.
Na edição de estreia, o leitor encontrava o regulamento de um concurso cultural que premiaria os vencedores com um cavalo e um pônei.
Revista da Xuxa (Globo, 1988) - A Rainha dos Baixinhos estava no auge do sucesso entre as crianças - e os marmanjos, também -, quando virou título de gibi, transformando-se de vez na adolescente que se mostrava na TV.
As histórias da personagem eram mais voltadas para o público feminino. Mas, se nas aventuras da revista as meninas se divertiam com as paquitas, eram o mosquito Dengue e a tartaruga Praga que chamavam a atenção dos meninos.
Foram mais de 60 edições mensais, além de um almanaque periódico e alguns especiais.
Revista do Gugu em Quadrinhos (Abril, 1988) - O apresentador de TV viciado em audiência era a menina dos olhos do SBT e não perdeu a chance de embarcar numa versão cartunesca. No entanto, ao contrário do que se mostrava comum naqueles tempos, continuou adulto nas HQs.
Ele protagonizava aventuras de ação e humor - às vezes com pitadas de super-heroísmo - que atraíam o interesse dos garotos, embora não faltasse uma dose de romance para provocar suspiros nas garotas.
Durou 20 edições mensais e quatro almanaques periódicos.
O personagem ainda estrelou outra série na década de 1990, dessa vez pela editora Sequência.
Revista do Sérgio Mallandro em quadrinhos (Abril, 1988) - "Rá! Glu glu yeah yeah!" já era o inconfundível bordão do apresentador, animador de auditório, ator, cantor e - ufa! - humorista Sérgio Mallandro e virou mania entre os leitores do gibi que ele estrelou na mesma época em que apresentava o programa infantil Oradukapeta, pelo SBT.
Nas HQs, ele era simplesmente aquele que continua interpretando até hoje na vida real: uma criança vivendo no corpo de um adulto.
Pela Abril, a publicação seguiu até 1990. No mesmo ano, foi para a Globo e chegou ao fim em 1992.
Quadrinhos do Faustão (Abril, 1991) - Apenas dois anos depois de estrear na TV Globo com o programa Domingão do Faustão, o jornalista e apresentador Fausto Silva chegou às HQs.
O sucesso na tela pequena justificava a exploração da imagem do artista em outras mídias, mas também era certo que os pais não gostavam de ver os filhos repetindo o vocabulário escrachado (incluindo palavrões) que ele costumava dizer na TV - por isso mesmo, houve um apelo imediato com a criançada.
Mas, no gibi, Faustão era adulto e estava sempre ancorado por duas crianças, os sobrinhos Faustinho e Faustina, responsáveis pelo humor da revista.
A publicação não chegou a completar um ano nas bancas.
Leandro & Leonardo (Globo, 1991) - A dupla sertaneja se transformou em garotos bons de viola e de traquinagens.
A revista também trazia pôsteres dos dois irmãos e de outros cantores sertanejos, além de entrevistas com artistas desse estilo musical. Mais segmentado, impossível.
Foi publicada até a edição # 19.
Angélica (Bloch, 1989) - Jovem, loura, apresentadora de programa infantil na TV e ganhando uma versão em quadrinhos?
Um ano antes, isso já tinha sido visto, mas Angélica repetiu, em 1989, aquilo em que a concorrente Xuxa havia sido pioneira.
Notoriamente criado para as meninas, o gibi começou numa linha "contos de fadas" que, com as devidas proporções que a comparação exige, mais parecia uma versão colorida e menos dramática das aventuras da princesa Ametista, personagem clássica da DC Comics.
Em pouco tempo, a revista mudou o logotipo e o direcionamento das histórias, que passaram a ser um pouco mais voltadas para situações simples e cotidianas.
Circulou pelas bancas até 1992, chegando a 20 edições publicadas.
Senninha e sua turma (Abril, 1994) - Um dos gibis brasileiros mais lembrados pelos leitores. Foi lançado dois meses antes da morte do piloto de Fórmula 1 Ayrton Senna e - talvez por isso - fez sucesso até o fim da década, com o personagem (versão infantil do esportista) estrelando, também, edições especiais e até um álbum de figurinhas.
A galeria de coadjuvantes de Senninha, com destaque para o gago Bate-Pino e o vilão mirim Braço Duro, era um dos destaques do gibi, que deixou as bancas em 1999.
No mesmo ano, a revista aportou na Brainstore e foi cancelada em 2000. Oito anos depois, retornou pela HQM Editora e durou até 2010.
Aninha (Nova Cultural, 1998) - Para crianças pequenas. E mais ainda para as meninas.
Lançada quando Ana Maria Braga despontava na TV com o programa Note e Anote, da TV Record, a revista estrelada pela versão infantil da apresentadora trazia como chamariz o Louro José - assim como era, e continua sendo, na televisão.
O gibi durou até o início de 2001.
As aventuras eróticas de Tiazinha (Abril, 2001) - A modelo Suzana Alves levava os homens à loucura, com sua personagem sadomasoquista Tiazinha.
Depois de estrelar ensaios sensuais em vídeos e revistas masculinas, ela elevou os níveis de testosterona dos marmanjos ao protagonizar um fetiche em forma de fotogibi.
Na fotonovela, Tiazinha e outras estonteantes mulheres atuavam sem roupa - sem esse incômodo, elas puderam exibir uma exuberante fotogenia.
Produzida pela Fábrica de Quadrinhos, a revista apresentava uma aventura "erótico-vampiresca" que utilizava cenários criados digitalmente.
Sobreviveu por apenas uma edição.
E para não deixar ferver o caldeirão das vaidades, vale citar outras celebridades que, em maior ou menor grau de popularidade no mundo real, já visitaram os quadrinhos: Antônio Fagundes (ao lado de Stênio Garcia, na série em duas edições Carga Pesada, lançada pela RGE, em 1980), Chico Anysio, Íris Stefanelli, Paulo Coelho, Raul Seixas, Ronaldinho Gaúcho, Tiririca - numa edição única, escrita e desenhada por André Diniz -, Tonico & Tinoco, Zé do Caixão e muitas outras personalidades.
Os quadrinhos são mesmo uma grande opção para quem não se contenta com apenas 15 minutos de fama.
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