Por Wellington Srbek
Quem acompanha este blog desde o início, deve se lembrar de uma postagem sobre a revista Pererê de Ziraldo. Aquele texto trouxe um resumo de meu livro inédito sobre essa importantíssima série de nossos quadrinhos. Passaram-se alguns anos e, infelizmente, o livro continua inédito. Mas, para celebrar os 50 anos da revista criada por Ziraldo e aproveitando a data de seu aniversário, publico aqui um trecho de “Pererê, uma aventura brasileira”. Parabéns então a Ziraldo e vida longa a Pererê e sua turma! Em 1960, Ziraldo trabalhava no Departamento de Promoções e Relações Públicas de O Cruzeiro, uma das mais bem-sucedidas revistas e editoras da época. Entre trabalhos de Péricles, Millôr Fernandes, Carlos Estevão e Borjalo, a cada semana a revista publicava um novo cartum de Ziraldo, protagonizado pelo personagem Pererê. Trazendo temas variados numa abordagem humorística, os cartuns tinham pouco texto escrito (ou mesmo nenhum), valorizando o estilo de desenho sintético de seu autor. Provavelmente, os leitores de O Cruzeiro que acompanhavam a série de cartuns notaram uma diferença na edição que chegou às bancas em 8 de outubro. Logo na primeira página da revista era anunciado que o Pererê estava mudando de casa: o personagem deixava O Cruzeiro para estrear uma nova revista em quadrinhos mensal criada especialmente para ele. Nas duas semanas seguintes, a Pererê ganhou anúncios de página inteira em O Cruzeiro, o que evidencia o investimento da editora no novo projeto. Lançada naquele mesmo mês de outubro de 1960, em meio aos movimentos em favor da nacionalização das histórias em quadrinhos (o estabelecimento de reservas de mercado em favor dos desenhistas e personagens brasileiros), Pererê tornou-se rapidamente um sucesso, equiparando-se em vendagem a Luluzinha, a revista em quadrinhos de maior sucesso publicada pela editora de O Cruzeiro. No formato de 26 cm de altura por 18 cm de largura (semelhante ao dos comic books norte-americanos), Pererê foi a primeira revista em quadrinhos em cores inteiramente produzida por autores brasileiros com personagens brasileiros. Cada edição totalizava 36 páginas, com capas impressas em papel envernizado e miolo impresso em papel-jornal (desse total, em média, 4 páginas eram utilizadas para a veiculação de anúncios de revistas em quadrinhos também publicadas por O Cruzeiro). Quando a revista chegou às bancas pela primeira vez, Juscelino Kubitschek ainda era o presidente, embora Jânio Quadros já tivesse sido eleito para sua sucessão e João Goulart reeleito para a vice-Presidência (a votação para os dois cargos fazia-se então em separado). Alcançando a impressionante tiragem de 120 mil exemplares, Pererê teve 43 edições, lançadas entre outubro de 1960 e abril de 1964, um dos períodos mais agitados e conturbados de nossa história. Voltada para o público infantil, com uma produção gráfica relativamente simples e trazendo na capa um selo de “Aprovado pelo Código de Ética” (copiado das revistas norte-americanas), Pererê não levantava suspeitas ou questionamentos sobre as mensagens que veiculava. Descrita por Ziraldo (em depoimento concedido a mim em agosto de 1999) como a “maior curtição de sua vida”, a revista era produzida segundo ele com “total autonomia criativa”:“Era uma revista infantil. Eu podia contar as minhas histórias como quisesse. A Pererê era até um pouco, digamos, ‘comunista’ para a época. O editor nem ligava. Vai ver, nem lia. A revista fazia o maior sucesso. Bastava isto pra ele. Eu adorava bolar as histórias. Eu sabia que sabia fazer isto muito bem, diferente dos velhos clichês, nada de luta do mal contra o bem. Você vê que não tem, nunca teve bandido nas minhas histórias. Era tudo curtição, rememoração das fantasias de infância. Era um barato. E o artista gráfico deitava e rolava nas onomatopéias...”Na produção das edições de Pererê, Ziraldo contava com o auxílio de uma equipe de profissionais de artes gráficas. Assim ele descreveu o processo de produção da revista:“Eu fazia a revista com três meses de antecedência. Ou quatro, não me lembro. Tanto que fui dispensado em dezembro de 63 e a revista foi até abril de 64. Eu bolava as histórias, fazia tudo a lápis. Tinha três profissionais comigo. Um fazia o nanquim em cima do meu traço. Nunca aprendeu a fazer o traço. Chamava-se Paulo Abreu. Morreu logo depois que a revista parou. O outro era um famoso e grande letrista de quadrinhos de todas as publicações brasileiras, trabalhara na Ebal, no Globo, em toda parte. Um craque. Chamava-se João Barbosa. Também já morreu. O outro era o que indicava as cores no overlay, com papel de seda e lápis de cor (o cara do fotolito tinha que adivinhar a proporção das cores). Esse se chamava Heucy Miranda. Aliás ainda se chama, aprendeu a desenhar tudo, é um grande animador de desenho-animado e desenha o Pererê melhor do que eu. Uma figura!!!”Apesar da qualidade e de todo o sucesso, a revista acabou sendo cancelada pela editora de O Cruzeiro (na capa do último número, a data indicada é "1 de abril de 1964", dia do golpe militar que destituiu o então presidente João Goulart, pondo fim ao período democrático iniciado em 1946). De qualquer forma, basta a leitura de algumas das histórias de Pererê para se perceber a originalidade e a qualidade dessa obra-prima dos quadrinhos. (Talvez continue algum dia no livro “Pererê, uma aventura brasileira”...)
PUBLICADO EM 05.11.10
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