Infantis, arte e quadrinhos são as primeiras áreas em que as editoras nacionais investem de olho na expansão do público devotado aos tablets, o que já está mudando o perfil de produção das obras
Por RAQUEL COZER - O Estado de S.Paulo
Desde janeiro, editores e designers da paulistana Bei convivem com um corpo estranho para o ambiente de trabalho ao qual estavam habituados. A mais recente contratação da casa, especializada em títulos de arte, culinária e turismo, foi a de um cinegrafista, Marco Aslam. A existência na editora de um funcionário fixo responsável pela produção de vídeos, algo inimaginável anos atrás, reflete uma evolução do mercado que, com a chegada de tablets (computadores portáteis) como o iPad e o Galaxy, começa a ganhar força no Brasil.
Trata-se dos enhanced e-books (livros digitais aprimorados) ou, como preferem alguns editores por aqui, e-books 2.0, capazes de oferecer recursos interativos como áudio, vídeo, foto e animação. No limiar entre o livro e alguma coisa tecnológica demais para ser aceita como tal pelos mais tradicionais (na verdade, recebem o nome de aplicativos), essas publicações eletrônicas ganharam no segundo semestre do ano passado suas primeiras versões nacionais, por editoras como a Bei, a Saraiva e a Globo - a pioneira, com uma versão lite de A Menina do Narizinho Arrebitado, de Monteiro Lobato, disponibilizada de graça desde agosto na loja da Apple. Vários outros projetos estão em andamento em casas como a Peirópolis, que prepara quadrinhos e obras infantis, e a Ediouro, que aposta nos recursos para obras de não ficção.
Assim como aconteceu com os e-books para Kindle e outros leitores eletrônicos do gênero, as editoras que começam a entrar nesse filão o fazem mais por precaução do que qualquer outra coisa. Não se espera nenhum fenômeno de vendas, mas o que não dá é para correr o risco de ficar para trás. O discurso, com variações mínimas entre editores, é resumido por Renata Borges, diretora da Peirópolis, que desenvolve quatro projetos de livros animados ou interativos: "Estamos trabalhando com um modelo de negócios que ninguém conhece ainda muito bem. Não tem retorno garantido, até porque nem os e-books só de texto têm números representativos no Brasil, mas é melhor estar preparado para o que vier." O que pode vir desse formato será um dos temas centrais, por exemplo, da próxima Feira de Bologna (Itália), a mais importante do mundo na área de infantis e juvenis.
E não é um investimento baixo. Um dos projetos mais simples em desenvolvimento pelo Grupo Ediouro, a versão em aplicativo da biografia de Lobão, 50 Anos a Mil (que terá apenas áudio e vídeos além do texto digital), sairá por algo em torno de R$ 25 mil. Quando estiver pronto, em março ou abril, o livro para iPad custará entre R$ 25 e R$ 30, enquanto a versão impressa está sendo vendida a R$ 59,90. "A expectativa de retorno não é alta. O importante agora é oferecer um produto multiplataforma para mostrar o que a editora é capaz de fazer", diz Alexandre Mathias, diretor-executivo da área de livros do grupo.
Os trabalhos são realizados pela Singular, braço digital da Ediouro, que atualmente centra esforços no aplicativo de 1822, de Laurentino Gomes. A versão para iPad incluirá o áudio de Pedro Bial (já gravado e à venda) e também ilustrações e mapas pelos quais o leitor poderá "percorrer" o caminho feito por d. Pedro I até anunciar a Independência do Brasil às margens do Ipiranga. "No aplicativo será possível, por exemplo, clicar numa pintura e ver em que museu a tela está disponível hoje", explica Newton Neto, diretor da Singular. O modelo desse livro, cuja produção envolve o trabalho de 12 pessoas, incluindo produtor, diretor e roteirista, servirá de base para todos os próximos a serem lançados pelo grupo. A previsão é que até dezembro saiam dez títulos, com destaque para o novo de Luiz Eduardo Soares, autor do livro que inspirou o filme Tropa de Elite.
Editoras focadas em literatura adulta não têm pressa em ingressar nesse formato por uma razão simples - do que se viu até agora de lançamentos no exterior, o gênero é o que apresenta menos possibilidades de exploração multimídia. Pelas alternativa no uso de imagens em movimento, são os livros de arte, quadrinhos e infantis que lideram essa investida. A Bei, por exemplo, tem muito material arquivado de livros já publicados que poderá ser aproveitado nas edições para tablet. Entre seus próximos lançamentos para iPad estão Ricardo Legorreta - Sonhos Construídos e Oscar Niemeyer - Uma Arquitetura da Sedução, cuja produção para papel precisou deixar de lado material precioso: longas entrevistas em vídeo com os arquitetos. No entanto, a editora optou por um título inédito para entrar nesse mercado. Lançado em dezembro em papel e para iPad, Fernando de Noronha 3º50"S 32º24"W teve mil exemplares vendidos na versão impressa e 60 na loja da Apple. "O curioso é que, mesmo lançado só em português, o livro para iPad teve boa parte de suas vendas fora do País, já que é uma obra muito focada nas imagens", diz Tomas Alvim, diretor editorial da Bei. Para ampliar o público, próximos títulos sairão também em inglês.
O idioma é só um dos entraves na dimensão das vendas para tablets. Renata Borges, da Peirópolis, destaca a dificuldade de criar para os diferentes tipos de plataformas. Por critérios de padronização, um livro criado para iPad não roda num Galaxy - os dois tablets têm inclusive tamanhos diferentes. As lojas nacionais de livros eletrônicos, como a Gato Sabido e a da Livraria Saraiva, também não suportam conteúdo animado. "Comercializar aplicativos é um plano, mas não a custo prazo", informa a Saraiva aos interessados. Um problema e tanto para a Peirópolis, que, ainda neste mês, pretende lançar o aplicativo de Cresh!, de Caco Galhardo, e, em maio, Meu Tio Lobisomen, de Manu Maltez
Nesse universo ainda a explorar, editores têm mais uma razão para investir nos projetos multimídia: no meio deste ano, deve ser apresentado a versão 3.0 do ePub, o formato padrão dos e-books, o que permitirá livros multimídia até nos aparelhos que hoje só permitem a leitura de texto.
Publicado em 13.02.11
Trata-se dos enhanced e-books (livros digitais aprimorados) ou, como preferem alguns editores por aqui, e-books 2.0, capazes de oferecer recursos interativos como áudio, vídeo, foto e animação. No limiar entre o livro e alguma coisa tecnológica demais para ser aceita como tal pelos mais tradicionais (na verdade, recebem o nome de aplicativos), essas publicações eletrônicas ganharam no segundo semestre do ano passado suas primeiras versões nacionais, por editoras como a Bei, a Saraiva e a Globo - a pioneira, com uma versão lite de A Menina do Narizinho Arrebitado, de Monteiro Lobato, disponibilizada de graça desde agosto na loja da Apple. Vários outros projetos estão em andamento em casas como a Peirópolis, que prepara quadrinhos e obras infantis, e a Ediouro, que aposta nos recursos para obras de não ficção.
Assim como aconteceu com os e-books para Kindle e outros leitores eletrônicos do gênero, as editoras que começam a entrar nesse filão o fazem mais por precaução do que qualquer outra coisa. Não se espera nenhum fenômeno de vendas, mas o que não dá é para correr o risco de ficar para trás. O discurso, com variações mínimas entre editores, é resumido por Renata Borges, diretora da Peirópolis, que desenvolve quatro projetos de livros animados ou interativos: "Estamos trabalhando com um modelo de negócios que ninguém conhece ainda muito bem. Não tem retorno garantido, até porque nem os e-books só de texto têm números representativos no Brasil, mas é melhor estar preparado para o que vier." O que pode vir desse formato será um dos temas centrais, por exemplo, da próxima Feira de Bologna (Itália), a mais importante do mundo na área de infantis e juvenis.
E não é um investimento baixo. Um dos projetos mais simples em desenvolvimento pelo Grupo Ediouro, a versão em aplicativo da biografia de Lobão, 50 Anos a Mil (que terá apenas áudio e vídeos além do texto digital), sairá por algo em torno de R$ 25 mil. Quando estiver pronto, em março ou abril, o livro para iPad custará entre R$ 25 e R$ 30, enquanto a versão impressa está sendo vendida a R$ 59,90. "A expectativa de retorno não é alta. O importante agora é oferecer um produto multiplataforma para mostrar o que a editora é capaz de fazer", diz Alexandre Mathias, diretor-executivo da área de livros do grupo.
Os trabalhos são realizados pela Singular, braço digital da Ediouro, que atualmente centra esforços no aplicativo de 1822, de Laurentino Gomes. A versão para iPad incluirá o áudio de Pedro Bial (já gravado e à venda) e também ilustrações e mapas pelos quais o leitor poderá "percorrer" o caminho feito por d. Pedro I até anunciar a Independência do Brasil às margens do Ipiranga. "No aplicativo será possível, por exemplo, clicar numa pintura e ver em que museu a tela está disponível hoje", explica Newton Neto, diretor da Singular. O modelo desse livro, cuja produção envolve o trabalho de 12 pessoas, incluindo produtor, diretor e roteirista, servirá de base para todos os próximos a serem lançados pelo grupo. A previsão é que até dezembro saiam dez títulos, com destaque para o novo de Luiz Eduardo Soares, autor do livro que inspirou o filme Tropa de Elite.
Editoras focadas em literatura adulta não têm pressa em ingressar nesse formato por uma razão simples - do que se viu até agora de lançamentos no exterior, o gênero é o que apresenta menos possibilidades de exploração multimídia. Pelas alternativa no uso de imagens em movimento, são os livros de arte, quadrinhos e infantis que lideram essa investida. A Bei, por exemplo, tem muito material arquivado de livros já publicados que poderá ser aproveitado nas edições para tablet. Entre seus próximos lançamentos para iPad estão Ricardo Legorreta - Sonhos Construídos e Oscar Niemeyer - Uma Arquitetura da Sedução, cuja produção para papel precisou deixar de lado material precioso: longas entrevistas em vídeo com os arquitetos. No entanto, a editora optou por um título inédito para entrar nesse mercado. Lançado em dezembro em papel e para iPad, Fernando de Noronha 3º50"S 32º24"W teve mil exemplares vendidos na versão impressa e 60 na loja da Apple. "O curioso é que, mesmo lançado só em português, o livro para iPad teve boa parte de suas vendas fora do País, já que é uma obra muito focada nas imagens", diz Tomas Alvim, diretor editorial da Bei. Para ampliar o público, próximos títulos sairão também em inglês.
O idioma é só um dos entraves na dimensão das vendas para tablets. Renata Borges, da Peirópolis, destaca a dificuldade de criar para os diferentes tipos de plataformas. Por critérios de padronização, um livro criado para iPad não roda num Galaxy - os dois tablets têm inclusive tamanhos diferentes. As lojas nacionais de livros eletrônicos, como a Gato Sabido e a da Livraria Saraiva, também não suportam conteúdo animado. "Comercializar aplicativos é um plano, mas não a custo prazo", informa a Saraiva aos interessados. Um problema e tanto para a Peirópolis, que, ainda neste mês, pretende lançar o aplicativo de Cresh!, de Caco Galhardo, e, em maio, Meu Tio Lobisomen, de Manu Maltez
Nesse universo ainda a explorar, editores têm mais uma razão para investir nos projetos multimídia: no meio deste ano, deve ser apresentado a versão 3.0 do ePub, o formato padrão dos e-books, o que permitirá livros multimídia até nos aparelhos que hoje só permitem a leitura de texto.
Publicado em 13.02.11
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