segunda-feira, 18 de julho de 2011

QUADRINHOS RUSSOS

 
“Ei, como são os quadrinhos na Rússia?”
“Bem… eles não eram… mas estão começando a ser.”
Por  Universo Fantástico
Postado em 05.04.11
Eu sempre gostei de histórias em quadrinhos, sabe? Meu pai me deu as primeiras revistinhas antes mesmo de eu aprender a ler e elas estão entre minhas memórias mais antigas. Tipo, os quadrinhos são pra mim o que a música é na vida de muita gente.
E daí conheci essa mocinha russa, a Anna Voronkova, lá no congresso Viñetas Serias em Buenos Aires, ano passado. Fiquei impressionado com a ideia de um lugar em que as HQs simplesmente não existiam. Não havia cultura de leitura, as páginas de quadrinhos simplesmente não faziam sentido pro povo. E ela contou sobre esse lugar: a Rússia.
(Sei que falando assim parece que eu acredito que em todos os lugares do mundo existem histórias em quadrinhos e sei que isso está bem longe da verdade. Ouvir as histórias de Anna fez eu me dar conta de que algo que é tão bacana e tão cheio de significado pra mim simplesmente não faz parte da vida da maioria das pessoas. E é muito estranho se dar conta de algo assim).
A Rússia tem uma fortíssima tradição gráfica: tem excelentes cartazistas, designers e ilustradores. Muita coisa boa que serve de referência visual vem de lá. As histórias em quadrinhos até poderiam ter se tornado um gênero gráfico a ser trabalhado pelos russos, se não estivessem vinculadas com a cultura de consumo norte-americana. Os russos viam nos quadrinhos uma representação do capitalismo, pelo seu aspecto de produto da indústria cultural e pelas ideias do “american way” divulgadas pelos personagens das tiras e revistas da primeira metade do século XX.
Existiram manifestações prévias de arte sequencial no material gráfico russo, algumas surpreendentemente antigas. Lubok é o nome dado a um tipo de gravura produzida que se caracterizava pela utilização de imagens, textos e pequenas narrativas. Abaixo você pode ver um lubok chamado Os ratos enterrando o gato(The Mice are Burying the Cat), feita no século XVIII. Essa gravura era uma sátira do funeral do czar Pedro, o Grande, feita por seus oponentes políticos. Olhe e pense em uma página de quadrinhos…

Houve ao longo do século XX algumas poucas publicações na Rússia que empregavam a linguagem dos quadrinhos, no sentido de utilizar imagens em sequencias narrativas acompanhadas ou não de texto. Essas publicações tinham cunho educativo ou de propaganda política. Mas, essencialmente, não existiam os quadrinhos do modo como nós os conhecemos aqui no ocidente, com todas as suas variações de gênero (infantil, super-herói, terror, underground, etc).
Portanto, as histórias em quadrinhos simplesmente não faziam sentido pro povo Russo.
Veio a queda do comunismo e a world wide web e, de repente, o pessoal começou a ter acesso ao material de quadrinhos produzido pelo mundo.
Num primeiro momento, alguém com espírito empreendedor imaginou que lançar álbuns em quadrinhos na Rússia ia ser um excelente negócio, visto o sucesso que tinham as publicações nos países europeus como França e Inglaterra. Nosso inspirado empreendedor optou pela adaptação de clássicos da literatura para os quadrinhos e lançou uma versão de Anna Karenina de Tolstoi.
O resultado foi um fracasso absoluto.
Os russos não compreendiam a linguagem dos quadrinhos, não sabiam o sentido de leitura, não tinham a bagagem para poder fruir a publicação. Mais ainda, acharam ofensivo que um tesouro da literatura russa tivesse seu texto recortado, deturpado (a história é atualizada para os dias de hoje) e acompanhado por ilustrações completamente dispensáveis.
Entretanto, a tradição de ilustração na Russia é muito forte. Basta dar uma olhada no Deviantart pra encontrar uma série de excelentes (e jovens) ilustradores russos. Além de oferecer um canal pra mostrar sua cara para o mundo, a internet também mostrou pra esses artistas o que estava sendo feito fora de seu país. E eles inevitavelmente toparam com os quadrinhos.
Daí, alguns começaram a fazer suas próprias histórias, simplesmente pelo prazer de criar HQs. Como não existe um mercado na Rússia pra esse trabalho, o pessoal organizou festivais de quadrinhos que acontecem em Moscou e em São Petersburgo. E os aficcionados fazem suas histórias em quadrinhos e imprimem pequenas tiragens e vão para esses festivais trocar ideias e gibis com outros aficcionados. E se isso não for uma produção de quadrinho alternativo, não sei o que é…
Para saber mais, visite os sites dos festivais:
Lá você pode conferir vídeos, fotografias e amostras de páginas. E tem muita coisa boa lá. Ah, se você souber ler russo, ajuda. Eu não sei nadinha de russo, e fico imaginando a vontade desse pessoal em entender a linguagem e o funcionamento de uma coisa que eles nunca tinham visto e que simplesmente não fazia parte da vida deles antes. E ainda começar a produzir seu próprio material. Isso me faz pensar que quadrinhos realmente podem ser apaixonantes, independente da formação cultural.
Anna Voronkova conta sua experiência com os quadrinhos. Estudante de idiomas, ela queria aprender a falar finlandês e percebeu que muita gente andava com aquelas revistinhas cheias de desenhinhos embaixo do braço. Curiosa, ela quis saber mais. A moça não fazia ideia de como se lia uma página de HQ. Não sabia se ia para direita ou para baixo, não sabia a ordem de leitura dos balões dentro de um quadrinho. Mas aprendeu a ler quadrinhos e com eles aprendeu a ler finlandês. Aliás, ela diz que aprendeu finlandês lendo Maus. (Uau!)
Esse post foi escrito com base nas anotações que fiz durante a apresentação da Anna no festival Viñetas Sérias. Quero agradecer a ela pela troca de ideias e suporte.
Fecho com algumas capas e páginas do material apresentado nos festivais de Moscou e Leningrado que ela me enviou. Fonte: LIBER LAND – por Lber


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