Por Carol Almeida - Terra
Marco Terranova/Divulgação Painel na exposição Espírito Vivo de Will Eisner, em São Paulo |
O maltrapilho senta-se encostado à parede e ali na rua, bem perto dele, uma barata com as patas para cima se contorce. "Qual afinal a diferença entre você e eu?", questiona o homem ao inseto. "Ambos estamos aqui lutando para sobreviver. A única diferença é que eu pergunto: por que?"
Não é preciso ser filiado a partido, declarar voto ou segurar cartaz nas ruas para ser uma pessoa política. Basta ser uma pessoa inteligente e, acima de tudo, preocupada com o bem-estar do ser humano que atravessa a fronteira de sua própria pele. Sendo assim, considero Will Eisner (1917-2005) não apenas um gênio da raça, mas um dos quadrinistas mais políticos que já li, preocupado com esse "por que?" que nos persegue e nos faz humanos.
A cena descrita acima está é uma das várias páginas, desenhadas no pincel e bico de pena, da mostra que, depois de passar pelo RioComicon deste ano, chegou à capital paulista. Disposta no Centro Cultural São Paulo, gratuitamente, ela fica em exibição até o próximo dia 18 de dezembro. Traz o que há de melhor em Will Eisner e o melhor dele é justamente essa observação sagaz de todas as fraquezas e forças do homem comum, e sua relação em sociedade. Nas entrelinhas, ele sutilmente questionava as convenções e os vícios desse amontoado de gente que na cidade grande vive, literalmente, um em cima da cabeça do outro.
Conheci pessoalmente Eisner em maio de 2001, quando ele fez mais uma das várias visitas ao Brasil (dizia ter sido brasileiro em outra vida). Gentil e predisposto a participar das mais longas entrevistas aos 82 anos, ele se mostrava um tímido patriota, era orgulhoso da América, mas estava longe de ser um ufanista. Mesmo tendo servido ao exército americano durante a Segunda Guerra - ainda que participando com histórias em quadrinhos didáticas sobre segurança e saúde para os soldados - ele não se mostrava particularmente fã de qualquer iniciativa bélica e tinha ciência dos problemas de política externa de um país, ainda não sabíamos, estava prestes a ser atacado em atentados terroristas que mudariam toda a história. Mas ainda que fosse um homem ponderado em suas opiniões políticas, Eisner deixava claro sua preocupação com os mais fracos - afinal de contas, são nos subúrbios pobres de Nova York onde se passam 90% de suas histórias.
A exposição que pretende levar ao espectador o "universo noir" de Eisner é hábil em organizar sua obra ao lado de depoimentos pessoais do quadrinista que, entre outras coisas, deixam claro seu vigor, sua queda pelo desafio e sua humanidade. Naturalmente, o que se destaca em uma primeira mirada é a habilidade do traço do artista, as linhas de seus personagens, os títulos gráficos de The Spirit e o movimento de câmera de suas perspectivas, todos elementos estéticos que já se mostravam uma predisposição dele para quebrar padrões. Sem mencionar a "sala escura" com uma elegante iluminação para uma estátua do próprio Spirit em contraste com sua sombra projetada na noite da cidade de Nova York.
Mas é com um pouco mais de atenção ao que se passa dentro dos balões (e infelizmente nessa exposição todos eles estão em inglês, o que torna essa segunda leitura algo mais restrito) ou mesmo nas várias cenas silenciosas de seus personagens que dá para entender por que Will Eisner foi o cara. Um professor, do começo ao fim de carreira, na arte de não subestimar as angústias dos homens, mulheres e crianças que ele desenhava.
Ao ver sua exposição, fica inevitável imaginar o que aconteceria se, tal como naquele encontro que ele teve com Frank Miller em 2002 - reunião esta que deu origem a um livro com os diálogos entre esses dois mestres dos quadrinhos - que tipo de colocação Will Eisner faria às asneiras recentemente publicadas por Miller sobre o movimento OccupyWallStreet, xingando seus participantes de tudo, menos de pão doce. Longe de querer imaginar a opinião própria de alguém que não mais está entre nós, imagino ver Eisner dando um tapinha nas costas de Miller e, num balão de pensamento, chegar à conclusão de um dos personagens também dispostos nesta exposição: "Só há uma maneira de lidar com forças estúpidas"...e pela expressão do rosto que ele desenha, fica claro que maneira é essa: saindo de perto.
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