Por Diário de Pernambuco
Yuri não gosta de carnaval. No domingo antes da festa, pulou de um prédio. Morreu. Para seu azar, acordou no dia seguinte, entre marchinhas e blocos, e decidiu que, de fato, era mesmo melhor ir desta para uma melhor. Pena: Yuri é agora zumbi, e morrer ficou, digamos, impossível. Pulando de um prédio outra vez (não custa tentar, afinal), ele conhece Andrei, trambiqueiro, barbudo e gay. Será seu parceiro na árdua vida de um zumbi suicida em pleno carnaval do Rio.
Ao roteiro divertido do recém-lançado Yuri: Quarta-feira de Cinzas (Conrad) somam-se os traços precisos da HQ em preto e branco, na qual, como escreve Allan Sieber no prefácio, "não tem gordura e nem falta nada". Embora o traço denote experiência, trata-se do livro de estreia de Daniel Og, 32 anos.
Carioca criado em Jacarepaguá, Og incluiu na saga de Yuri personagens típicos do Rio, sem se render ao politicamente correto ou a modismos — apesar de os zumbis estarem, ultimamente, na moda.
"Quando comecei a escrever a história, ele não era nem zumbi, era um fantasma. Mas na época em que eu escrevia apareceu o Extermínio, de Danny Boyle, que revolucionou completamente os filmes de terror. Ele fez um filme de terror que respeita o tema, de zumbis, mas não tentou fazer um filme baseado nos clichês. Aí, eu pensei: Pô, coisa linda! E comecei a fazer o desenho de zumbi.
Og conta que se preocupou em não criar um quadrinho indie ("Essa linha é até legal, mas é uma cultura americana, de frio"). Ele até fez suas incursões pelo underground carioca, mas, diz rindo, "era um underground esquisito, porque era o underground de subúrbio".
"Comecei a perceber que eu não parecia o Robert Smith (da banda The Cure). Tentei ser gótico por um tempo (risos). Achava que estava abafando, mas tenho cara de brasileiro, e não de americano."
Yuri também está longe de ser o herói que, a princípio, o autor imaginou que seria. A ideia inicial, relembra, era de um Yuri que mostraria outro Rio, não o da superalegria tão divulgado mundo afora e que, para ele, "pinta a cidade como se a tristeza não existisse".
Não, não se trata de discurso emo. O tom lamentativo está distante do livro, recheado de humor negro — a mãe carola de Yuri vê sua volta ao mundo dos vivos como um milagre, e Andrei, o trambiqueiro, "agencia" sua carreira de santo milagreiro. "Essa cultura uniforme do oba oba tem consequências sérias. Temos que admitir que essa irresponsabilidade com o outro tem consequências. São os dois lados do caos, o do Yuri e o do Andrei. O lado bonito é quando o Andrei tenta ensinar o Yuri a querer viver, a ser feliz. E tem o lado feio, a malandragem do Andrei, que leva o dinheiro dos outros."
Assim como Yuri, Og é um tanto desencaixado da sociedade alegre. Lembra, rindo, que nunca se "deu bem" no carnaval ("Nunca peguei mulher. Pois é, dor de cotovelo") e completa: "Eu não tinha essa coisa de felicidade sempre. E sei que tem tristeza de verdade no Rio, com motivo."
No livro, a tristeza surge quando Yuri, que então soma à carreira de zumbi a de santo milagreiro, chega à favela numa procissão e, lá, os pedidos de milagres são tristes. Ainda assim, não há moralismo na HQ de Og. "Você vai sacanear alguém, mas será sacaneado. Esse é o mundo, as pessoas são diferentes."
Da Agência O Globo
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