Por Ana Cláudia Barros - Terra Magazine
Para Laura, as acusações de racismo contra Lobato são "sem sentido e totalmente absurdas".
Criadora da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), a mestre em literatura Laura Athayde Sandroni vê censura na decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) de proibir - em caráter liminar - a obra Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século na rede estadual de ensino e na recomendação do Conselho Nacional de Educação (CNE) para que o livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, não seja distribuído às escolas públicas. As alegações para a defesa dos vetos são "elevado conteúdo sexual" e "racismo", respectivamente.
Laura considera hipócrita a discussão levantada sobre o livro Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século, obra que reúne medalhões, como Machado de Assis, Clarice Lispector, Lima Barreto, Carlos Drummond de Andrade.
- As crianças, os jovens hoje em dia têm acesso a tudo. De que adianta isso (decisão da Justiça)? Ainda mais no caso do livro. É preciso aproximar as crianças e os jovens dos livros, e não afastá-los com idiotice. Muito triste. Se há algo que deveria ter um pouco mais de controle é a televisão e a internet, mas esta é impossível controlar - argumenta, frisando que a compilação de contos é mais apropriada para estudantes do Ensino Médio, capazes de compreender e de contextualizar as histórias.
O tom do discurso fica ainda mais inflamado ao comentar as acusações de racismo em Caçadas de Pedrinho. Estudiosa de Monteiro Lobato, autor do livro, Laura diz que a alegação é "sem sentido e totalmente absurda".
- Estão se esquecendo da época em que Lobato viveu. Há quase cem anos, a situação era completamente diferente. Ele ainda pegou a escravidão, era neto de visconde, vivia numa fazenda. Lobato escreveu um livro fantástico,
chamado O presidente negro, em que pega a questão da eugenia - neste ponto, o livro fala das teorias que a gente não concorda hoje, mas existiam na época e eram consideradas uma maravilha científica -, mas diz que em 2028, se não me engano, seria eleito um presidente negro nos Estados Unidos. Uma coisa profética e que demonstra que ele não tinha nada contra negro.
A ex-diretora da Fundação do Livro Infantil e Juvenil prossegue na defesa, desta vez, citando Tia Anástácia, comparada em Caçadas a um "macaco de carvão", o que serviu de munição para as acusações de que a obra apresentaria viés preconceituoso.
- Tia Anastácia é uma das personagens mais importantes de toda a obra do Lobato. Está presente em todos os livros, com papéis muito relevantes. Ela é a criadora dos dois personagens que talvez sejam os mais importantes de Lobato: o Visconde de Sabugosa e a Emília. Ambos foram feitos pelas mãos de tia Anastácia. Lobato criou um personagem que é capaz de dar vida. É inacreditável que se pense isso (racismo).
Segundo Laura, dizer que os professores não estão preparados para contextualizar a obra em sala de aula - um dos argumentos apresentados pelo autor da ação que resultou na recomendação do veto, cujo parecer do CNE não foi homologado pelo ministro da Educação, Fernando Haddad - é uma forma de depreciar os profissionais, "embora, todo mundo que discute educação saiba que a primeira coisa a ser feita é melhorar a formação dos Professores". Na opinião dela, a posição do CNE não traduz o pensamento do Ministério da Educação e Cultura (MEC).
- Acho que se for consultar a maioria das pessoas que estão no MEC, elas vão considerar isso tudo ridículo. É um grupo qualquer que se constitui numa comissão e que acha, então, que, por isso, precisa dizer algo, mas acaba falando besteira. Melhor ficar calado.
Sempre polêmico
Criador da literatura infantil no Brasil - "Antes dele, as pessoas contavam histórias parecidíssimas com os contos de fada. Faziam plágios", destaca Laura - e precursor no uso coloquial da língua nos livros voltados para crianças, Monteiro Lobato sempre foi um nome polêmico, conforme a criadora da FNLIJ.
- Ele modernizou na época a literatura infantil e era não querido por muitas escolas, que mandavam queimar os livros dele ou recomendava não comprá-los. Primeiro, porque Lobato não acreditava em Deus, era ateu, e as escolas católicas não permitiam as obras dele. Havia professores que diziam Emília (do Sítio do Pica-pau Amarelo) botava a língua, mandava Tia anastácia às favas, então, isso deseducava as crianças. Lobato sempre foi um autor altamente contestado.
Mas Laura, que durante anos atuou como crítica de literatura infanto-juvenil, lembra também que o autor era adorado pelas crianças.
- Ele recebia mais de 400 cartas por mês. Meninos e meninos perguntando onde ficava o Sítio do Pica-pau amarelo, querendo brincar com Pedrinho, Narizinho, Emília.Ele até criou um personagem, a Cléo, que era uma menina que escrevia para ele. Lobato a colocou como personagem de uma das histórias.
Para ela, Monteiro Lobado, a quem considera o maior autor brasileiro, tem lugar cativo entre o público infantil.
- As crianças de 7, 8 anos devem começar ouvindo Lobato, lido por um adulto. Até para traduzir as expressões, porque está usando palavras d
o tempo dele. Daí você percebe que essa contextualização tem que ser feita já a partir do vocabulário.
Saiba mais:
Autores da literatura infantil repudiam veto a livro de Monteiro Lobato
Fonte: Zero Hora
"Caçadas de Pedrinho" foi considerado preconceituoso
Seis escritores brasileiros dedicados à literatura infanto-juvenil manifestaram nao dia 5 de novembro, em nota, seu desagrado e desacordo ao veto do Conselho Nacional de Educação (CNE) ao livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato. A nota é assinada pelos escritores Ana Maria Machado, Ruth Rocha, Ziraldo, Lygia Bojunga, Pedro Bandeira e Bartolomeu Campos de Queirós.
A obra de Lobato foi considerada preconceituosa devido a algumas frases do livro Caçadas de Pedrinho referentes à personagem da Tia Anastácia, a empregada negra do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Em um trecho, o autor diz que Tia Anastácia "tem carne preta” e em outro afirma "que trepou que nem uma macaca de carvão pelo mastro”.
Sob o título "Lobato, Leitura e Censura", os autores lembram que as criações de Monteiro Lobato "têm formado, ao longo dos anos, gerações e gerações dos melhores escritores deste país que, a partir da leitura de suas obras, viram despertar sua vocação e sentiram-se destinados, cada um a seu modo, a repetir seu destino".
— A maravilhosa obra de Monteiro Lobato faz parte do patrimônio cultural de todos nós — crianças, adultos, alunos, professores — brasileiros de todos os credos e raças. Nenhum de nós, nem os mais vividos, têm conhecimento de que os livros de Lobato nos tenham tornado pessoas desagregadas, intolerantes ou racistas. Pelo contrário: com ele aprendemos a amar imensamente este país e a alimentar esperança em seu futuro — afirmam em nota.
Também a Academia Brasileira de Letras (ABL), da qual é membro uma das signatárias da nota, a escritora Ana Maria Machado, se posicionou contrária à tentativa de censura ao livro Caçadas de Pedrinho.
Em reunião plenária na tarde desta quinta-feira, os acadêmicos manifestaram repúdio "contra qualquer forma de veto ou censura à criação artística" e apoiaram o ministro da Educação, Fernando Haddad, que foi contrário à determinação do CNE.
De acordo com a decisão dos acadêmicos, em nota divulgada nesta sexta-feira pela assessoria de imprensa da ABL, "cabe aos professores orientar os alunos no desenvolvimento de uma leitura crítica. Um bom leitor sabe que Tia Anastácia encarna a divindade criadora dentro do Sítio do Picapau Amarelo. Se há quem se refira a ela como ex-escrava e negra, é porque essa era a cor dela e essa era a realidade dos afrodescendentes no Brasil dessa época. Não é um insulto, é a triste constatação de uma vergonhosa realidade histórica".
A obra de Lobato foi considerada preconceituosa devido a algumas frases do livro Caçadas de Pedrinho referentes à personagem da Tia Anastácia, a empregada negra do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Em um trecho, o autor diz que Tia Anastácia "tem carne preta” e em outro afirma "que trepou que nem uma macaca de carvão pelo mastro”.
Sob o título "Lobato, Leitura e Censura", os autores lembram que as criações de Monteiro Lobato "têm formado, ao longo dos anos, gerações e gerações dos melhores escritores deste país que, a partir da leitura de suas obras, viram despertar sua vocação e sentiram-se destinados, cada um a seu modo, a repetir seu destino".
— A maravilhosa obra de Monteiro Lobato faz parte do patrimônio cultural de todos nós — crianças, adultos, alunos, professores — brasileiros de todos os credos e raças. Nenhum de nós, nem os mais vividos, têm conhecimento de que os livros de Lobato nos tenham tornado pessoas desagregadas, intolerantes ou racistas. Pelo contrário: com ele aprendemos a amar imensamente este país e a alimentar esperança em seu futuro — afirmam em nota.
Também a Academia Brasileira de Letras (ABL), da qual é membro uma das signatárias da nota, a escritora Ana Maria Machado, se posicionou contrária à tentativa de censura ao livro Caçadas de Pedrinho.
Em reunião plenária na tarde desta quinta-feira, os acadêmicos manifestaram repúdio "contra qualquer forma de veto ou censura à criação artística" e apoiaram o ministro da Educação, Fernando Haddad, que foi contrário à determinação do CNE.
De acordo com a decisão dos acadêmicos, em nota divulgada nesta sexta-feira pela assessoria de imprensa da ABL, "cabe aos professores orientar os alunos no desenvolvimento de uma leitura crítica. Um bom leitor sabe que Tia Anastácia encarna a divindade criadora dentro do Sítio do Picapau Amarelo. Se há quem se refira a ela como ex-escrava e negra, é porque essa era a cor dela e essa era a realidade dos afrodescendentes no Brasil dessa época. Não é um insulto, é a triste constatação de uma vergonhosa realidade histórica".
Na nota, a ABL sugere que, em vez de proibirem as crianças de conhecer a obra, os responsáveis pela educação fariam melhor se estimulassem os alunos a uma leitura mais aprofundada.
Para os acadêmicos, é necessário aos professores e formuladores de política educacional ler a obra infantil de Lobato e se familiarizar com ela.
— Então saberiam que esses livros são motivo de orgulho para uma cultura, e que muitos poucos personagens de livros infantis pelo mundo afora são dotados da irreverência de Emília e de sua independência de pensamento — seguem os acadêmicos.
A nota conclui com a afirmação de que "a obra de Monteiro Lobato, em sua integridade, faz parte do patrimônio cultural brasileiro" e com um apelo ao ministro da Educação no sentido de "que se respeite o direito de todo o cidadão a esse legado e que vete a entrada em vigor dessa recomendação".
Para os acadêmicos, é necessário aos professores e formuladores de política educacional ler a obra infantil de Lobato e se familiarizar com ela.
— Então saberiam que esses livros são motivo de orgulho para uma cultura, e que muitos poucos personagens de livros infantis pelo mundo afora são dotados da irreverência de Emília e de sua independência de pensamento — seguem os acadêmicos.
A nota conclui com a afirmação de que "a obra de Monteiro Lobato, em sua integridade, faz parte do patrimônio cultural brasileiro" e com um apelo ao ministro da Educação no sentido de "que se respeite o direito de todo o cidadão a esse legado e que vete a entrada em vigor dessa recomendação".
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