Por Samir Naliato - UHQ
Hoje, dia 1° de abril, completam-se 50 anos do golpe de Estado das Forças Armadas do Brasil contra o governo do então presidente João Goulart, que lançou o País em uma ditadura militar que inibiu os direitos individuais da população e perdurou por 21 anos, até chegar ao final, em 1986, com o movimento Diretas Já.
Um dos períodos mais conturbados da história brasileira, o regime militar encontrou diversas formas de resistência, que eram suprimidas de maneiras cada vez mais violentas ao longo dos anos. Os quadrinhos, por meio de charges e cartuns de humor, foi uma das áreas usadas para se criticar a ditadura e apresentar materiais considerados impróprios pelo então governo, mas que nem por isso passava despercebida.
Depois do retorno da democracia e a instauração da Nova República, os anos de repressão não resultaram em grande produção de materiais na forma de quadrinhos, apesar de ser um assunto fértil, cheio de possibilidades narrativas. Chega a ser curioso notar que um tema tão importante não tenha sido explorado e relembrado como se poderia supor. Quem sabe, nos próximos anos…
Ainda assim, alguns autores exploraram o assunto na forma de arte sequencial. O Universo HQ mostra aqui dez obras que abordaram o tema.
1) O Pasquim
Fundado em 1969 – por Jaguar, Sérgio Cabral, Tarso de Castro e Ziraldo -, o semanário ficou conhecido por fazer forte oposição ao regime militar, à medida em que se tornava mais politizado, com o passar dos anos. A tiragem, de 20 mil cópias semanais, chegou a 200 mil em meados da década de 1970, sempre apresentando textos, cartuns e charges políticas.
Colaboraram jornalistas, escritores, cartunistas e artistas de outras áreas, como Millôr Fernandes, Prósperi, Claudius, Fortuna, Henfil, Paulo Francis, Ivan Lessa, Carlos Leonam, Sérgio Augusto, Ruy Castro, Fausto Wolf, Chico Buarque, Rubem Fonseca, Odete Lara, Gláuber Rocha e outros.
A redação chegou a sofrer censura prévia e vários integrantes foram presos durante a década de 1970. O Pasquim terminou em 1991, seis anos após o fim da ditadura, na edição # 1072. O periódico foi relançado em 2002 e durou até 2004.
2) HQs e cartuns de Carlos Zéfiro e Henfil
Os quadrinhos eróticos de Carlos Zéfiro (pseudônimo de Alcides Aguiar Caminha) desafiaram o regime militar. Alcides era funcionário público e escondeu sua atividade paralela até mesmo da família, preferindo o anonimato. Em 1970, aconteceu uma investigação por parte dos militares para descobrir quem publicava tais quadrinhos subversivos e Hélio Brandão, amigo do artista, chegou a ser preso. A investigação terminou inconclusiva.
A verdadeira identidade só foi revelada em 1991, um ano antes de sua morte e ele já aposentado, numa reportagem de Juca Kfouri para a revista Playboy.
Já Henfil foi um dos principais opositores do golpe de 1964. Com seus cartuns e criações, como Fradim, Graúna, Ubaldo e outros, as obras sempre tiveram forte posicionamento político e social. Na década de 1970, foi morar em Nova York para fugir da censura e da prisão e seus trabalhos também foram publicados em jornais norte-americanos. Em 1984, lançou o livro Como se faz humor político.
3) Rango, de Edgar Vasques.
Criado em 1970, Rango é um desempregado barrigudo, sem dinheiro e que vive num depósito de lixo, numa crítica às desigualdades sociais do Brasil. Os quadrinhos do Rango, um anti-herói das tiras nacionais, simbolizaram a resistência à ditadura militar e, passados mais de 30 anos, continuam modernas em sua crítica à desigualdade social
O personagem apareceu pela primeira vez na revista Grilus, do diretório acadêmico daFaculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em que Vasques estudava, na época. A partir de 1973, Rango passou a ocupar as páginas de vários periódicos brasileiros, como Pasquim e Folha da Manhã.
4) Subversivos, de André Diniz.
Ao todo, foram lançadas três edições impressas da série: Subversivos (1999), Subversivos – Companheiro Germano (2000) e Subversivos – A farsa (2001). Em cada volume, ilustrado por Laudo e Marco, uma história de dor e perda depois que pessoas decidiam lutar contra contra a imposição do governo ditatorial.
Em 2003, outros quatro episódios foram produzidos, dessa vez exclusivamente no formato digital: Eternamente Guerrilheira, A Emboscada, Ato 5 e Bigode e Costeleta.
Ato 5 chegou a ser relançada mais tarde, numa revista própria, com arte de José Aguiar. O título é uma referência ao AI-5 (Ato Institucional nº 5, de 1968), decreto que dava poderes extraordinários ao presidente da República e suspendia diversas garantias constitucionais.
A história é centrada no trio de amigos Juan, Gabriel e Lorena. Os três participam de uma companhia de teatro que enfrenta os obstáculos impostos pelas autoridades. Apesar do fantasma da ditadura, o foco está nas relações de amor e amizade entre eles.
5) Ditadura no ar, com textos de Raphael Fernandes e arte de Abel.
Criado originalmente em 2011, em formato digital, e depois publicado em versão impressa, conta a história do fotógrafo freelancer Félix Panta, que tenta a todo custo descobrir o paradeiro de sua namorada comunista Nina, presa pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social, cujo objetivo era controlar e reprimir movimentos políticos e sociais contrários ao regime no poder) durante um protesto.
6) Ovelha Negra – A revista que o Brasil não leu
Entre 1954 e 1969, circulou em Belo Horizonte a revista Ovelha Negra. Ela trazia quadrinhos e matérias humorísticas que satirizavam os mais variados temas e setores da sociedade, mas sofreu com o regime militar e a circulação ficou prejudicada até encerrar suas atividades, em 1970.
Em 2011, os autores Daniel Werneck (doutor em artes e professor da Escola de Belas Artes daUFMG) e e o ilustrador Ricardo Tokumoto (Ryot) lançaram um especial apresentando narrativa fragmentada – misturando quadrinhos, ilustrações e textos – para contar uma história complexa e interessante com seus mais de dez personagens.
7) A Dama do Martinelli, com roteiro de Marcela Godoy e desenhos de Jefferson Costa.
Os autores misturam realidade e ficção nesta história de suspense. Perseguida pela ditadura militar no Brasil da década de 1970, uma família acaba indo morar no edifício Martinelli, no centro da cidade de São Paulo. Lá, seus integrantes descobrirão que as paredes do famoso edifício paulistano escondem muito mais do que perseguidos políticos.
8) Brasil – Ditadura Miliar – Um livro para os que nasceram bem depois…
Obra independente destinada ao público jovem, contando a história de Clarice, uma menina que cresceu durante o regime militar no Brasil. A partir de sua vida, são narrados alguns momentos marcantes desse período no nosso país.
O livro é de autoria de Joana D’Arc Fernandes Ferraz – professora da UFF, membro da diretoria do Grupo Tortura Nunca Mais – e Elaine de Almeida Bortone, psicóloga e historiadora. Ambas são pesquisadoras da memória do regime militar brasileiro. Os desenhos são de Diana Helene, ilustradora, cartunista e designer gráfica.
9) 1968 – Ditadura Abaixo, com texto de Teresa Urban e arte de Guilherme Caldas.
Lançado em 2008, com o objetivo de mostrar às novas gerações detalhes sobre esse período da história do Brasil, a jornalista Teresa Urban contou com desenhos de Guilherme Caldas para transformar sua história na forma de quadrinhos e tornar mais fácil a compreensão das crianças. A ideia veio quando ela quis mostrar aos netos suas experiências no movimento estudantil como uma militante de esquerda, presa política nos anos da repressão.
10) A ditadura em quadrinhos, com argumentos de Sylvia Lucas e Colombo Ferraz e ilustrações de Caco Galhardo.
Com os 50 anos do golpe miliar, o jornal Folha de S.Paulo resolveu explicar os acontecimentos desse período de forma mais didática, como uma reportagem em quadrinhos, no cadernoFolhinha. Para ler a história, clique aqui.
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