segunda-feira, 18 de julho de 2011

COMO FOI: A RIO COMICON

A Rio Comicon recolocou a capital fluminense no mapa mundial das convenções de HQs e mostrou que a cidade precisa - e merece - continuar nele

Por Sidney Gusman e Delfin - UHQ

De 9 a 14 de novembro, aconteceu no Rio de Janeiro, na antiga Estação de Ferro Leopoldina, a primeira edição da Rio Comicon. O evento marcou a volta da capital fluminense ao circuito internacional das HQs, após quase vinte anos de ausência - a última vez foi em 1993, quando a cidade sediou a segunda Bienal de Quadrinhos.
E o retorno foi em grande estilo.
Nomes de reconhecimento mundial, como os ingleses Kevin O'Neill (A Liga Extraordinária, A era metalzóica) e Melinda Gebbie (Lost Girls, Cobweb) e o mestre italiano Milo Manara (O Clic, Bórgia), dividiram espaço com seus pares brasileiros, como Ziraldo, Mauricio de Sousa, Laerte, Angeli e Lourenço Mutarelli.
Além deles, também integraram a lista de convidados internacionais: o editor italiano Claudio Curcio (responsável pela Napoli Comicon), o jornalista inglês Paul Gravett (autor do livro Mangá - Como o Japão Reinventou os Quadrinhos, os franceses Etienne Davodeau e Patrice Killoffer, o norte-americano dos quadrinhos alternativos Jeff Newelt, além dos argentinos Lucas Nine e Patricia Breccia.
Do lado nacional, os outros convidados foram Eloar Guazzelli, Fábio Moon, Gabriel Bá, Fido Nesti, Kako, Marcelo Lélis, Orlando Pedroso, Rafael Coutinho e Rafael Grampá.


Era nítido que o povo do Rio de Janeiro estava carente de um evento de quadrinhos de grande porte.
Pena que, de cara, a exemplo do que aconteceu nos últimos Festivais Internacionais de Quadrinhos de Belo Horizonte, era nítido para os presentes que o evento foi praticamente ignorado pelas editoras.
E aí as informações ficam desencontradas. A organização do evento diz que as editoras não se interessam pelo evento; e alguns representantes das casas publicadoras do Brasil dizem que nem resposta obtiveram para os e-mails que enviaram tentando participar da Rio Comicon.
Certo, mesmo, é que, enquanto isso não se resolve, todo mundo sai perdendo: organização, editoras, autores e, especialmente, os leitores.
A ausência de Companhia das Letras, Devir e Conrad, bem como de editoras com um grande trabalho junto a públicos específicos, como Zarabatana e JBC, talvez tenha se devido à exclusividade (alguns diriam monopólio) de exposição e venda de títulos negociada com a Livraria da Travessa, que não promoveu nenhum desconto especial, nem mesmo em relação às editoras que fizeram parceria comercial com ela para a Comicon.
A Panini até estava presente, mas com um reles estande de vendas assinaturas apenas, que não tinha pessoal especializado em quadrinhos no atendimento ao público.
Somente uma editora esteve verdadeiramente representada: a parceria Leya e Barba Negra, que aproveitou o evento para divulgar previews de futuros lançamentos e também a notícia de um grande concurso de quadrinhos, com regulamento que será divulgado em breve no site da editora.
No espaço, a Barba Negra mostrou também duas novas parcerias, como o lançamento de Candyland, de Olavo Rocha e Guilherme Caldas, juntamente com a Caderno Listrado; e Drink, com Rafa Coutinho.
esse cenário de ausência das grandes, de novo, quem se deu bem e mostrou força foram os autores independentes. O estande de Fábio Moon e Gabriel Bá (que estavam lançando Atelier), Rafael Grampá (vendendo pôsteres de desenhos recentes), Danilo Beyruth e Gustavo Duarte estava invariavelmente lotado de fãs. E os das revistas Samba e Beleléu e do coletivo Quarto Mundo também fizeram bonito, vendendo muito.
Dessa forma, esses (e outros) nomes vão se consolidando como referência nos grandes eventos nacionais de quadrinhos. O que mostra que, ao menos em relação à visibilidade com o público direto de quadrinhos, ainda há chances de equilíbrio e concorrência, bem como há ambiente para que surjam novos talentos. E eles estão pintando - havia dezenas de autores iniciantes percorrendo o evento para divulgar seus trabalhos.
Nos últimos dias do evento, os expositores pouco tiveram do que se queixar. Muitos autores venderam todos os exemplares disponíveis de seus títulos na Comicon, tanto entre os independentes como aqueles que eram comercializados na livraria oficial do evento.
Aliás, a Travessa direcionou o acervo de quadrinhos de sua ampla rede de lojas no Rio de Janeiro para a Comicon, sem apostar na ampliação do estoque dos autores participantes. Isso provocou certa frustração de clientes que não encontravam algumas obras dos quadrinhistas presentes na Estação Leopoldina.

Mas vale ressaltar que, no estande, os livreiros (inclusive a gerente) conheciam quadrinhos e, por isso mesmo, havia um atendimento diferenciado.
Programação acertada
Um dos pontos altos da Rio Comicon foi a programação, que apresentou muita coisa interessante. É verdade que a série de vídeos e documentários, que incluiu o imperdível The Mindscape of Alan Moore, foi pouco assistida. Mas o público vibrou mesmo com a chance de ter um contato direto com os autores, por meio de mesas e palestras bastante concorridas e, claro, as sessões de autógrafos.
As mesas nacionais foram movimentadas e com boa interação dos presentes, no geral. Mas, nas palestras internacionais, muitas vezes a comunicação entre o autor estrangeiro, o tradutor e o público ficou truncada demais, prejudicando - isso ficou claro principalmente na participação dos quadrinhistas argentinos e com Milo Manara. Nas apresentações dos franceses, a coisa fluiu melhor.


Como no auditório cabiam pouco mais de 200 pessoas, foi interessante a organização colocar, numa sala perto das exposições, uma televisão transmitindo as conferências em tempo real.
Nas sessões de autógrafos, certamente, esteve o maior acerto da organização. Com uma escalação de autores definida diariamente, em uma das plataformas da estação, os fãs tiveram a chance de ter livros e cadernos "imortalizados" tanto por seus ídolos como por novos nomes do quadrinho nacional.
Alguns nem mesmo faziam parte da programação oficial, mas se aproveitaram do momento e da informalidade do espaço para também divulgar seus trabalhos, caso de Chiquinha! e Estevão Ribeiro, entre outros.
Poucos foram os autores "seletivos", caso do francês Killoffer, que assinou e desenhou apenas no seu álbum 676 aparições de Killoffer (lançado no sábado, pela Barba Negra), deixando alguns fãs com cadernos e álbuns de autógrafos frustrados.
Killoffer, no entanto, foi uma das gratas surpresas da Comicon. Simpático, participando de diversos eventos e festas paralelas à programação, deixou uma ótima impressão.
Já seu compatriota, François Boucq, nem sequer deu as caras no evento: ele cancelou sua vinda sem justificativas e em cima da hora.


Outras boas surpresas foram Danilo Beyruth, o campeão de vendas no estande da Travessa (seus títulos esgotaram, notadamente Bando de Dois ainda no sábado), e Gustavo Duarte, que terá que reimprimir a recém-lançada Taxi.
Problemas de infraestrutura
Apesar de ter muito mais méritos do que desacertos, alguns problemas saltaram aos olhos. A maioria deles oriunda da boa e velha falta de dinheiro. A organização, comandada por Roberto Ribeiro (da editora Casa 21, que também organiza o FIQ - Festival Internacional de Quadrinhos, em Belo Horizonte), fechou somente uma das três cotas de patrocínio originalmente previstas.


Havia, a rigor, apenas uma exposição de nível internacional: a de Milo Manara, com originais, envoltas em molduras etc. As demais apresentavam algumas artes dos convidados impressas sobre painéis bem mais simples, que podiam, inclusive, ser tocados pelo público.
E para o evento se tornar mais "pop", faltaram mostras de gêneros como super-heróis, mangá e infantil (mesmo com Mauricio de Sousa e Ziraldo participando, havia poucos atrativos para crianças).
A Estação Leopoldina, apesar de ter uma arquitetura bonita, está muito mal cuidada. A fachada está toda pichada e as plataformas mereciam ter tido um cuidado especial. Ao menos para que não tivesse a aparência de abandono (ali rolaram os autógrafos), acentuada pelo mato alto e pelos trens históricos enferrujados - um problema, diga-se, que não é da Comicon, mas sim do poder público do Rio de Janeiro.
(Um aparte para quem não conhece a geografia da região: a Estação Leopoldina, desativada há algumas décadas, fica ao lado da movimentada Avenida Brasil e é cercada por viadutos e elevados. Fica próxima à rodoviária da cidade e à Central do Brasil, numa região que a prefeitura promete revitalizar para a Copa do Mundo de 2014. Atualmente, a localidade é pouco receptiva e, apesar dos eventos culturais que ocorrem por ali, é erma para quem circula à noite - período em que os eventos principais terminavam.)
Também havia dificuldades para se alimentar. Os fãs só tinham praticamente duas opções: pizza e cachorro-quente; e nenhuma delas era exatamente "saborosa". Pra piorar, o entorno do evento não oferece alternativas.


Mas o "calcanhar de Aquiles" mesmo foi a pouca quantidade de banheiros nas áreas de maior circulação. No setor onde aconteciam os autógrafos, havia alguns sanitários químicos, bem perto de onde ficavam as filas de leitores, que só evidenciavam essa carência. Como é fácil presumir, o odor não era dos mais agradáveis.
Se os primeiros dias da Rio Comicon foram marcados pela tranquilidade, com um público pequeno, porém fiel e circulante, nos últimos, ficou claro que o evento precisaria de um espaço maior.
No sábado e no domingo, a lotação superou as expectativas. No período da tarde, a estação ficou pequena para abrigar tantos curiosos, atraídos pela boa divulgação do evento, feita em jornais, revistas e televisões e focando acertadamente o público em geral (e não apenas o fã de quadrinhos).
Houve um momento, por exemplo, era difícil ver as exposições (que estavam no centro do espaço), pois havia filas dos dois lados.
Aliás, a organização teve sorte porque o clima no Rio de Janeiro esteve sempre encoberto. Caso contrário, o divertido desfile de zumbis, com certeza, sofreria com maquiagens derretendo. Afinal, nos primeiros dois dias, o calor na parte interna era enorme, tornando o ambiente abafado e fazendo os presentes saírem, literalmente, pingando de suor. O único local climatizado era a ótima exposição de originais de Milo Manara.
Mas há também elogios para alguns aspectos de infraestrutura. A equipe que cuidou da logística das participações dos convidados (toda ela formada por mulheres) fez um belo trabalho.
O evento fora do evento
Apesar dessas dificuldades, os convidados, principalmente os estrangeiros, adoraram a Rio Comicon. Por duas razões: o carinho dos fãs brasileiros e o convívio com outros autores, que, em nosso País, é muito mais intenso e divertido. É o evento dentro do evento.


Além disso, a Comicon foi um marco de diversos encontros: de artistas com seu público, de grandes nomes com velhos e novos fãs, de pessoas do mercado que só se conheciam pela internet. Nada substitui o contato ao vivo, como bem lembrou Fábio Moon, em sua apresentação, no sábado.
E Moon tem toda a razão: voltada mais para as pessoas do que para o mercado em sua primeira edição, a Rio Comicon mostra capacidade para voltar ainda mais forte em 2011 e se firmar como um dos eventos referenciais dos quadrinhos sul-americanos.
Fechando a Comicon, uma sacada que entrou em cima da hora na programação e teve ótima receptividade: cada autor convidado falou para o público sobre três autores que o influenciaram. Foi um barato! Com os devidos ajustes (especialmente no tempo das apresentações), é uma ideia que deve se repetir nos próximos eventos do gênero, um encerramento com "chave de ouro".
Depois de seis dias de evento, o Rio Comicon teve um saldo positivo. A organização sabe disso. E sabe também que há muito a corrigir e a melhorar para as edições futuras. Afinal, o que todos querem é que o evento tenha terminado não com um "fim", mas sim com um "continua...".

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