terça-feira, 3 de abril de 2012

A aventura de ser mulher no Iêmen


Por O Globo

Intisar é uma jovem iemenita de 27 anos que encontra no volante seu espaço para liberdade. Diferente da Arábia Saudita, onde as mulheres são proibidas de dirigir sob pena de chibatatas, no Iêmen elas podem conduzir, mas a atividade não é bem vista. Surpreso com a segregação de genêro no país, o escritor espanhol Pedro Riera fez a história em quadrinho "El coche de Intisar" (O carro de Intisar, em tradução livre).
Riera se mudou para o Iêmen depois que sua mulher conseguiu um emprego na capital, Sanaa, em 2009. Lá, o espanhol, acostumado a ter muitas amigas mulheres, se viu isolado por véus e pelas duras regras sociais iemenitas. No país, mulheres são praticamente proibidas de falar com qualquer homem que não seja de sua família.
- Já tinha a ideia de escrever uma história em quadrinhos quando fui ao Iêmen, mas não tinha claro o tema que iria abordar. Quando cheguei me interessei tanto pelo mundo das mulheres que foi inevitável falar sobre ele - contou Riera, por telefone, ao GLOBO. - Em Barcelona, metade de meus amigos é composta por mulheres. E quando cheguei em Sanaa, demorei dois meses e meio para fazer minha primeira amiga.
A protagonista do livro, Intisar, não existe, ela é uma compilação de histórias de cerca de 40 mulheres ouvidas por Riera para a pesquisa do livro. O escritor conta que chegou às iemenitas através de sua mulher e, durante os meses em que viveu no país árabe, só fez quatro amigas. Duas delas só podiam lhe visitar às escondidas e, claro, sua mulher sempre esteve presente nos encontros. Nas entrevistas, elas aproveitavam para desabafar sobre a vida.

- As demandas delas são diferentes das das ocidentais, claro, mas basicamente elas querem mais independência. Liberdade para estudar, trabalhar e sair na rua. As mulheres iemenitas dependem de sua situação familiar. Aquelas que são apoiadas por suas famílias conseguem ter uma vida muito boa. Agora há outras que dependem do humor de seu pai, irmão ou marido que determinam quando podem sair ou não.
O véu como disfarce
Riera conta que as iemenitas usam os poucos instrumentos que têm para criar espaços mais livres. O véu, por exemplo, é usado por muitas mulheres como uma espécie de disfarce. No Iêmen, a maioria usa um tipo de véu que cobre todo o rosto, deixando livre apenas os olhos, o chamado niqab. O escritor espanhol conta que todas as mulheres com as quais conversou assumiram usar a vestimenta por pressão social.
- Se elas usam só o hijab (véu que cobre apenas o cabelo), são xingadas nas ruas, perseguidas - contou ele.
Em um trecho do livro, Intisar usa o véu para se esconder de um parente já que seu pai lhe proibira de dirigir. No fim das contas, por ironia, o niqab acaba sendo usado para dar mais liberdade às iemenitas. Solteira e sem filhos, a jovem dos quadrinhos é um reflexo de uma demanda que Riera encontrou em Sanaa, por um Iêmen mais democrático e livre.
Encantado com o povo árabe, Riera agora investe em mais um novo projeto sobre as mulheres iemenitas. Em junho, o espanhol volta a Sanaa para terminar um ensaio sobre a segregação de genêro no país.
- Escolhi este tema também, porque me pareceu o mais desconhecido pelo Ocidente. Temos a ideia pré-concebida que as mulheres iemenitas são submissas - explicou o escritor.
Esta não é a primeira vez que as muçulmanas viram tema de história em quadrinhos. Em 2003, a autobiografia da iraniana Marjane Satrapi, "Persépolis", virou um sucesso no mundo todo. Só na França, foram mais de 400 mil exemplares vendidos. Dividida em quatro volumes, os livros contam a história de uma mulher que se viu obrigada a usar o véu após a Revolução Islâmica e chegou até a virar filme.

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...