Esqueceram de nós!
Uma saudosa viagem relembrando histórias de sucesso que não estão
(há muito tempo) no gibi
(há muito tempo) no gibi
Paladino da justiça e andarilho dos sertões brasileiros, ele estava sempre à disposição, onde quer que o bem precisasse triunfar. Tendo ao lado o inseparável ajudante Moleque Saci, foi um herói de quadrinhos que surgiu em 1957 e fez a alegria dos fãs durante 62 edições mensais e cinco almanaques especiais, escritos por Moysés Weltman, desenhados por Edmundo Rodrigues e publicados pela RGE.
Mas o sucesso não se restringia às HQs: o País inteiro parava em frente ao rádio para ouvir a novela radiofônica - que inspirou a revista -, e até mesmo um disco com uma canção em sua homenagem foi gravado. Como se não bastasse, em 1972 a extinta TV Tupi apresentou uma versão televisiva de suas aventuras. Esse ilustre esquecido chamava-se Jerônimo, o herói do Sertão.
Jerônimo está longe de ser um caso isolado de personagens que, apesar de gozarem de estrondoso sucesso no mercado editorial brasileiro durante muito tempo, amargam hoje um desmerecido ostracismo. E isso não se restringe a criações nacionais, pois muitos ícones mundiais também estão quase apagados da memória dos fãs e, pior, são completamente desconhecidos por leitores que já atravessam várias gerações.
A história desses esquecidos pode ser contada por meio de um balanço geral dos principais títulos publicados por algumas editoras do Brasil (algumas já extintas), fartas em todos os gêneros de quadrinhos durante décadas, quando personagens famosos ou mesmo novas criações despontavam nas bancas do País, e nelas permaneciam por muito tempo, de uma forma que não dá para imaginar no cenário atual.
RGE/Globo
A RGE começou o ano de 1950 com uma avalanche de publicações. Fantasma, clássico personagem de Lee Falk, foi o primeiro. Somente nesta casa, ele teve mais de 300 edições mensais e dezenas de almanaques e superalmanaques.
Quando as portas se fecharam para o Espírito-que-Anda, no começo dos anos 90, a Editora Saber acolheu o personagem republicando tiras clássicas, com uma produção gráfica sofrível (exceção feita à minissérie da Marvel, em 1996).
Outra criação de Falk também fez bastante sucesso por mais de 40 anos, mas foi para o limbo no início da década de 1990: Mandrake. O mágico hipnotizador foi revivido em 2001, na terceira edição da revista King Komix, da Opera Graphica, sem despertar grande interesse do público.
O cultuado desenhista Alex Raymond, infelizmente, parece estar fadado, do além-túmulo, a ver suas criações perderem-se na escuridão do esquecimento. A começar pelo Agente X-9, que teve seus momentos de glória nas revistas Gibi e Almanaque do Gibi Nostalgia, na década de 1970, com arte de Al Willianson.
Na primeira versão de Gibi, datada do final dos anos 30 e início dos 40, as histórias do agente secreto eram baseadas nos casos reais vividos pelo seu escritor, o ex-detetive Dashiell Hammet. Eram obras-primas das quais hoje em dia não se fala mais.
O astuto investigador Nick Holmes, também criação de Alex Raymond, teve sua merecida fama nos anos 50. Mais tarde, na década de 1970, foi republicado na série Gibi Mensal, até nunca mais aparecer nas bancas brasileiras.
Mas, difícil mesmo de entender, é como a primeira e maior obra de Raymond, o herói cósmico Flash Gordon, pode estar tão longe da memória ou do conhecimento do público de quadrinhos. Afinal, não é todo personagem de ficção que influencia o mundo real de uma maneira tão significativa.
Nas aventuras do herói surgiram a minissaia e alguns conceitos de moda que inspiraram o famoso estilista Paco Rabanne. Até mesmo a Força Aérea americana usou os modelos de foguetes das histórias de Flash Gordon, admitindo que eles resolviam alguns problemas de aerodinâmica. Mais que isso, os cientistas da Nasa encontraram nas histórias do personagem as soluções para certos problemas de navegação.
Entretanto, o mais interessante foi a frase "A Terra é azul", dita pelo personagem em 1933, afirmação que foi comprovada e proferida, muitos anos depois, pelo cosmonauta russo Yuri A. Gagarin, primeiro homem a avistar nosso planeta do espaço, em 1961.
Flash Gordon teve belíssimas edições de luxo publicadas pela Ebal, com arte original de Raymond, e, em 1975, a RGE lançou um título mensal com aventuras mais modernas, porém sem o brilho do conceito original, que não durou muito.
O Recruta Zero, de Mort Walker, foi um dos pesos-pesados dos quadrinhos no Brasil. Circulou de 1964 a 1987 pela RGE e, mudando-se para a Globo, teve a numeração recomeçada e ganhou mais um título bimestral. No entanto, não sobreviveu à famigerada onda de cancelamentos do início dos anos 90, que eliminou das bancas muita coisa boa que hoje deixa saudades.
Mais uma vez, a Editora Saber entrou em cena para trazer de volta o personagem em edições especiais coloridas e um título mensal em preto e branco, que não chegaram a entrar no novo milênio.
Na esteira do sucesso do programa diário, o Sítio do Picapau Amarelo ganhou uma HQ em 1977. As histórias absorviam o mesmo clima da TV, seguindo a linha de temas folclóricos e regionais, mas sem deixar de entrar em assuntos mais normais, como a clássica aventura em que Tia Nastácia é convocada para a Seleção Brasileira - rumo à Copa de 1978 -, a fim de preparar quitutes para os jogadores. Isso aconteceu na edição nº 13. A revista durou até o começo dos anos 80.
Em setembro de 2003, como participação no Projeto Fome Zero, a Editora Globo lançou a edição especial Emília e a Turma do Sítio no Fome Zero. Deixou a desejar como HQ, em nada comparada à genial versão anterior, mas valeu pelo intuito altruísta.
Riquinho também foi um astro das bancas durante todo a década de 1970, ultrapassou incólume a de 1980, continuou na Editora Globo e... bem, aí vieram os anos 90. Nem mesmo o relativo sucesso do longa-metragem, protagonizado por Macaulay Culkin, em 1994, animou a volta aos quadrinhos do menino mais rico do mundo.
O mesmo aconteceu com as versões cinematográficas de Pimentinha e Mortadelo & Salaminho. Nenhuma garantiu o retorno das HQs, seja de forma inédita ou em republicações.
Pimentinha foi lançado pela Editora O Cruzeiro em 1966, seguiu para a Editora Vecchi em 1975 e, finalmente, fechou seu ciclo de vida na RGE (de 1977 a 1982). Na década de 1990, a Globo chegou a lançar um especial dele, pegando carona no filme, mas o resultado foi pífio. Um verdadeiro pestinha, o personagem era o terror da vizinhança. Muitas situações de convívio entre ele e seus pais podem ter servido de inspiração para as tiras de Calvin & Haroldo. Basta comparar.
Já Mortadelo & Salaminho (criação do espanhol Francisco Ibañez) ainda não estrearam seu filme no Brasil. Seria uma boa hora para relembrar as divertidas aventuras dos agentes da T.I.A., que circularam por aqui nos anos 70 pela RGE e, anteriormente, pela Cedibra.
Editora O Cruzeiro
Responsável por introduzir no Brasil muitos personagens famosos na época - e que assim permaneceram por anos -, a Editora O Cruzeiro os perdia em pouco tempo para as concorrentes.
Entretanto, dois deles, criados por Alfred Harvey, permaneceram por muito tempo na editora, até seguirem novos rumos: Brasinha e Gasparzinho.
Brasinha, o capetinha que todas as crianças aprendiam a gostar, estreou em janeiro de 1962 e seguiu firme e forte até 1971, quando começou a ser publicado pela Editora Vecchi, até 1981. Sucesso absoluto, sem contestações, a despeito de insinuações de satanismo e magia negra que pairavam sobre o personagem. Divertidas, engraçadas e ingênuas, nada menos que isso pode ser dito das histórias do diabinho.
Mais famoso, embora nem tão brilhante quanto seu parceiro da Harvey Comics, o fantasma Gasparzinho teve uma longa "vida" no Brasil, incluindo na conta filmes e desenhos animados. Sua HQ foi lançada em meados da década de 1960, e ficou na Editora O Cruzeiro até 1974, transferindo-se para a Vecchi no mesmo ano, e permanecendo até o fim dos anos 70.
Em 1987, na transição RGE/Globo, o fantasminha camarada voltou às bancas, até que, no começo dos anos 90 (tinha que ser!), a revista foi cancelada.
Os quadrinhos nacionais também marcaram presença na editora. A ela se deve a primeira HQ em cores totalmente criada e produzida no Brasil: Turma do Pererê, do cartunista Ziraldo, que chegou às bancas em 1960 e só foi cancelada em 1964, por causa da ditadura, que tachou Pererê, Galileu, Tininim e o resto da turma de subversivos.
Na década de 1970, a revista retornou pela Editora Abril, alcançando poucas edições. Voltou, ainda pela Abril, no ano de 1985 em dois almanaques com republicações. Atualmente, é possível encontrar a turma em duas compilações lançadas pela Editora Salamandra, vendidas apenas em livrarias.
Ebal
Uma era inesquecível para os fãs brasileiros da DC Comics faz parte da história da Ebal. Afinal, Batman, Superman & Cia. nunca sentiram o gosto do esquecimento no Brasil, e a Editora Brasil-América Ltda. foi a primeira a trazê-los para cá, ainda no final dos anos 40. Anos depois, vieram os heróis da Marvel. Mas, muitos outros personagens desfilaram pela editora, obtiveram sucesso e sumiram do mapa.
Judoka foi um deles. Mestre em judô, o herói surgiu em 1969, com desenhos de Mário Lima e Pedro Anísio e textos de Eduardo Baron. Enfrentando perigos que variavam entre gângsteres, piratas submarinos e robôs assassinos, a série permaneceu nas bancas do Brasil até o final dos anos 70, e teve uma versão para o cinema que fracassou nas bilheterias.
Tarzan, o Homem-Macaco, recebeu tratamento especial da editora desde a década de 1950, com seu auge durante os anos 70. Foram centenas de edições, entre mensais e bimestrais, além de superedições em tamanho gigante como O Lago da Vida, uma magnífica obra em 52 páginas desenhadas por José Ortiz.
Álbuns de luxo com as famosas tiras de Russ Manning foram publicados com tiragem limitada e vendidos sob encomenda, e logo depois disponibilizados em banca. A revista mensal sobreviveu até meados da década de 1980, coincidindo com o fechamento da editora.
Bloch Editores
Os Trapalhões foi uma revista que marcou época na Bloch. O título mais longevo da editora teve desdobramentos em almanaques, superalmanaques, especiais em formato magazine e um novo título, As Aventuras do Didi, que seguiu o mesmo sucesso.
Uma das mais engraçadas HQs que já circularam pelas bancas, Os Trapalhões começou de forma insossa em 1975 (como curiosidade, vale registrar que os primeiros números traziam, também, histórias do Gato Félix, outro que anda desaparecido dos quadrinhos). Com desenhos beirando o "normal", sem caricaturar personagens e ambientes, a revista só foi melhorar anos depois, com um humor mais sarcástico, abusando bem do ridículo, e desenhos cômicos por si só.
As sátiras a personalidades brasileiras e a super-heróis americanos eram muito freqüentes. A revista prosseguiu até 1988 e, pouco depois, foi retomada pela Editora Abril com um novo conceito, dirigido ao público infantil e com os personagens retratados como crianças.
Outros títulos da editora merecem destaque pela qualidade de suas histórias. Mesmo baseadas em filmes ou seriados em voga na época, revistas como O Planeta dos Macacos (1975), O Homem de Seis Milhões de Dólares (1977) e Buck Rogers (1981) se configuraram em boas HQs.
Editora Abril
Publicados pela primeira vez pela Editora O Cruzeiro, em 1956, Bolinha e Luluzinha embarcaram na Editora Abril em 1974.
Com mais de duzentas edições de cada um, acrescidas de vários almanaques solo ou em dupla, também apresentando histórias produzidas pela Abril, eles foram um sucesso editorial durante muito tempo, mas não resistiram aos anos 90. Assim, os fãs ficaram privados de ler as impagáveis investigações do Aranha (a personalidade detetive do Bolinha), as brigas com a Turma da Zona Norte, as tentativas de Luluzinha de entrar no clube dos meninos, e mais uma gama de situações engraçadas que divertiram gerações de leitores.
Um dos mais recentes ídolos dos quadrinhos nacionais, Pelezinho, criado por Mauricio de Sousa, apareceu em tiras de jornais em 1976, e no ano seguinte ganhou sua própria revista. O moleque bom de bola tinha, em seu universo, personagens baseados nos amigos de infância do rei do futebol, como a Neuzinha (primeira namorada de Pelé), o goleiro Frangão, a vendedora de quibes Samira, o cachorro Rex, a fogosa Bonga e os amigos Canabraba e Teófilo.
A revista mensal acabou no número 57, em 1982, mas até 1986 continuaram sendo publicados os almanaques (que terminaram na edição 8) e mais três edições especiais da Copa 86. Quando os Estúdios Mauricio de Sousa foram contratados pela Editora Globo, um único almanaque foi lançado em 1988 e, dois anos depois, um especial da Copa de 1990. Foi o último suspiro do personagem.
O pato Biquinho, sobrinho do atrapalhado Peninha, é considerado uma das melhores criações do estúdio de quadrinhos da Abril. Surgiu em 1981, mas sua primeira história foi publicada em 1982 na revista Tio Patinhas # 202.
Encrenqueiro, desobediente, desastrado, pestinha... Esses são os "atributos" do patinho, sempre acompanhado de sua amiga Cíntia nas traquinagens diárias. Biquinho reinou nos quadrinhos Disney nos anos 80, mas desapareceu sem deixar rastros. Até que, em setembro de 2003, ressurgiu na revista Grandes Aventuras Disney # 1, numa história originalmente publicada em Peninha # 38 (fevereiro de 1984).
Mas vários outros personagens Disney continuam sumidos. 00-Zero, Morcego Vermelho, Silva, Sir Lock Holmes, Zorrinho, Turma da Pata Lee, Pena Kid e Pena das Selvas são apenas alguns dos que fazem muita falta nas revistas atuais.
A Abril também foi a única editora de outro fenômeno dos quadrinhos: a Pantera Cor-de-Rosa. O felino esteve presente nas bancas do Brasil de 1974 a 1988, estrelando a revista mensal e vários almanaques que dividia com o Inspetor Vivaldo.
Renascendo das cinzas
Nem tudo está perdido, há de se convir. A Opera Graphica Editora vem fazendo um excelente trabalho de resgate de personagens esquecidos. Sob duras penas, é verdade; quase sempre com qualidade gráfica aquém do merecido, pode-se até dizer. Mas já é um grande avanço.
Há cerca de três anos, a editora vem tentando reerguer o Fantasma, publicando cinco títulos com periodicidade irregular, mas ainda encontra dificuldades. "Não tem sido fácil manter o Fantasma circulando. O personagem não tem mais fãs como antigamente. Mas vamos lançar uma série mensal a partir de setembro. Será colorida, no formato 15 x 24,5 cm, como as revistas da Panini e Mythos. Vão ser quatro graphic novels", diz Franco de Rosa, editor da Opera Graphica.
Lançamentos recentes como Stripmania e as coleções Opera King e King Komix, também trouxeram de volta Popeye, Sobrinhos do Capitão, Betty Boop, Hagar, Recruta Zero, Tarzan e outros. Sem dúvida, isso é mais do que poderiam esperar os fãs de alguns desses personagens que já viram melhores dias.
Ainda mais louvável é a retomada dos álbuns clássicos do Príncipe Valente, de Hal Foster, continuando a numeração e o tratamento gráfico da Ebal. É uma oportunidade única para novos leitores descobrirem uma das melhores narrativas que os quadrinhos já produziram.
A Editora Escala também tem seu mérito nessa fagulha de revival. No ano passado, republicou todas as edições de Mirza, a Mulher-Vampiro, num único almanaque.
Após mais de vinte anos de ostracismo, a vampira e seu criador, o ítalo-brasileiro Eugenio Colonnese, foram apresentados aos novos leitores numa edição muito bem cuidada, recheada de textos informativos sobre o autor e a personagem.
Mesmo com tantos nomes registrados até aqui, de forma alguma se poderia encerrar o assunto sem fazer menção honrosa a Apache Kid, Radar, Sheena, Bill Dinamite, Loura Fantasma, Pedrinho & Célia, Kid Colt, Máscara Vermelha, Spirit, Raio Negro (não confundir com o da Marvel, este é brasileiríssimo!), Bandido Corisco, Jim Gordon, Brotoeja, Bolota, Cacá, Condorito, Valentina, Falcão Negro, Zé Macaco, Faustina, Chet, Mr. Magoo, Pica-Pau, Ândi Panda, Coelho Osvaldo, Toquinho, Lasquita, Picolino, Ferdinando, Cavaleiro Negro, Zorro, Lone Ranger (batizado de forma infeliz como Zorro, no Brasil), Tonto, Rocky Lane, Panchito, Pafúncio, Dick Tracy, Brucutu, Garra Cinzenta, Jim das Selvas, Capitão Big Bom, Roni, Quaquá, Zé Cão, Urso Ulisses, Bongo, Tambor, Flor, Colimério, Janjão, Os Jetsons, Topo Gigio, Manda-Chuva, Iznogud, Alan Ford, Gringo, Brick Bradford, Cisco Kid, Recruta Biruta, Miudinho, Palhinha, Medéia, Dico, Reco-Reco, Bolão, Azeitona, Nathan Never, Sacarrolha, Gatão, Xará, Akim, João Charuto, Spectreman, Supermouse, Turma do Lambe-Lambe, Texas Kid... e muitos outros que a memória não mais permite lembrar.
Mas o sucesso não se restringia às HQs: o País inteiro parava em frente ao rádio para ouvir a novela radiofônica - que inspirou a revista -, e até mesmo um disco com uma canção em sua homenagem foi gravado. Como se não bastasse, em 1972 a extinta TV Tupi apresentou uma versão televisiva de suas aventuras. Esse ilustre esquecido chamava-se Jerônimo, o herói do Sertão.
Jerônimo está longe de ser um caso isolado de personagens que, apesar de gozarem de estrondoso sucesso no mercado editorial brasileiro durante muito tempo, amargam hoje um desmerecido ostracismo. E isso não se restringe a criações nacionais, pois muitos ícones mundiais também estão quase apagados da memória dos fãs e, pior, são completamente desconhecidos por leitores que já atravessam várias gerações.
A história desses esquecidos pode ser contada por meio de um balanço geral dos principais títulos publicados por algumas editoras do Brasil (algumas já extintas), fartas em todos os gêneros de quadrinhos durante décadas, quando personagens famosos ou mesmo novas criações despontavam nas bancas do País, e nelas permaneciam por muito tempo, de uma forma que não dá para imaginar no cenário atual.
RGE/Globo
A RGE começou o ano de 1950 com uma avalanche de publicações. Fantasma, clássico personagem de Lee Falk, foi o primeiro. Somente nesta casa, ele teve mais de 300 edições mensais e dezenas de almanaques e superalmanaques.
Quando as portas se fecharam para o Espírito-que-Anda, no começo dos anos 90, a Editora Saber acolheu o personagem republicando tiras clássicas, com uma produção gráfica sofrível (exceção feita à minissérie da Marvel, em 1996).
Outra criação de Falk também fez bastante sucesso por mais de 40 anos, mas foi para o limbo no início da década de 1990: Mandrake. O mágico hipnotizador foi revivido em 2001, na terceira edição da revista King Komix, da Opera Graphica, sem despertar grande interesse do público.
O cultuado desenhista Alex Raymond, infelizmente, parece estar fadado, do além-túmulo, a ver suas criações perderem-se na escuridão do esquecimento. A começar pelo Agente X-9, que teve seus momentos de glória nas revistas Gibi e Almanaque do Gibi Nostalgia, na década de 1970, com arte de Al Willianson.
Na primeira versão de Gibi, datada do final dos anos 30 e início dos 40, as histórias do agente secreto eram baseadas nos casos reais vividos pelo seu escritor, o ex-detetive Dashiell Hammet. Eram obras-primas das quais hoje em dia não se fala mais.
O astuto investigador Nick Holmes, também criação de Alex Raymond, teve sua merecida fama nos anos 50. Mais tarde, na década de 1970, foi republicado na série Gibi Mensal, até nunca mais aparecer nas bancas brasileiras.
Mas, difícil mesmo de entender, é como a primeira e maior obra de Raymond, o herói cósmico Flash Gordon, pode estar tão longe da memória ou do conhecimento do público de quadrinhos. Afinal, não é todo personagem de ficção que influencia o mundo real de uma maneira tão significativa.
Nas aventuras do herói surgiram a minissaia e alguns conceitos de moda que inspiraram o famoso estilista Paco Rabanne. Até mesmo a Força Aérea americana usou os modelos de foguetes das histórias de Flash Gordon, admitindo que eles resolviam alguns problemas de aerodinâmica. Mais que isso, os cientistas da Nasa encontraram nas histórias do personagem as soluções para certos problemas de navegação.
Entretanto, o mais interessante foi a frase "A Terra é azul", dita pelo personagem em 1933, afirmação que foi comprovada e proferida, muitos anos depois, pelo cosmonauta russo Yuri A. Gagarin, primeiro homem a avistar nosso planeta do espaço, em 1961.
Flash Gordon teve belíssimas edições de luxo publicadas pela Ebal, com arte original de Raymond, e, em 1975, a RGE lançou um título mensal com aventuras mais modernas, porém sem o brilho do conceito original, que não durou muito.
O Recruta Zero, de Mort Walker, foi um dos pesos-pesados dos quadrinhos no Brasil. Circulou de 1964 a 1987 pela RGE e, mudando-se para a Globo, teve a numeração recomeçada e ganhou mais um título bimestral. No entanto, não sobreviveu à famigerada onda de cancelamentos do início dos anos 90, que eliminou das bancas muita coisa boa que hoje deixa saudades.
Mais uma vez, a Editora Saber entrou em cena para trazer de volta o personagem em edições especiais coloridas e um título mensal em preto e branco, que não chegaram a entrar no novo milênio.
Na esteira do sucesso do programa diário, o Sítio do Picapau Amarelo ganhou uma HQ em 1977. As histórias absorviam o mesmo clima da TV, seguindo a linha de temas folclóricos e regionais, mas sem deixar de entrar em assuntos mais normais, como a clássica aventura em que Tia Nastácia é convocada para a Seleção Brasileira - rumo à Copa de 1978 -, a fim de preparar quitutes para os jogadores. Isso aconteceu na edição nº 13. A revista durou até o começo dos anos 80.
Em setembro de 2003, como participação no Projeto Fome Zero, a Editora Globo lançou a edição especial Emília e a Turma do Sítio no Fome Zero. Deixou a desejar como HQ, em nada comparada à genial versão anterior, mas valeu pelo intuito altruísta.
Riquinho também foi um astro das bancas durante todo a década de 1970, ultrapassou incólume a de 1980, continuou na Editora Globo e... bem, aí vieram os anos 90. Nem mesmo o relativo sucesso do longa-metragem, protagonizado por Macaulay Culkin, em 1994, animou a volta aos quadrinhos do menino mais rico do mundo.
O mesmo aconteceu com as versões cinematográficas de Pimentinha e Mortadelo & Salaminho. Nenhuma garantiu o retorno das HQs, seja de forma inédita ou em republicações.
Pimentinha foi lançado pela Editora O Cruzeiro em 1966, seguiu para a Editora Vecchi em 1975 e, finalmente, fechou seu ciclo de vida na RGE (de 1977 a 1982). Na década de 1990, a Globo chegou a lançar um especial dele, pegando carona no filme, mas o resultado foi pífio. Um verdadeiro pestinha, o personagem era o terror da vizinhança. Muitas situações de convívio entre ele e seus pais podem ter servido de inspiração para as tiras de Calvin & Haroldo. Basta comparar.
Já Mortadelo & Salaminho (criação do espanhol Francisco Ibañez) ainda não estrearam seu filme no Brasil. Seria uma boa hora para relembrar as divertidas aventuras dos agentes da T.I.A., que circularam por aqui nos anos 70 pela RGE e, anteriormente, pela Cedibra.
Editora O Cruzeiro
Responsável por introduzir no Brasil muitos personagens famosos na época - e que assim permaneceram por anos -, a Editora O Cruzeiro os perdia em pouco tempo para as concorrentes.
Entretanto, dois deles, criados por Alfred Harvey, permaneceram por muito tempo na editora, até seguirem novos rumos: Brasinha e Gasparzinho.
Brasinha, o capetinha que todas as crianças aprendiam a gostar, estreou em janeiro de 1962 e seguiu firme e forte até 1971, quando começou a ser publicado pela Editora Vecchi, até 1981. Sucesso absoluto, sem contestações, a despeito de insinuações de satanismo e magia negra que pairavam sobre o personagem. Divertidas, engraçadas e ingênuas, nada menos que isso pode ser dito das histórias do diabinho.
Mais famoso, embora nem tão brilhante quanto seu parceiro da Harvey Comics, o fantasma Gasparzinho teve uma longa "vida" no Brasil, incluindo na conta filmes e desenhos animados. Sua HQ foi lançada em meados da década de 1960, e ficou na Editora O Cruzeiro até 1974, transferindo-se para a Vecchi no mesmo ano, e permanecendo até o fim dos anos 70.
Em 1987, na transição RGE/Globo, o fantasminha camarada voltou às bancas, até que, no começo dos anos 90 (tinha que ser!), a revista foi cancelada.
Os quadrinhos nacionais também marcaram presença na editora. A ela se deve a primeira HQ em cores totalmente criada e produzida no Brasil: Turma do Pererê, do cartunista Ziraldo, que chegou às bancas em 1960 e só foi cancelada em 1964, por causa da ditadura, que tachou Pererê, Galileu, Tininim e o resto da turma de subversivos.
Na década de 1970, a revista retornou pela Editora Abril, alcançando poucas edições. Voltou, ainda pela Abril, no ano de 1985 em dois almanaques com republicações. Atualmente, é possível encontrar a turma em duas compilações lançadas pela Editora Salamandra, vendidas apenas em livrarias.
Ebal
Uma era inesquecível para os fãs brasileiros da DC Comics faz parte da história da Ebal. Afinal, Batman, Superman & Cia. nunca sentiram o gosto do esquecimento no Brasil, e a Editora Brasil-América Ltda. foi a primeira a trazê-los para cá, ainda no final dos anos 40. Anos depois, vieram os heróis da Marvel. Mas, muitos outros personagens desfilaram pela editora, obtiveram sucesso e sumiram do mapa.
Judoka foi um deles. Mestre em judô, o herói surgiu em 1969, com desenhos de Mário Lima e Pedro Anísio e textos de Eduardo Baron. Enfrentando perigos que variavam entre gângsteres, piratas submarinos e robôs assassinos, a série permaneceu nas bancas do Brasil até o final dos anos 70, e teve uma versão para o cinema que fracassou nas bilheterias.
Tarzan, o Homem-Macaco, recebeu tratamento especial da editora desde a década de 1950, com seu auge durante os anos 70. Foram centenas de edições, entre mensais e bimestrais, além de superedições em tamanho gigante como O Lago da Vida, uma magnífica obra em 52 páginas desenhadas por José Ortiz.
Álbuns de luxo com as famosas tiras de Russ Manning foram publicados com tiragem limitada e vendidos sob encomenda, e logo depois disponibilizados em banca. A revista mensal sobreviveu até meados da década de 1980, coincidindo com o fechamento da editora.
Bloch Editores
Os Trapalhões foi uma revista que marcou época na Bloch. O título mais longevo da editora teve desdobramentos em almanaques, superalmanaques, especiais em formato magazine e um novo título, As Aventuras do Didi, que seguiu o mesmo sucesso.
Uma das mais engraçadas HQs que já circularam pelas bancas, Os Trapalhões começou de forma insossa em 1975 (como curiosidade, vale registrar que os primeiros números traziam, também, histórias do Gato Félix, outro que anda desaparecido dos quadrinhos). Com desenhos beirando o "normal", sem caricaturar personagens e ambientes, a revista só foi melhorar anos depois, com um humor mais sarcástico, abusando bem do ridículo, e desenhos cômicos por si só.
As sátiras a personalidades brasileiras e a super-heróis americanos eram muito freqüentes. A revista prosseguiu até 1988 e, pouco depois, foi retomada pela Editora Abril com um novo conceito, dirigido ao público infantil e com os personagens retratados como crianças.
Outros títulos da editora merecem destaque pela qualidade de suas histórias. Mesmo baseadas em filmes ou seriados em voga na época, revistas como O Planeta dos Macacos (1975), O Homem de Seis Milhões de Dólares (1977) e Buck Rogers (1981) se configuraram em boas HQs.
Editora Abril
Publicados pela primeira vez pela Editora O Cruzeiro, em 1956, Bolinha e Luluzinha embarcaram na Editora Abril em 1974.
Com mais de duzentas edições de cada um, acrescidas de vários almanaques solo ou em dupla, também apresentando histórias produzidas pela Abril, eles foram um sucesso editorial durante muito tempo, mas não resistiram aos anos 90. Assim, os fãs ficaram privados de ler as impagáveis investigações do Aranha (a personalidade detetive do Bolinha), as brigas com a Turma da Zona Norte, as tentativas de Luluzinha de entrar no clube dos meninos, e mais uma gama de situações engraçadas que divertiram gerações de leitores.
Um dos mais recentes ídolos dos quadrinhos nacionais, Pelezinho, criado por Mauricio de Sousa, apareceu em tiras de jornais em 1976, e no ano seguinte ganhou sua própria revista. O moleque bom de bola tinha, em seu universo, personagens baseados nos amigos de infância do rei do futebol, como a Neuzinha (primeira namorada de Pelé), o goleiro Frangão, a vendedora de quibes Samira, o cachorro Rex, a fogosa Bonga e os amigos Canabraba e Teófilo.
A revista mensal acabou no número 57, em 1982, mas até 1986 continuaram sendo publicados os almanaques (que terminaram na edição 8) e mais três edições especiais da Copa 86. Quando os Estúdios Mauricio de Sousa foram contratados pela Editora Globo, um único almanaque foi lançado em 1988 e, dois anos depois, um especial da Copa de 1990. Foi o último suspiro do personagem.
O pato Biquinho, sobrinho do atrapalhado Peninha, é considerado uma das melhores criações do estúdio de quadrinhos da Abril. Surgiu em 1981, mas sua primeira história foi publicada em 1982 na revista Tio Patinhas # 202.
Encrenqueiro, desobediente, desastrado, pestinha... Esses são os "atributos" do patinho, sempre acompanhado de sua amiga Cíntia nas traquinagens diárias. Biquinho reinou nos quadrinhos Disney nos anos 80, mas desapareceu sem deixar rastros. Até que, em setembro de 2003, ressurgiu na revista Grandes Aventuras Disney # 1, numa história originalmente publicada em Peninha # 38 (fevereiro de 1984).
Mas vários outros personagens Disney continuam sumidos. 00-Zero, Morcego Vermelho, Silva, Sir Lock Holmes, Zorrinho, Turma da Pata Lee, Pena Kid e Pena das Selvas são apenas alguns dos que fazem muita falta nas revistas atuais.
A Abril também foi a única editora de outro fenômeno dos quadrinhos: a Pantera Cor-de-Rosa. O felino esteve presente nas bancas do Brasil de 1974 a 1988, estrelando a revista mensal e vários almanaques que dividia com o Inspetor Vivaldo.
Renascendo das cinzas
Nem tudo está perdido, há de se convir. A Opera Graphica Editora vem fazendo um excelente trabalho de resgate de personagens esquecidos. Sob duras penas, é verdade; quase sempre com qualidade gráfica aquém do merecido, pode-se até dizer. Mas já é um grande avanço.
Há cerca de três anos, a editora vem tentando reerguer o Fantasma, publicando cinco títulos com periodicidade irregular, mas ainda encontra dificuldades. "Não tem sido fácil manter o Fantasma circulando. O personagem não tem mais fãs como antigamente. Mas vamos lançar uma série mensal a partir de setembro. Será colorida, no formato 15 x 24,5 cm, como as revistas da Panini e Mythos. Vão ser quatro graphic novels", diz Franco de Rosa, editor da Opera Graphica.
Lançamentos recentes como Stripmania e as coleções Opera King e King Komix, também trouxeram de volta Popeye, Sobrinhos do Capitão, Betty Boop, Hagar, Recruta Zero, Tarzan e outros. Sem dúvida, isso é mais do que poderiam esperar os fãs de alguns desses personagens que já viram melhores dias.
Ainda mais louvável é a retomada dos álbuns clássicos do Príncipe Valente, de Hal Foster, continuando a numeração e o tratamento gráfico da Ebal. É uma oportunidade única para novos leitores descobrirem uma das melhores narrativas que os quadrinhos já produziram.
A Editora Escala também tem seu mérito nessa fagulha de revival. No ano passado, republicou todas as edições de Mirza, a Mulher-Vampiro, num único almanaque.
Após mais de vinte anos de ostracismo, a vampira e seu criador, o ítalo-brasileiro Eugenio Colonnese, foram apresentados aos novos leitores numa edição muito bem cuidada, recheada de textos informativos sobre o autor e a personagem.
Mesmo com tantos nomes registrados até aqui, de forma alguma se poderia encerrar o assunto sem fazer menção honrosa a Apache Kid, Radar, Sheena, Bill Dinamite, Loura Fantasma, Pedrinho & Célia, Kid Colt, Máscara Vermelha, Spirit, Raio Negro (não confundir com o da Marvel, este é brasileiríssimo!), Bandido Corisco, Jim Gordon, Brotoeja, Bolota, Cacá, Condorito, Valentina, Falcão Negro, Zé Macaco, Faustina, Chet, Mr. Magoo, Pica-Pau, Ândi Panda, Coelho Osvaldo, Toquinho, Lasquita, Picolino, Ferdinando, Cavaleiro Negro, Zorro, Lone Ranger (batizado de forma infeliz como Zorro, no Brasil), Tonto, Rocky Lane, Panchito, Pafúncio, Dick Tracy, Brucutu, Garra Cinzenta, Jim das Selvas, Capitão Big Bom, Roni, Quaquá, Zé Cão, Urso Ulisses, Bongo, Tambor, Flor, Colimério, Janjão, Os Jetsons, Topo Gigio, Manda-Chuva, Iznogud, Alan Ford, Gringo, Brick Bradford, Cisco Kid, Recruta Biruta, Miudinho, Palhinha, Medéia, Dico, Reco-Reco, Bolão, Azeitona, Nathan Never, Sacarrolha, Gatão, Xará, Akim, João Charuto, Spectreman, Supermouse, Turma do Lambe-Lambe, Texas Kid... e muitos outros que a memória não mais permite lembrar.
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