
As histórias em quadrinhos são narrativas imagético-textuais que auxiliam a desenvolver a razão sensível e a razão simbólica e, portanto, auxiliam a superação da limitação imposta pelas abordagens racionalistas. A razão sensível é fruto da experiência de nosso corpo, de nossos sentidos, de nossas diversas sensibilidades, de nossa percepção intuitiva. Falo em razão sensível porque estas percepções dos sentidos são sensações que favorecem, também elas, uma maneira de ver e dizer o mundo, ou seja, elas têm direção e sentido. A razão simbólica é fruto de nossa capacidade de verbalizar e interpretar o mundo usando palavras. Nós, humanos, precisamos da razão sensível e da razão simbólica.

2. De um ponto de vista mais genérico é preciso dizer que o trabalho com as histórias em quadrinhos favorece o desenvolvimento de uma maneira diferente de olhar e pensar a realidade.
Se o trabalho com as histórias em quadrinhos permite o desenvolvimento das capacidades sensíveis e simbólicas, então, elas ajudam também a elaborar outro jeito de olhar e pensar a realidade. Não mais apenas com a razão científica, instrumental e fria, mas também com uma razão sensível, que olha para a complexidade do mundo, da vida e do ser humano de maneira sensorial, afetiva, intuitiva e termina por perceber aspectos da realidade não detectáveis apenas pela perspectiva científica.

Claro que apenas as histórias em quadrinhos não vão resolver esta situação, mas elas podem, se bem trabalhadas, dar uma contribuição substancial para desenvolver outras formas de olhar, pensar e intervir na realidade. Óbvio que se pensa aqui num processo que deve se desenrolar ao longo de anos de formação e num diálogo permanente que envolva diferentes áreas do conhecimento, isto é, é um esforço também interdisciplinar. E não posso deixar de notar que se a interdisciplinaridade é tão falada e tão desejada por um lado, por outro ela não é tão simples de ser efetivada. Ainda precisamos, na prática, aprender muito sobre como construí-la, pois nem tudo que se apresenta como interdisciplinar de fato o é. As histórias em quadrinhos podem favorecer muitos trabalhos interdisciplinares na realidade escolar.
3. Trabalhar com histórias em quadrinhos exige uma experiência com as mesmas, familiaridade com a sua linguagem, percepção de suas possibilidades comunicativas.

Este tipo de familiaridade e de conhecimento desenvolve-se ao longo de certo tempo, freqüentando e conhecendo as diferentes características desta arte e desta linguagem. Isso não se faz de um momento para o outro, da noite para o dia. É processo. Alguns terão começado este processo em sua infância e simplesmente não pararam mais. Outros pararam e depois retomaram. Há outros ainda que, talvez, não tenham tido esta experiência em sua infância e juventude, mas podem fazê-la agora. Sempre é tempo. O importante é que se conheça aquele artefato com o qual se quer trabalhar. E só há um jeito de conhecer as histórias em quadrinhos: lendo as histórias em quadrinhos. Procurar ler diversos gêneros, autores diferentes, criações diferentes. Criadores diferentes permitem explorar universos e possibilidades variados. Isso é fundamental para ajudar a criar uma proposta pedagógica que se disponha a trabalhar com histórias em quadrinhos.
Cursos sobre aspectos técnicos das histórias em quadrinhos podem vir depois. Primeiro é mergulhar no universo da linguagem e fazer a própria experiência com elas.
4. É preciso ser criterioso na escolha de histórias em quadrinhos que serão trabalhadas em sala de aula, assim como se deve ser criterioso com a escolha de qualquer artefato cultural produzido pela complexidade humana.
Existem histórias em quadrinhos de diversos gêneros e de diversas qualidades. Como ocorre com toda e qualquer produção humana é possível encontrar obras com excelentes qualidades de roteiro e desenho, mas também se encontram trabalhos sofríveis, onde nem texto e nem desenho servem como incentivo à leitura. Claro que estas avaliações são relativas. E é exatamente por isso que um professor que vá trabalhar com histórias em quadrinhos na sala de aula precisará de critérios muito bem definidos e claros, de acordo com os objetivos educacionais que escolheu, para selecionar o material com o qual irá trabalhar. Como o objetivo em sala de aula não é apenas o entretenimento, mas uma direção educativa a cumprir, então o material terá que ser condizente com direção definida. Como existem muitas possibilidades esta tarefa de selecionar e organizar uma prática docente, a partir dos quadrinhos, pode ser uma tarefa que tome um razoável tempo de planejamento por parte do professor.


5. O educador precisará estar muito consciente da concepção pedagógica que defende, dos valores que norteiam o seu trabalho, do projeto pedagógico da escola na qual trabalha, pois a partir daí a escolha/criação com os quadrinhos poderá ser feita com maior pertinência.
A prática docente exige, sempre, que o professor tenha plena consciência do projeto pedagógico que ele mesmo defende, dos valores que quer ajudar seus alunos a desenvolver e também conhecimento do projeto pedagógico da escola na qual trabalha.
Ter consciência do próprio projeto pedagógico implica em que o professor tenha clara a concepção de ser humano que norteia a sua ação e, consequentemente, que concepções de conhecimento e de sociedade estão na base de seu fazer pedagógico em sala de aula.
Os valores que este professor defende dependem basicamente da maneira como ele compreende o ser humano e a sociedade. Suas práticas com seus alunos são expressão daquilo em que acredita.
Também a escola tem um projeto pedagógico no qual está expressa sua maneira de compreender o ser humano, o conhecimento e a sociedade, bem como os valores que quer trabalhar juntamente aos alunos que ali estudam. Ora é preciso haver um mínimo de sintonia entre o projeto pedagógico individual de um professor e o projeto pedagógico coletivo de uma escola para que o trabalho educativo transcorra de forma adequada.
Trabalhar com as histórias em quadrinhos supõe conhecer bem cada um destes elementos norteadores do trabalho pedagógico. Os temas a serem escolhidos, os personagens a serem definidos, os exercícios a serem desenvolvidos, a reflexão ser feita e as conclusões que serão construídas poderão acontecer dentro de um processo mais adequado quando o professor tem clareza de todos estes elementos citados. Ter clareza do horizonte para o qual se deseja caminhar permitirá ao professor escolher com maior pertinência com qual material de histórias em quadrinhos trabalhar. Claro que isso não garante o sucesso do trabalho, que está sempre envolto em risco, mas oferece uma boa base para que o resultado seja bom.
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