Por - IHQ
Ao longo de sua carreira o Capitão América foi visto como o sonho do americano médio dos anos 1940, espelhando a visão que o artista Norman Rockwell vendia nas capas de alguns semanários. O sonho americano envolvia a família nuclear feliz e o respeito que todos tinham pelo self made man de meia idade.
Repare na origem do personagem: Um americano médio emasculado que se torna um Charles Atlas de farda devido a uma mistura de droga e treinamento vai para a Alemanha socar o inimigo do mundo. Simples e infantil, certo?
Na verdade, numa leitura mais profunda entendemos que na verdade o personagem nada mais é do que o sonho ariano de Hitler se voltando contra ele.
O capitão e sua América se completavam, só que o mundo mudou e o personagem não sobreviveu à década seguinte. Nos anos 1960, entretanto, o personagem foi ressuscitado. No auge de Jack Kerouak e Chester Willians os criadores aproveitaram o fato de seu conceito ter expirado o prazo de validade e o mandaram em busca da sua América, algo comum naquela época de questionamentos e transições.
Nada mais justo que Steve Rogers ganhasse um Bucky negro, o que só não aconteceu porque a palavra “Bucky” é considerada uma ofensa étnica em parte dos EUA. Surgia o Falcão. De negro necessário à voz das minorias americanas o personagem cresceu tanto que durante a explosão da Blaxploitation dos anos 70 se tornou um dos protagonistas do título.
Quando o Capitão decidiu abandonar seu status pela primeira vez o Falcão chegou a ser parceiro de alguns de seus sucessores, mas com o tempo acabou voltando ao papel de coadjuvante e foi desaparecendo aos poucos até finalmente cair no limbo dos personagens sem função.
Na virada do milênio não só trouxeram o personagem de volta como fizeram vários esforços para mantê-lo relevante.
De certa forma seu retorno foi uma “exigência” do mercado.
Com a entrada de Barack Obama e de seu “Yes, we can”; a forma como os negros tem sido vistos pela mídia mudou bastante. O sonho de Martin Luther King havia se concretizado. Na verdade, ainda faltava um elemento. Um símbolo da raça ariana perdido no tempo precisava cair. E foi o que aconteceu.
A partir de novembro teremos um novo Capitão América. Cronologicamente não será o primeiro negro a vestir a farda, mas será o primeiro a assumir o título do personagem que apesar de todas as mudanças sempre contou a história de protagonistas caucasianos.
Quando Rogers envelhece mais de 60 anos após ter perdido o soro do supersoldado é hora de seu Friday Boy evoluir e erguer o escudo que representa o sonho americano e escrever um novo capítulo na história do título.
Provavelmente é uma mudança temporária, ainda assim é uma mudança interessante, afinal o novo Capitão não só erguerá o escudo como poderá voar, o que remete a outro símbolo americano.
Não dá para dizer que é uma ousadia, mas podemos dizer que até que demorou bastante até algo assim finalmente acontecer. O que hoje vemos como marketing teria sido uma ousadia interessante nos anos 1960.
*Spirituais são canções que evoluíram para se tornar o Gospel que conhecemos, mas originalmente eram dicas em forma de canção que eram dadas aos escravos que fugiam em busca de sua liberdade.
**O termo Friday Boy (ou Woman) é inspirado no Sexta-feira de Robinson Crusoé e normalmente é uma forma pejorativa de dizer “Faz tudo”.
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