História e terror nas HQs
Yuno Silva - Tribuna do Norte (18.10.11)
Quadrinho não é literatura, mas não deixa de ser leitura. Uma leitura que ultrapassa o textual, desemboca no visual e agrega outras linguagens como a pintura, a colagem, o cinema e a própria literatura. O universo das HQs é bem mais complexo e amplo do que muitos imaginam, e o público que for conferir a programação da Feira de Livros e Quadrinhos de Natal - FLiQ, em cartaz até sexta-feira (21) na praça Cívica da UFRN, poderá desvendar alguns de seus muitos aspectos. Estão agendadas a realização de oficinas, palestras, debates e lançamentos de títulos que ilustram a nova safra de quadrinhos potiguares. Todo o acesso é gratuito.
Alex Régis
Leander Moura, autor de "O evangelho segundo o sangue", com os quadrinistas Spacca e José Aguiar e a historiadora Milena Azevedo, na FLiQNo pavilhão climatizado da FLiQ, montado ao lado da estrutura que abriga a 17ª Semana de Ciência, Tecnologia e Cultura - Cientec, é possível conferir desde estandes de editoras e sebos até literatura de cordel. Além das HQs, o evento também inclui lançamento de livros e bate-papo com autores convidados como o carioca Ricardo Amaral, que traz na bagagem o livro "O rei da noite"; o gaúcho Fabrício Carpinejar; e os escritores Mário Prata e José Nêumanne Pinto, que lança "O que sei de Lula".Quem já circula pela FLiQ são os quadrinistas Spacca, de São Paulo, e o paranaense José Aguiar. O paulista ministra oficina sobre o desenvolvimento de personagens históricos, vertente que vem se destacando desde o lançamento de biografias (Santos Domunt, D. João VI e do artista francês Debret) transformadas em HQs. Já Aguiar vem a Natal apresentar "Vigor Mortis Comics", título que retoma o gênero terror e é inspirado em personagens pinçados de espetáculos encenados pela companhia teatral Vigor Mortis - ele também protagoniza a oficina "ABC da HQ" e participa de mesa redonda com Spacca sobre quadrinhos em outras mídias.
Mercado
Spacca, 47, e José Aguiar, 36, verificam que os quadrinhos estão ganhando cada vez mais espaço no mercado. Barreiras como a visão equivocada de que HQ é coisa só de criança estão caindo na medida que novos títulos apresentam sofisticação do conteúdo à encadernação. "Hoje temos setores exclusivos para quadrinhos dentro das lojas, e é possível encontrar 40 ou 50 títulos nacionais de quadrinhos nas prateleiras. As livrarias estão redescobrindo um produto que antes era ignorado, e dessa maneira os iniciados deixam de garimpar em outras seções e quem não conhecia HQ percebe que há uma ampla gama de temáticas. Isso contribui para diminuir o preconceito", afirma Aguiar.
Os dois vivem exclusivamente da arte sequencial que produzem: "Me descobri quadrinista há cerca de sete anos, quando consegui colocar como minha primeira atividade profissional. Ainda faço outras coisas como publicidade, mas hoje HQs é meu carro chefe", informa Spacca.
Início de Carreira
O exemplo dos quadrinistas convidados incentiva o potiguar Leander Moura, 27, desenhista autor de "O evangelho segundo o sangue", uma novela de terror oitocentista de 12 capítulos. Os primeiros três episódios estão disponíveis na FLiQ em versão impressa, o quarto foi publicado na internet (revistacatorze.com.br) e o quinto capítulo será lançado até o final deste mês também em formato digital.
"Essa história, que serviu como base para meu trabalho de final de curso em Artes Visuais (Dearte/UFRN) foi buscar embasamento teórico para ser concebido. Fui atrás de referências históricas, visuais e autores consagrados", explica. A HQ de Leander, que tem visual soturno, traços sofisticados e roteiro complexo de Marcos Guerra, faz parte da série de títulos lançados em 2010 através do projeto 1ª Edição.
BATE-PAPO / JOSÉ AGUIAR E SPACCA, desenhistas
A TRIBUNA DO NORTE conversou com José Aguiar, que lança na FliQ a HQ Vigor Mortis e ministra oficina do "O ABC da HQ", e com o desenhista Sparcca, que abordará o desenvolvimento de personagens históricos, sua especialidade:
TN: José Aguiar, atualmente dá para um profissional se dedicar exclusivamente aos quadrinhos?
José Aguiar: Hoje em dia o quadrinista é uma figura pública, estamos mostrando nosso trabalho em todas as mídias, e tenho viajado o Brasil inteiro graças ao quadrinhos. Só este mês estarei participando de três eventos: na FLiQ aqui em Natal, depois sigo para o Rio de Janeiro e em seguida vou ao Rio Grande do Sul. Há um interesse crescente, o mercado para o quadrinho brasileiro está ampliando e o profissional passou a ser visto com respeito, deixou de ser um artesão que executa um serviço de ilustração e passou a ser um contador de história, valorizado, reconhecido. Tenho uma agenda de dois anos de trabalho para frente: antes de "Vigor Mortis Comics", lancei uma adaptação de Dom Casmurro (Machado de Assis) e ano que vem estarei produzindo outra adaptação, para o livro "20 mil léguas submarinas" de Júlio Verne.
E há possibilidade de lançar esses títulos no exterior?
José Aguiar: Total. Além dos brasileiros que trabalham para estúdios no exterior, agora temos trabalhos sendo traduzidos para o mercado internacional. As HQs produzidas aqui refletem um interesse crescente pela cultura brasileira, que é mostrada de uma forma diferente da vista no cinema e nas novelas.
Spacca, o que o Nordeste tem de diferente das demais regiões?
Spacca: Aqui no Nordeste fico muito ligado na tradição gráfica das gravuras e dos artesãos do cordel. É um negócio muito forte, com raízes nas gravuras medievais - considero uma vertente digna de ser estudada com mais profundidade.
Seu trabalho está ligado à HQs com personagens históricos. Está trazendo algum lançamento aqui para a FLiQ?
Spacca: Não, neste momento estou entre lançamentos. Tenho quatro títulos circulando, as biografias de Santos Dumont, D. João VI e Debret mais uma adaptação de "Jubiabá" (Jorge Amado). Neste momento, trabalho na adaptação de "As barbas do imperador", estudo de Lilia Moritz Schwarcz sobre D. Pedro II e a época do seu reinado.
Sua oficina na FLiQ aborda o desenvolvimento de personagens históricos. O que não pode faltar na hora de iniciar um trabalho?
Spacca: É interessante levarmos em consideração cinco pontos básicos: primeiro, ao escolher o personagem temos que tratá-lo como um ser humano, dar vida verossímil à figura histórica. Outra dica é respeitar a realidade, o contexto histórico: em vez de só se inspirar, vale a pena pesquisar à fundo, descobrir detalhes pitorescos. O terceiro ponto é trabalhar esse material como arte. A quarta dica é o quadrinista se colocar na pele desse personagem: 'O que eu faria se estivesse naquela situação?', isso torna o personagem mais humano. E por fim, é preciso adaptar a pesquisa ao quadrinho, respeitar a personalidade e a fisionomia, retratar o figurino da época.
E onde entra o humor nessas histórias?
Spacca: O humor serve para enfatizar aspectos mais característicos do personagem, seja para provocar riso, repugnância, dor, expressar aquilo que a vida plasmou naquele personagem.
Abaixo alguns links com textos sobre a FLiQ (levantamento de Milena Azevedo)
Blog do Spacca: http://asbarbasdoilustrador.
Tribuna do Norte (pré-FLiQ): http://tribunadonorte.com.br/
Tribuna do Norte (durante a FLiQ): http://tribunadonorte.com.br/
Cobertura diária feita pelo PortalGHQ: http://ghq.com.br/s/secoes/
Vídeos da FLiQ pelo PortalGHQ:http://ghq.com.br/s/
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