Por Carol Almeida - Terra
Cartum dos anos 40 coloca os quadrinhos como ameaça: "Limpamos os filmes, mas deixamos esses parasitas existirem tempo demais" (Foto: Divulgação)
Guy Fawkes toma o lugar de Barack Obama na "esperança" de uma nova América (Foto: Divulgação)
Cartum dos anos 40 coloca os quadrinhos como ameaça: "Limpamos os filmes, mas deixamos esses parasitas existirem tempo demais" (Foto: Divulgação)
Essa história deveria começar falando do movimento #Occupy e de como ele se apropria, muito devidamente, dos elementos dos quadrinhos para se fazer entender pela massa. No embalo, colocaria alguma citação inteligente de alguém com propriedade para falar de Frank Miller e daqueles impropérios escritos por ele contra o mesmo movimento #Occupy.
Terminei entendendo que, no fundo, o que queria era um texto que tentasse explicar porque, com muita frequência, vemos a estética dos quadrinhos mediar nosso pensamento político (ou panfletagem política). Mas antes de chegarmos lá, uma explicação que vai tomar dois parágrafos do seu tempo.
Partindo de uma pergunta. Sabe por que histórias em quadrinhos são o máximo? (e pelo tom da questão se pressupõe que há uma afirmação inflexível aí). Porque de todos os meios narrativos que existem - romance, cinema, música, telenovela, seriado - são as histórias em quadrinhos que mais nos abrem lacunas para que nós próprios criemos outras histórias dentro daquela que está diante de nós. Os quadrinhos são o que há de mais próximo àquela palavra que não há muito tempo o povo enchia a boca para falar: interatividade.
E existem duas razões anatômicas para isso: como se sabe, HQs são quadros de imagens em sequência que, ao contrário do que acontece no cinema por exemplo, que cola esses quadros formando imagens contínuas e sem bordas, nos quadrinhos existe a presença desse espaço vazio entre uma moldura e outra. As brechas entre quadros são a nossa própria construção de tempo/espaço, pois somos nós quem deduzimos e criamos as cenas nesses intervalos. Em segundo lugar, o desenho, enquanto representação do real, seja em imagens neoclássicas ou cartunizadas, nos força a fazer esse trajeto entre o que vemos e o que imaginamos. É um exercício aparentemente trivial, mas que exige da nossa capacidade de leitura.
Tudo esclarecido, fica fácil entender por que as HQs e particularmente a apropriação de sua estética estão em todo lugar onde há provocações políticas. As imagens criadas pelo movimento #Occupy, por exemplo, são sintomáticas dessas lacunas que temos entre as notícias oficiais e as notícias das ruas. Há um mundo de significados que podemos criar nesse espaço. E todas elas dizem muito também a respeito daquele caminho entre o que vemos e o que imaginamos.
Guy Fawkes toma o lugar de Barack Obama na "esperança" de uma nova América (Foto: Divulgação)
Mais do que explicar porque a imagem de Guy Fawkes, criação do quadrinista Alan Moore, faz tanto sucesso nesses últimos dias, ou porque a arte de outros quadrinistas famosos como Spiegelman ou Charles Burns, para mencionar aqueles que o Guardian também associou à estética do #Occupy, também estão decalcadas em alguns cartazes do movimento, é interessante observar como as histórias em quadrinhos, aquelas que nos anos 40 e 50 foram consideradas a perversão moral da juventude americana, sempre caem como uma luva em qualquer discurso político. Afinal de contas, está na natureza das HQs a pressuposição que para ler, precisamos preencher lacunas. E poucas coisas são tão políticas quanto essa arte de deixar espaços em branco.
Frank Miller, aquele senhor que está lançando agora Holy Terror, quadrinhos que colocam o Islã dividindo lençol com o demônio, sabe disso. Como diria Lenine: "que dá medo do medo que dá".
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