ADAPTAÇÕES DE OBRAS DE LITERATURA PARA OS QUADRINHOS, UM DOS NICHOS QUE MAIS CRESCE NO MERCADO DOS GIBIS
Relegados a um papel secundário como forma de leitura durante muito tempo, os Quadrinhos vêm alcançando um status diferenciado. Nos últimos anos, os Quadrinhos têm conquistado espaços reservados em grandes livrarias, maior divulgação na mídia e mais estudos acadêmicos a respeito. Enfim, deixaram de ficar nos cestos das livrarias para repartir espaço em prateleiras juntamente com obras tradicionais.
Uma parte das histórias em quadrinhos, porém, tem ganhado especial destaque ultimamente, principalmente a partir de 2006: as adaptações literárias. Fazendo releituras de clássicos de escritores brasileiros, como Machado de Assis, ou estrangeiros, como Eça de Queiroz ou Franz Kafka. Apesar do maior número de obras sendo feitas recentemente, as adaptações não são uma coisa nova no Brasil.
“A extinta Editora Brasil- América, já nas décadas de 1940 e 1950 trazia adaptações de clássicos da literatura universal e brasileira com grande aceitação de público”, afirma Elydio dos Santos Neto, diretor da Faculdade de Educação e Letras (FACEL) da Universidade Metodista de São Paulo. Ele foi um dos coordenadores do 2º Seminário de Pesquisa de Histórias em Quadrinhos, ocorrido em novembro na Metodista, e integra um grupo de estudo sobre o tema na ECA-USP.
O boom das adaptações aconteceu em 2006, quando o programa Biblioteca na Escola, que visa incentivar o hábito da leitura em estudantes de escolas públicas do ensino fundamental e médio, do Governo Federal, incluiu histórias em quadrinhos de cunho educativo no acervo que distribui a estabelecimentos de ensino de todo o País.
Com essa mudança de política, as editoras ganharam um novo e poderoso cliente: o Governo Federal. Pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE) serão distribuídos livros para cerca de 230 mil escolas no Brasil ao custo de mais de 54 milhões de reais.
“O crescimento na publicação de adaptações tem se dado por um fator combinado. Não foi o PNBE que determinou isso, mas tem sido um catalisador positivo”, afirma Alexandre Linares, da Boi Tempo Editorial, que foi um dos responsáveis pela transposição do livro “A Relíquia”, de Eça de Queiroz, para os Quadrinhos.
Para ele, as adaptações ganharam força antes do PNBE, pois as adaptações seriam formas de ajudar os quadrinhistas brasileiros a melhorar os roteiros e, assim, ganhar prática e experiência na roteirização de histórias.
“É óbvio que existem editoras oportunistas, que têm feito adaptações com pouco cuidado, às pressas e com o claro intuito de vender para o Governo. Por outro lado, tem permitido quadrinhistas a viverem de Quadrinhos”, completa.
Adaptação
Segundo alguns especialistas, como Lielson Zeni, mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná, com o estudo “A Metamorfose da Linguagem: Análise de Kafka em Quadrinhos”, não há uma fórmula que garanta a qualidade de uma adaptação.
“Antes de tudo, é preciso saber o que se pretende. Se pretende que a sua adaptação seja um auxiliar ao texto original, então o que vai exigir é que ela seja o mais fiel possível. Se seu objetivo é fazer uma releitura, a exigência será de que o autor utilize os recursos da nova linguagem tão bem quanto o autor do texto original”, defende Zeni.
"É preciso uma preocupação muito grande com a qualidade, que a adaptação seja muito boa no seu novo meio, independente do original. Tanto que existem adaptações em diversos meios que ficam muito parecidas com os originais, mas tornam-se muito chatas”, completa.
Além da questão da mudança de meio e de linguagem, há também a técnica. Para o quadrinhista Fábio Moon, que, junto ao irmão Gabriel Ba, transpôs o conto “O Alienista”, de Machado de Assis, uma das maiores preocupações na adaptação é o espaço que a revista tem para contar a história.
“Quando se está escrevendo, o mundo que você cria está nas palavras e na imaginação do leitor, enquanto nos quadrinhos você tem que mostrar tudo aquilo. Se você tiver um número de páginas limitado, você terá que escolher melhor as imagens para caber tudo isso dentro da história”, explica Fábio, que também cita vantagens.
“Você pode trabalhar a imagem para traçar melhor o clima da história. Outra coisa melhor é trabalhar melhor o silêncio; na parte escrita, quando um personagem faz silêncio, é preciso descrever isso. É quase como se estivesse acontecendo alguma coisa. Já nos quadrinhos, esses momentos silenciosos e de troca de olhares funcionam melhor.”
Para o professor Elydio dos Santos Neto, o leitor precisa ter consciência que a história nunca será contada de forma igual: “A adaptação é, já em si, uma leitura do artista que a adaptou para os quadrinhos. Isto não é, em princípio, bom ou ruim. É importante que quem esteja lendo uma adaptação saiba que não está lendo a própria obra literária, mesmo quando a adaptação mantém-se fiel ao texto literário.”
Quadrinhos e o Ensino
Mas, se as adaptações são, em geral, fiéis à história contadas, seria possível utilizálas em escolas como os livros atualmente? Para o professor Elydio, a proposta é positiva e seria útil nos estabelecimentos de ensino fundamental, médio e até em universidades, pois sua leitura também pode levar à reflexão e ao autoconhecimento.
“A leitura dos quadrinhos favorece um desenvolvimento mais harmonioso entre as tarefas de analisar racionalmente e o trabalho de ler o mundo com sensibilidade. Quero lembrar também que o próprio Ministério da Educação sugere a utilização das histórias em quadrinhos no trabalho escolar”, diz o diretor, mas Elydio também faz ressalvas.
“O que penso, no entanto, é que muitas vezes há uma ‘pedagogização’ das histórias em quadrinhos, o que promove uma utilização empobrecida das mesmas, uma vez que se deixa de explorar todo o potencial artístico e comunicacional que esta linguagem tem e que merece ser explorada por si mesma.”
Lielson Zeni, especialista em estudos literários, acha a idéia positiva. “Eu defendo um trabalho conjunto em sala de aula. Por exemplo, um professor sugere a leitura de um livro de Machado de Assis, comenta com a sala e depois mostra como aquilo foi retratado nos quadrinhos, fazendo um estudo comparativo. Acho que isso é muito produtivo.”
“Lembro que, no meu segundo grau, eu gostava mais das aulas em que meu professor levava um filme. E daí comentava o filme, puxava alguns conceitos e, de repente, ligava com um livro. Formas diferentes para contar uma história vai te ajudar dominar mais recursos porque cada linguagem exige coisas diferentes”, completa.
“Acho que eles são mais fáceis de ler do que um livro. Imagem junto com texto possui uma dinâmica de leitura mais interessante para as crianças e para os jovens”, fala Fábio Moon, para quem, no caso de “O Alienista”, tanto faz a ordem em que o clássico for lido: “você pode ler o livro e depois os quadrinhos e vice-versa, acho que os dois são bacanas o suficiente para entreter o leitor.”
“A Sedução dos Inocentes”
Apesar de todos os esforços para propagar o lado pedagógico, intelectual e artístico dos quadrinhos por parte de vários estudiosos, talvez poucos (ou nenhum) tenham mexido no mundo das HQs quanto o livro “A Sedução dos Inocentes”. Escrito pelo psicólogo Frederic Wertham em 1954, o livro foi lançado nos Estados Unidos e levantou a hipótese de que os Quadrinhos da época influenciavam os jovens a cometerem atitudes delinqüentes e imorais. Foi nesse livro que Wertham sugeriu que Batman e Robin constituíam um casal homossexual e que a Mulher-Maravilha era lésbica. Essas suspeitas foram levadas tão a sério que vários pais fizeram fogueiras com gibis e até um grupo chamado Comics chamado Comics Code foi criado para definir parâmetros “éticos” para os Quadrinhos (na prática, uma censura).
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