Por quase quatro décadas os quadrinhos de terror tiveram lugar de destaque nas bancas brasileiras, vivendo o seu apogeu nos anos 60/70 até desaparecerem quase por completo nos anos 80. O gênero horror aportou no mercado editorial brasileiro em meados dos anos 50 com a revista O Terror Negro (julho de 1950), que inicialmente trouxe as aventuras do herói Terror Negro (Nedor).
A partir do nº 09 passou de fato a publicar histórias de zumbis, monstros, vampiros e outros seres do além, sempre em histórias curtas, que em poucas páginas procuravam levar o medo e a apreensão ao leitor. Com o sucesso dessas revistas e a grande quantidade de títulos nacionais de diversas editoras, o fornecimento de material estrangeiro a ser publicado não foi suficiente para suprir a demanda de publicações nacionais, ainda agravada pela queda do gênero nos EUA. Com isso, muitas revistas passaram a publicar parte de suas histórias feitas por artistas nacionais e outras apostaram em publicações 100% nacionais.
Esse mercado seguia um modelo padrão de narrativa criada com sucesso pela E.C. Comics; histórias curtas, com bastante violência e desfecho com impactos como”.. e quando olhou para o seu filho, reconheceu em seus olhos o mesmo olhar de seu antigo sócio, assassinado por ele há mais de vinte anos..”. Esse modelo foi quebrado em 1964 pela Warren Publishing Company que, em plena época de censura aos quadrinhos norte-americanos, conseguiu inserir novamente os quadrinhos de terror no mercado editorial valendo-se de uma brecha nas nefastas regras do Comic Code.
A adoção do formato magazine (20.5 x 27.5cm) isentava a editora da obrigatoriedade do selo de aprovação do Comic Code, que visava às revistas em formato americano (17 x 26 cm), pois as em formato magazine eram em geral revistas adultas e não consumidas pelos inocentes leitores.
Composta por um excelente time de desenhistas e roteiristas, a Warren Publishing Company apresentou aos leitores uma nova forma de narrativa nas histórias de terror explorando o terror psicológico e nauseante onde a violência chocava o leitor sem provocar repulsa.
Apesar de adotar o formato de histórias curtas, muitas delas tinham continuação na edição seguinte formando arcos e até mesmo séries com determinados personagens. Inicialmente a Warren começou com os títulos Creepy e Eerie, logo depois vieram Vampirella e posteriormente 1984. Outro diferencial era a inclusão de histórias de suspense e ficção científica sempre com roteiros fortes e inesperados.
O material da Warren permaneceu inédito no Brasil até 1976 onde, até então, predominava a produção nacional e material oriundo de editoras como E.C. Comics, Charlton Comics e mesmo da Marvel Comics (Tales to Astonish, Journey Into Mistery). Quando em Setembro de 1976 a RGE – Rio Gráfica Editora (atual Editora Globo) levou às bancas a primeira edição de Kripta. Idealizada pelo editor Luis Felipe Aguiar, Kripta é até hoje considerada a melhor revista do gênero publicada no Brasil.
Com 68 páginas, capa colorida e miolo em p/b, a RGE investiu também em uma campanha publicitária incluindo rádio e TV, que eternizou a frase “Com Kripta, qualquer dia é sexta-feira, qualquer hora é meia-noite”. Inicialmente Kripta trazia histórias publicadas na Eerie e logo mesclou o seu conteúdo com material da Creepy.
Foram 60 edições publicadas entre setembro/1976 a junho/1981. Os desenhistas nacionais Walmir Amaral e José Evaldo ficaram com a incumbência de fazer as releituras das capas originais, todas pintadas, até a edição de nº 35, mas a partir da edição 36 foram utilizadas somente as capas originais.
Kripta sempre manteve o mesmo número de páginas, mas mudou o formato por duas vezes. Até a edição 26 adotou um formato intermediário entre o magazine e o formato americano (17 x 24 cm); entre os números 27 e 50 o formatinho (13,5 x 20,5 cm) e em seguida passou para o mini-formatinho (13,5 x 19 cm) até o seu encerramento.
Enquanto roteiristas como Doug Moench, Archie Goodwin, Al Milgrom, Don McGregor, Roger McKenzie, Bruce Jones, Roger Stern, Nicola Cuti, Bill Dubay, Budd Lewis, Steve Skeates, Dave Sims davam vazão aos seus sonhos e pesadelos, desenhistas como Rich Corben – que recentemente abandonara o pseudônimo de Caza – Berni Wrightson, José Ortiz, Howard Chaykin, Frank Miller, Neal Adams, Esteban Maroto, Walter Simonson, Steve Bissette, George Pérez, Martin Salvador, Val Mayerik, Alex Niño, Alfredo Alcala, Leopold Sanchez, Paul Neary, Tom Sutton, Paul Gulacy, Jim Starlin, Gonzalo Mayo, Luis Bermejo, Ramon Torrents, Vicente Alcazar, Wallace Wood, Al Williamson, Alex Toth, Jim Steranko, John Severin, Mike Plogg, Angelo Torres, Leo Durañona, Carmine Infantino, Steve Ditko, Jaime Brocal ilustravam com maestria os roteiros recebidos.
As séries mais marcantes publicadas no Brasil foram Os viajantes do horizonte, Gaffer, Hard John’s Nuclear, A Noite dos Dementes, Dr. Archeus, O invasor, Apocalipse, A Múmia, O veleiro esmeralda e a trilogia (“Os demônios de Jebediah Pan”, “Os demônios de Jebediah Cold” e “Os demônios de Nob Hill”). Alguns personagens ganharam o gosto dos leitores como Darklon o místico, Spectro, Hunter, Dax o guerreiro, Coffin e o inesquecível Pi (“Papai e o Pi” e “O Pi e eu”).
A ambientação das histórias era bem variada e não se limitava a um local ou época, explorando o medo pelo desconhecido através de histórias protagonizadas também por criaturas não-humanas. Os clássicos da literatura de horror tiveram o seu lugar garantido como os contos de Edgar Alan Poe (“A Máscara da Morte Rubra”, “Os Crimes da Rua Morgue”, “O Retrato Oval” e “O Barril de Amontilado”) , H.P. Lovecraft (“Ar Frio”) e Nathaniel Hawthotne (“O vale das três colinas”) que foram adaptados de forma única e marcante.
Kripta nº26 estreou a seção Cine Kripta com matérias sobre os filmes de terror e ficção em exibição nos cinemas, mas teve vida curta sendo encerrada no nº 32. Em uma época em que não existia a internet ou e-mail, a comunicação entre os leitores era feita através da seção de cartas que ocupava as primeiras páginas da revista. A seção de cartas não se resumia a elogios dos leitores, mas era palco de acaloradas discussões entre defensores e detratores da revista, como o “caso Wellington” com um debate se arrastou por meses. E pela seção de cartas tivemos conhecimento de que a redação chegou a cogitar a inclusão de material nacional nas páginas de Kripta. Entretanto o que aconteceu foi a inserção de algumas páginas com cartuns de humor negro nos superalmanaques feitos por Nilson, Nani, Fernando, Guidacci e Cláudio Paiva.
Dos três almanaques publicados, um deles saiu em formato “grande” com uma história publicada em cores – a única em toda a série – e dois em formatinho, com o terceiro intitulado “Almanaque de Kripta erótica”. Já os dois superalmanaques publicados, foram “Humor negro” e “Terror da Infância”, com 132 páginas cada.
Em 1979 os leitores foram brindados com uma edição especial com 164 páginas, em formatinho, que não passou da primeira edição e que, no ano seguinte, mudou para “Kripta apresenta:”, em formato magazine e periodicidade anual; “Kripta apresenta: Vampirella”, uma coletânea das melhores aventuras da heroína publicadas pela Warren; “Kripta apresenta: Edgar Alan Poe” que reeditava todos os contos de Poe adaptados pela Warren publicados nas páginas de Kripta.
Houve também um almanaque com a reedição das melhores histórias publicadas em Kripta que trouxe uma história inédita “Terceira pessoa do singular” – escrita por Bruce Jones e desenhada por Luis Bermejo.
A RGE editou também a revista Shock, apelidada de revista-irmã, pois o seu conteúdo também provinha das edições americanas de Creepy e Eerie, mas foi cancelada no quinto número.
Kripta marcou época pela qualidade das histórias, além de influenciar o mercado editorial brasileiro e alavancar uma nova leva de títulos de horror. Com destaques para Spektro, Pesadelo e Histórias do Além (Vecchi), o selo Capitão Mistério (Bloch Editores) com 10 títulos de horror da Marvel Comics, Calafrio, Mestres do Terror (D-Art) e edições especiais como O grande livro do terror (Editora Argos).
Em junho de 1981 chega às bancas o último número de Kripta, trazendo como brinde o nº 0 da revista 3ª Geração anunciada como a nova “mutação” de Kripta, com o material licenciado pela Marvel Comics, além de entrevistas e seções sobre cinema e literatura fantástica. Apesar de ter retomado o formato antigo, a nova revista não emplacou e foi cancelada na 5ª edição.
A RGE ainda utilizou do nome Kripta para tentar emplacar três novas revistas sob o selo “Kripta apresenta”: Dr. Corvus, Fetiche e Pânico, todas em formatinho de péssimo tratamento gráfico, além do fraco material selecionado.
Em meados de 2002/2003 a editora Pandora Books cogitou a publicação do material da Warren Publishing Company em uma nova revista no estilo da Kripta. Entretanto na época a questão dos direitos autorais sobre o material autoral publicado pela Warren ainda estava pendente, o que acabou por impedir qualquer negociação pretendida pela Pandora.
Em 2003 um grupo de desenhistas e roteiristas novatos, fãs da Kripta, colocaram no ar o site http://www.ucmcomics.com.br que ao longo de três anos disponibilizaram online sua própria revista de terror nacional, e homenageavam a Kripta tanto no nome quanto no projeto gráfico. O site da ucm atualmente encontra-se desativado, mas pode ser acessado através do site http://web.archive.org.
O material da Warren retorna às bancas e às comic shops brasileiras este ano através da Devir, que está republicando a revista Creepy a partir do primeiro número em encadernados contendo cinco edições cada.
Com essa nova edição novamente qualquer dia será sexta-feira e qualquer hora será meia-noite…
Consulta bibliográfica:
http://www.nostalgiadoterror.com/reportagens_1/kripta.htmhttp://www.universohq.com/quadrinhos/2006/n18092006_06.cfm
http://hqmaniacs.uol.com.br/principal.asp?acao=materias&cod_materia=275
http://www.gibihouse.xpg.com.br/rge/warren/warren_rge.html
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