segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Judas Dançarino? Uma breve análise sobre Dylan




Comecei a ler gibi lendo Disney e Turma da Mônica. Li muito Palhaço Alegria, Turma do Gordo, Lulu e Bolinha, Aventuras dos Trapalhões e tantos outros.

Nesse meio tempo, enquanto ainda lia os quadrinhos infantis comecei a gostar dos comics. Certo dia, fui a uma das duas bancas de revista da minha cidade comprar minhas revistas e vi um exemplar de Crise nas Infinitas Terras em três edições. Não lia aquele tipo de gibi, mas me chamou a atenção. Levei pra casa. E aquele monte de personagens desenhados em todos os cantos das páginas, aquela história complexa principalmente se comparada ao que costumava ler, me fascinou. E sonhei ser George Pérez... E segui durante os anos lendo mais comics que qualquer outro tipo de gibi. Lia algum cartum de vez em quando, passava por um ou outro mangá, algum quadrinho brasileiro, algum erótico... mas essencialmente leitor de comics. Há alguns anos resolvi tentar conhecer alguns outros quadrinhos de que ouvia falar bem e dos quais havia lido muito pouco... E fui atrás desses quadrinhos. Nessa aventura de conhecer estilos diferentes me vi rodeado das infinitas possibilidades que a arte seqüencial possui. E eis que resolvi dar uma oportunidade ao fumetti. Quando criança, jamais os leria, pois, acostumado a ler DC, Marvel, Disney e Turma da Mônica, me recusaria a comprar algo preto e branco. Mas cresci e comecei a perceber que o desenho em preto e branco é tão belo quanto o colorido.

Tinha lido algum ou outro Tex e Zagor e não gostava muito das histórias... Mas procurei outros e me deparei com Dylan Dog e confesso que me apaixonei pelo personagem e por suas histórias. E isso me intrigou... O que me fez gostar tanto do Dylan? O que ele tem que me fez comprar um número e sair correndo atrás de outros? Afinal em que o Dylan me fascina? E consegui elaborar alguns motivos:
O primeiro é que a história é fechada, concluindo-se na mesma edição (podendo trazer referências a histórias mais antigas às vezes). Ou seja, não é necessário comprar todos os números pra entender a história e gostar dela. Mesmo um leitor eventual diverte-se com Dylan Dog.


Também podemos contar que, apesar de uma estrutura de texto normalmente fixa ? alguém procura Dylan pra resolver um caso, ele vai atrás de pistas, há um mistério que, no fim, é resolvido, pelo menos em parte ? as histórias trazem um número bem variado de temas como alienígenas (Dyd23), personagens de desenhos animados saídos da tevê (Dyd26), bruxas (Dyd02), experiências extra-sensoriais (Dyd07), universos paralelos (Dyd21), encontro com a morte (Dyd04) e assim por diante. Ou seja, há uma estrutura de roteiro mais ou menos fixa na maioria das histórias, mas com temas bastante diversos, em histórias em que predomina o mistério e o fantástico, regados por um clima de terror, o que faz com que o leitor não enjoe, que cada história tenha um sabor novo.
Às vezes, põe-se em pauta questões sociais importantes, como uso de drogas e omissão de socorro (Dyd04), busca de um mundo perfeito (Dyd27) e função da medicina (Dyd07), por exemplo. Ou autor também ensaia algumas discussões filosóficas, como:

"No fundo, toda a vida é uma partida de xadrez com a Morte...
uma partida perdida logo de cara."
(servo da Morte em Dyd04, p. 85 e 86)
"(...) acho que as coisas mais absurdas acontecem na vida real!
Vocês sabem disso, né? Pra mim, a vida toda é uma ficção!
Se eu visse um disco voador ou Drácula, não falaria de alucinações!
Nada é mais real que a fantasia! Concordam?
"
(personagem em Dyd21, p.24)

O protagonista é bastante humano. Ele tem medo de avião, enjoa em navio (Dyd02), aceita casos aparentemente ruins só para levar a contratante pra cama, machuca-se, perde lutas, transa... Não humano como um Batman, que, apesar do título, comporta-se muitas vezes como um super ser, que bate em hordas de bandidos armados rindo. Dylan não faria isso... Há também a metáfora do navio: Dog tenta sempre montar um navio miniatura que nunca fica pronto (Dyd26 e 27, por exemplo)... um símbolo pra sonhos que a gente nunca concretiza... ou de que a vida é um eterno construir que nunca se termina, nunca vermos toda a nossa obra acabada. Nada mais humano...

"Como vê, Bloch, cada um tem seus pesadelos!
Groucho, os desenhos... você a cadeia de crimes absurdos...
e eu, na falta de clientes, este veleiro que nunca acabo!
"
(Dylan Dog em Dyd26, p.17)

E o mais importante na vida é a tarefa que a gente ainda tem a cumprir, o que ainda não se conseguiu fazer:

"Vou embora!
Pode me despejar, penhorar meus móveis, faça o que quiser!
Só deixe meu galeão... Ainda não o acabei!
"
(Dyd16, p. 45)

O galeão representa, assim, a vida... Terminar o galeão, significa o fim. (Dyd01, história tipo elseworld na qual é mostrado um possível fim para as histórias de Dylan Dog.)

A história conta apenas com três personagens fixos. Além do Dylan, temos seu assistente Groucho, responsável por grande parte das piadas da história. Com seu humor non-sense, piadas às vezes velhas, mas sempre oportunas, serve de contraponto para as tramas sombrias que se apresentam. Contrabalançando o non-sense das piadas do assistente do Detetive do Pesadelo e com o humor irônico do protagonista, contamos também com o humor amargo do detetive Bloch, personagem recorrente nas histórias. Na verdade, os três personagens parecem três faces distintas de um personagem só, que pode ver a vida de três formas diferentes, seja de modo realista, um tanto pessimista (Bloch), sem levar nada a sério, como se entendesse os mecanismos que regem o mundo e risse disso (Groucho) ou tentando ser realista, mas atento ao impossível, percebendo a seriedade da vida, mas tentando achar graça nisso (Dog).

"Simpático... e aquele outro também!
Dois loucos, mas simpáticos...
"
(diz sobre Dylan Dog e Groucho uma personagem em Dyd18, p.25)

Isso resume bem os dois personagens. Talvez apenas Bloch não seja louco, ou talvez o mais louco de todos, de repente. É uma questão de como o leitor encara a história. Como pertencem a pontos opostos de um mesmo paradigma, Bloch e Groucho não têm uma convivência pacífica. O pessimista Bloch não tem paciência para o lunático Groucho.

"Groucho ? Que tráfego! Vamos ter que andar nus,
para não ser in-vestidos!
Block ? Mais uma dessas e eu durmo!
E te mato caindo em cima!
"
(Dyd28, história em que Groucho é escalado por Dog para impedir que Bloch durma...
se dormisse, o detetive poderia morrer)

Não há pudores em se mostrar cenas violentas de mortes (Dyd02, 26 e 27 por exemplo), mas também não se usa a violência sem necessidade. Há cabeças rolando e sangue derramado quando isso é necessário, já que se trata de histórias de terror. Mas a violência nunca é gratuita, vindo sempre para colaborar com o enredo.
Dog e Fay (uma das mulheres que entram e saem de sua revista) conversando sobre o filme Hellraiser:

"DOG: Que tal, vamos ver esse?
FAY: Ah, não! Detesto filmes de terror!
DOG: Neste caso, tem razão... já vi quatro vezes e não gostei!
Muito sangue e nenhuma ironia!
"
(Dyd18, p.43)

Em Dylan Dog deve haver sangue, sim, mas também ironia, romance, mistério...
Dylan Dog não tem personagens femininas fixas. As mulheres entram e saem das histórias no mesmo número, normalmente para contratá-lo, para se apaixonarem por ele ou como vítimas. Não raro as três coisas juntas. Dylan arrasa o coração das mulheres, e nisso, como a maioria dos homens modernos, esconde a sua fragilidade. Dog tem medo de se envolver mais profundamente, de cair na monotonia de uma vida de casado. Prefere casos rápidos e sem compromissos. É do tipo que não liga nem manda flores no dia seguinte.

"O que ela quer? Que fique dando em cima dela?
Que amanhã lhe mande flores? Hmm... vou pedir pro Groucho mandar!
Sinto vergonha quando o florista dá aquele sorrisinho cúmplice...
"
(Dyd19, p.16)

Se ficarmos aqui levantando nuanças, detalhes sobre as histórias de Dylan, levaríamos páginas e páginas, discutindo detalhes de cada história... Mas esse não é o objetivo deste texto. O que eu gostaria de mostrar é que Dylan Dog para mim foi uma grata surpresa. Comprei-o sem esperar muito e me surpreendi. Se tivesse passado minha vida lendo apenas comics e cartum, provavelmente teria desprezado um personagem tão rico. E como meu amigo Dylan, quero descobrir outros, de outros estilos. Continuo decenauta de carteirinha, mas estou aberto ao mundo dos quadrinhos, a todas as experiências que ele puder me oferecer.

Um comentário:

OVELHA NEGRA disse...

também tive uma experiencia parecida com esse titulo e hoje escrevo e desenho contos de terror nos moldes do velho dilan dog!

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