Por Fernando Moretti - Portal do Ilustrador
Caricaturistas e chargistas estão ligados ao traço humorístico como irmãos siameses. Mário Mendez é mais um caso. Merecidamente considerado como um dos grandes mestres da charge brasileira, Mendez nasceu em Baturité, Ceará, a zero hora do dia 25 de dezembro de 1907. Chegou ao mundo causando maior confusão, pois a única parteira da cidade assistia à Missa do Galo. O pai, apavorado, entrou às pressas na igreja e arrastou-a para casa. O dia festivo quase carimbou-lhe o nome de Natalino. Mas o pai - José Mendes de Brito Arraes - voltou atrás. Seja como for, mudança de nome deve ter marcado o menino, pois mais tarde alteraria o "s" do sobrenome por "z".
Durante a infância interessou-se pelo desenho e passava horas copiando caricaturas de J.Carlos, Kalixto e Storne. Cresceu com a arte nas veias e punha isso em prática vendendo bonecos e cartões pintados por ele mesmo. Era simples: montava uma barraca em frente a igreja da cidade onde havia se mudado (Carutapera).
Certa vez, morando em Iguatu, precisando de grana, pegou um serviço para pintar o nome de uma mercearia na parede. Preparou a tinta com anil e goma arábica. Ele conta: "Naquela região já não chovia há muito, mas dei azar; choveu durante a noite, levantei de madrugada, ainda escuro e fui olhar os letreiros. Que calamidade! A frente da mercearia estava em petição de miséria, já não se lia o letreiro. A frente da casa estava toda borrada de azul. Não esperei mais nada. Fui a casa de outra tia onde estava hospedado, enfiei algumas roupas numa valise e corri para a estação; comprei uma passagem e peguei o primeiro trem para Fortaleza".
Foi em Fortaleza que ele teve o primeiro contato com pintura. Mostrou alguns desenhos ao dono do atelier - Manoel Queirós - e foi pego como ajudante, sem ganhar nada. Assim seguiu até que apareceu um tenente da marinha querendo um cartaz para convocar voluntários. Mendez, que sonhava em viajar, ofereceu-se. Disse que tinha 18 anos (quando tinha 17) e com essa idade desembarcou no Rio de Janeiro. Serviu na banda música do regimento. Certa vez, fez a caricatura do regente da banda e mostrou-a ao tenente. Logo o desenho saiu na Revista Musical. Era o início de sua carreira de caricaturista. Três anos depois foi convidado para fazer ilustrações de carnaval para o jornal "A Manhã". Foi um sucesso, e mendez acabou efetivado. Também colaborava com o "A Batalha", "A Esquerda", "Vanguarda" e o "Radical". Os caricaturistas da época eram Kalixto, Romano, Guevara, Raul Pederneiras, Justinus e Figueroa (que muito influenciou Mendez).
Envolvendo-se com artistas, acabou conhecendo Luís Sá, conterrâneo que fazia histórias em quadrinhos da série "Reco-reco Bolão e Azeitona" para o "Tico-Tico" e o "Malho". Foi incentivado por Raul Pederneiras que fazia "Cenas da vida carioca" para a "Revista da Semana" e publicava sátiras no "Jornal do Brasil".
Artistas conhecendo artistas dão sempre uma história boa. Certo dia quando almoçava numa pensão, viu um cara numa mesa e achou-o caricaturável, tirou um papel do bolso e desenhou-o. A dona da pensão viu e disse a Mendez que aquele cara era J. Carlos. Mendez quase teve um treco. Seu ídolo desde a infância, estava ali perto. A dona da pensão não perdeu tempo e apresentou Mendez a J.Carlos. Mendez tremia. Só aquietou quando recebeu elogios do mestre sobre seu trabalho.
Caricaturistas são debochados e ousados. Quando Mendez casou-se, em 1933, a notícia foi publicada no jornal; porém, no lugar da tradicional foto, havia uma caricatura dos noivos.
Em 1935 Mendez organizou uma exposição de desenhos feitos durante uma viagem à Bahia, Pernambuco e Ceará. No mesmo ano publicou o livro "Tipos e Costumes do Negro no Brasil". Um ano depois seus desenhos saíram na revista "Cruzeiro", que despertou o interesse de Belmonte. O monstro sagrado da charge trabalhava na "Folha da Manhã" em São Paulo e convidou Mendez para trabalhar com ele.
Em 1938 voltou ao Rio para trabalhar no jornal "A Noite", junto com feras da charge: Álvarus, Carlos Thiré, chargista e quadrinhista (criador dos personagens: Gavião de Riff, Bob Lloyd, Rafles e Os Três Legionários da Sorte) e Monteiro Filho (criador do personagem "Roberto Sorocaba").
Mendez foi ficando famoso. Caricaturava figuras importantes da política e das artes brasileiras. Ele conta que Dalva de Oliveira chorou durante uma semana de desgosto quando viu sua caricatura revista "Carioca". Orlando Silva também ficou aborrecido com ele por ter sido caricaturado com cabeça de carneiro.
Isso não abalou sua carreira. Ele continuou famoso. Em 1941 Walt Disney esteve no Rio. Vários artistas foram apresentados a ele: J.Carlos, Luiz Sá, Jorge Bastos e... Mendez.
Além de desenhar, Mário Mendez era preocupado com arte. Ele comenta: "O humor na caricatura brota espontaneamente. Ele vem só e naturalmente. Não o tentamos nunca... É conseqüência fácil... Se nos acharem rebeldes, não somos voluntariamente. Rebeldia é fugirmos de uma norma, e como caricatura não há normas, é absurdo sairmos de uma coisa que não existe. Quantos políticos não devem sua popularidade aos caricaturistas? E no entanto muitos não gostam de ser caricaturados... Felizmente não são todos."
Para a campanha de eleição de Getúlio Vargas, o Partido Trabalhista Brasileiro usou uma caricatura feita por Mendez. Além de Getúlio, Dorival Caymmi, outras figuras famosas passaram pela ponta de seu lápis "in loco" Eva Peron, o presidente americano Truman, Burle Marx, Xavier Cugat (maestro espanhol).
Em 1973 foi entrevistado por Ziraldo, Nássara e Augusto Rodrigues para o Museu da Imagem e do Som. Sobre a caricatura ele diz: "As melhores caricaturas sempre foram aquelas das pessoas com quem a gente convive, das quais podemos captar traços da personalidade que só notamos mesmo com a convivência. Pois como já foi dito, a caricatura é o retrato da alma... Eu acho que uma caricatura acertada, às vezes, vale mais do que uma fotografia. Na foto as pessoas vão mudando de ano para ano, enquanto a boa caricatura retrata a pessoa durante anos a fio!".
Certa época da vida, abandonou o desenho. Aposentou-se! Mas a veia artística impulsionou-o à música. Trocou o lápis pelo violão. A esposa, Emília, vendo sua capacidade musical, sugeriu que entrasse numa banda. Mendez pensou, pensou e desistiu, largou o violão e voltou ao desenho.
Artista nato e autodidata, Mendez não teve professor nem fez curso algum. Aprendeu tudo vendo, observando e comparando. A caricatura foi sua profissão, meio de expressão e vida.
Ele dizia "A gente nasce caricaturista, vira desenhista e morre pintor. Cito alguns exemplos: Columbano (Portugal) Daumier e Toulouse-Lautrec (França), Orosco (México)...e Di Cavalcanti que começou sua carreira como caricaturista." Ele continua: "Tanto a pintura como a escultura vem do desenho. Hoje há uma concepção diferente em relação a essa idéia devido ao abstracionismo. Mas a pintura figurativa vem sempre do desenho. A cor é inerente. É uma questão de sentimento. Minha pintura não está ligada a nenhuma escola. Faço o que sinto e o que gosto de fazer. O que faço é por intuição."
Mário Mendez esteve ligado à caricatura e ao humor até o fim da vida. Em 1996 foi homenageado no Salão de Humor de Piracicaba. Mas o tempo neste mundo é curto para mestres e gênios... e o criador volta ao Criador. O traço de Mendez calou-se no mesmo mês em que nasceu, 90 anos depois - dezembro de 1997. Sua arte está registrada em duas obras editadas pela Ediouro: "Caricaturas e Caricaturados" e "Como Fazer Caricaturas".
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(Artigo originalmente publicado no site CCQHumor)
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