terça-feira, 24 de janeiro de 2012

As Eras dos Quadrinhos - Parte 4 de 4


A Nova Onda ? Agentes de H.o.l.l.y.w.o.o.d.
Por Guilherme Smee - Fanboy
Kurt Busiek falou: Você só pode identificar as Eras que realmente acabaram (...) Então, a época que você está vivendo no momento será sempre chamada de ?Era Moderna? até que você dê a ela um nome real ? porque então você pode colocar uma lápide sobre ela, já que está na seguinte?. A comoção ao redor de revistas número um, de hologramas ou capas multifacetadas, a glorificação de heróis ultra-anabolizados, argumentos cruéis e raivosos com o intuito apenas de chocar não estão mais tão presentes entre os atrativos das revistas de super-heróis. Certamente, estamos vivendo um novo período. Foi o 11 de Setembro a crise que mudou a forma de como os super-heróis eram vistos pelo mundo.
Capitão América contra o Terror
(Captian America #2 - 2002)
Por um lado, a queda das Torres Gêmeas exigiu dos quadrinhos uma camada maior de realidade. ?Em um mundo pós-11 de Setembro, até mesmo a frase ?Olhe, lá no céu! É um pássaro! É um avião!? soa diferente?, diz Robert Wilonsky para a SF Weekly?O sentido do escapismo nos quadrinhos não existe mais; o mundo de fantasia deve dar passagem para o verdadeiro?. O Homem-Aranha se deparou com o desastre em uma edição que teve a capa dominada pela cor preta. O Capitão América assumiu uma postura de luta direta e radical contra o terror em um arco de histórias que se encerrou com a revelação de sua identidade secreta ao povo americano. Em 2001, também, a Marvel rompia definitivamente com o CCA e lançava séries como os Novos X-Men, de Morrison, que trazia uma personagem do país dos talibãs com direito a burca e crenças muçulmanas, e a nova X-Force, dePeter Milligan e Mike Allred em cuja primeira edição, a equipe era quase toda exterminada por terroristas.
Contudo, vendo de outra maneira, ?houve um breve momento logo após a queda das torres do World Trade Center em que o mundo parecia mais claro e menos ambíguo, como um gibi de super-heróis?, escreveu Chris Knowles ?


Novamente, havia os mocinhos e os bandidos, vilões e vítimas. Os eventos de 11/09 traziam uma necessidade profunda por alguma coisa ou alguém que salvasse o mundo de um mal sem nome e sem face que tinha o poder de espalhar o caos instantaneamente. Um tipo de destruição vista apenas nos quadrinhos ou em filmes inspirados neles. Para lutar contra estes demônios invisíveis, nós precisávamos de deuses. E, de fato, novamente, a indústria de quadrinhos respondeu ? oferecendo a uma nação confusa e tomada pelo terror super-heróis que colocariam as coisas no lugar?.
Muitos dizem que o 11 de Setembro teve o mesmo impacto que a Grande Depressão de 1929, quando os sentimentos das pessoas chegaram a tal ponto de desesperança que passaram a buscar a força necessária nas revistas de quadrinhos, que produziriam, quase uma década depois, o gênero dos super-heróis. Títulos baseados nos heróicos homens comuns do 11 de Setembro foram lançados, bem como edições que buscavam angariar fundos para as famílias das vítimas, numa espécie de esforço parecido com o dos quadrinhos da Segunda Guerra que estimulavam a compra de bônus de guerra.
Homem-Aranha: O Filme (2002)
O filme do Homem-Aranha foi o grande representante do renascimento da força dos quadrinhos e ficou entre as dez maiores bilheterias da história do cinema. Se o filme dos X-Men, dois anos antes, havia dado origem aos primeiros passos da linha Ultimate Marvel, no filme do Aranha era a linha de publicações que exercia a influência sobre a película. Depois de Homem-Aranha, os estúdios de Hollywood viram nos quadrinhos uma mina de ouro, e as editoras de quadrinhos começaram a trazer para seus estúdios talentos dos setsda Califórnia e de outras mídias, como livros e seriados.
O cenário montado era de histórias que aliavam realidade com o escapismo. Após o 11 de Setembro, a estratégia dos quadrinhos de super-heróis foi trabalhar em duas frentes: atrair novos leitores com histórias desligadas da cronologia (linhas Ultimate e All-Star,Adventure e Johnny DC) e seduzir novamente o público que, por alguma razão, foi perdido algum tempo atrás, cansado das histórias repetitivas. Para chamar esse pessoal, as editoras voltaram a valorizar sua cronologia e trouxeram de volta do limbo personagens que foram relevantes nos anos 70 e 80, mirando no público universitário, na faixa dos 20 a 30 anos.
As novas histórias buscavam materializar elementos do mundo real no cenário fantástico das histórias de super-heróis, recorrendo alguma vezes à metáfora. Entre os temas, foram propostos a limitação dos super-heróis frente a determinadas situações, o fanatismo religioso, a violência contra minorias, a AIDS, as implicações do surgimento e da criação de superpoderes para a saúde e a biologia, a interferência de meta-humanos na política e na agenda dos governantes, as escolhas éticas presentes nas decisões dos super-heróis, a contracultura, o pavor de uma ameaça desconhecida infiltrada, a visão de pessoas comuns cujo cotidiano era invadido por super-humanos. Em 2006, o mercado americano de quadrinhos cresceu 13% em relação ao ano anterior, um grande avanço comparado ao final dos anos 90. Já no ano que passou, 2007, este crescimento ficou em 9%, segundo a distribuidora Diamond Comics.
Conclusão ? Hal Jordan ou Kyle Rayner?
As novas origens têm o mérito de serem histórias mais coerentes com o momento em que vivemos. Permitem que um novo público se forme, apoiado em um background renovado e capaz de apelar aos seus interesses e ideais, e de produzir identificação com o ambiente do leitor, deixando de insistir na base já obsoleta desenvolvida anos atrás. Que sentido uma equipe de pessoas com 30 anos que ganharam poderes na corrida espacial da Guerra Fria faria para os jovens nascidos após a queda do Muro de Berlim? Só se fosse uma obra retratando uma fase histórica, com caráter de relíquia e curiosidade, mas não causaria comoção como uma série corrente.
Claro, sempre haverá quem defenda e prefira o Superman da Era de Prata, com seus poderes sem limites, suas kriptonitas multicolores e suas transformações bizarras. A explicação para esse gosto é simples. Essas pessoas cresceram vendo o Superman agir dessa maneira, adequada ao mundo e à época em que desenvolveram seus valores e formaram suas perspectivas. Para elas, este é o verdadeiro Superman, esse é o paradigma legítimo. Ao seu ver, a identificação era mais fácil anos atrás porque aquele era o mundo deles. E a identificação que permite a projeção é o segredo do sucesso dos super-heróis.
Superman ao longo das décadas
Toda vez que os quadrinhos estabelecem um novo caminho para seus personagens percorrerem, surge uma nova onda. Aqui se encaixa outro postulado, a Teoria das Metamorfoses de Mensch, que sustenta a análise histórica das histórias em quadrinhos como uma sucessão de ciclos conduzidos por um grupo definido de valores. A teoria do economista alemão diz que a acumulação capitalista vem em ciclos sistêmicos sucessivos. O mesmo ocorre com as Eras dos quadrinhos. Cada uma delas é guiada por um paradigma, uma idéia geral, um consenso de como os heróis devem ser. Essa idéia domina o modo de produção e se expande. Na época da bolha especulativa, foi possível perceber o quanto esse paradigma se difundiu. Com o tempo, essa maneira de ver os heróis acaba sendo explorada ao máximo, até se desgastar, ou seja, perder a audiência. Isso se repetiu em cada Era, e a bolha explodiu. Com sua estagnação, outra forma de ver os super-heróis surge, e vai, com o tempo, tornando-se sua principal corrente, a pautar e a guiar o sistema.


Gráfico Tempo x Índice de Crescimento: A área situada entre os pontos a e b representam os períodos de transição (Fonte: Mensch, 1979, p. 73).

Entre o abandono do primeiro paradigma e adoção do segundo, há um período de desaceleração do crescimento, em que o primeiro ciclo estaciona e, ao mesmo tempo, o novo se põe em movimento. Estes são os períodos de transição apresentados anteriormente, em que a indústria não tem uma direção e, entre abandonar o estabelecido (heróis contra nazistas, por exemplo), ela busca novos caminhos (western, horror, romance), até encontrar um novo rumo (heróis com poderes baseados na ficção científica). Muitas vezes, para a adoção de um novo paradigma se faz necessária uma crise que rompa o fluxo. Um exemplo é a morte de Gwen Stacy, embora Crise nas Infinitas Terras, da DC, seja um ponto de ruptura mais característico.
Os Novos X-Men de Grant Morrison
Toda essa revisão da história dos quadrinhos explica, exemplifica e permite concluir que os heróis precisam se adaptar para não serem destruídos, para que não permaneçam imaculados como um dogma. Hoje é o tempo da sinergia: a adaptação dos super-heróis a outras mídias e a outras gerações é bem-vinda, pois é ela manterá estas lendas vivas, atraindo novos e ávidos leitores/consumidores.
Em seu Manifesto Morrison, o escritor comenta o futuro dos X-Men, personagens cuja revista que assumiria em 2001, afirmando que era hora da indústria de quadrinhos olhar para outro lado. O autor escocês diz que Marvel e X-Men deviam estar novamente em destaque na mídia e que era hora de capturar a audiência universitária e moderna porque este grupo está maior e mais consumidor do que nunca. Na época, filmes como Matrix e séries como Buffy faziam sucesso, abrindo caminho para os filmes de super-heróis e as séries de TV que estariam presentes em quase todas as conversas desse tipo de público. Morrison dizia que seus arcos deveriam ser como uma temporada de 24 Horas. Começo, meio e fim, com desenvolvimento e resolução dos personagens. Na próxima temporada, ou no novo arco, surgiria uma nova situação, e as cenas reiniciariam como se alguém fosse ver ou ler pela primeira vez.
Essa aproximação entre séries de TV e quadrinhos está mais presente do que nunca, principalmente levando em consideração quantos profissionais trabalham para as duas mídias. Podem ser citados Brian K. Vaughan, Brad Meltzer, Jeph Loeb, J. Michael Straczinsky, Joss Whedon, Allan Heinberg,Paul Dini e Richard Donner, apenas para dar uma idéia. Atualmente, o mais comum é que as editoras programem seus arcos de histórias para durar cerca de seis edições e, passado algum tempo, reuni-las e lançar um encadernado contendo toda a saga. Hoje, além dos quadrinhos indie e dos webcomics, são os Trade Paperbacks (encadernados) ofertados em livrarias que desafiam o mercado direto: em 2007, tiveram um aumento de 20% na venda.
Isso é uma mudança de paradigma. Refletindo-a, uma modificação no perfil do consumidor, torna necessária uma modificação no conteúdo oferecido. O espírito da época deve estar presente nos quadrinhos, caso contrário os leitores não os tornarão válidos. "Meu quadrinho ideal é aquele que expressa perfeitamente seu momento e te faz querer dançar, como seus discos prediletos fazem?, disse o próprio Morrison. ?O quadrinho ideal seria uma condensação holográfica de puro zeitgeist?.
Bibliografia:
ARRIGHI, Giovani. O Longo Século XX.
Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
BLUMBERG, Arnold T.. The night Gwen Stacy died: the end of innocence and the birth of Bronze Age. Disponível em: http://reconstruction.eserver.org/034/blumberg.htm
CONROY, Mike. 500 great comic book action heroes. New York: Barron?s, 2002.
DANIELS, Les. DC Comics: A celebration of the world?s favorite comic book heroes. New York: Billboard Books, 2003.
ECO, Umberto. O Mito do Superman. In: Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 2001.
GUEDES, Roberto. Quando surgem os super-heróis. São Paulo: Opera Graphica, 2004.
KNOWLES, Chris. Our gods wear spandex: the secret story of comic book heroes. San Francisco: Red Weel/Weiser, 2007.
LEWIS, A. David. The Hydrogen Age. Coluna do site Broken Frontier.
Disponível em:
http://www.brokenfrontier.com/columns/details.php?id=185
WRIGHT, Bradford W. Comic Book Nation: the transformation of youth culture. Baltimore: The John Hopkins University Press, 2003

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