Por Marcus Ramone - UHQ
Naquele ano, o País ainda saboreava a recente retomada da democracia institucional, depois de mais de duas décadas sob as rédeas do regime militar.
O pacote econômico batizado de Plano Cruzado fora lançado com a firme missão de criar uma moeda nacional forte e, principalmente, acabar com o monstro da inflação, que minava o poder de compra dos brasileiros.
No esporte, o povo se unia na torcida para a seleção de futebol, comandada pelo técnico Telê Santana, conquistar seu quarto título da Copa do Mundo.
E o cometa Halley, a sensação daquele momento, atingia o periélio - ponto mais próximo do Sol -, para a alegria dos que continuavam acreditando ser possível observá-lo em sua plenitude, a olho nu.
Mas foram necessários somente poucos meses para tudo desmoronar e outra realidade bater à porta.
O índice de popularidade do presidente da República despencou vertiginosamente, o plano econômico fracassou e a Seleção Brasileira foi eliminada do Mundial realizado no México.
A pá de cal veio do espaço: o cometa Halley foi embora, sem nunca ter vindo, marcando o fim de um fenômeno comercial e de marketing jamais visto no planeta - antes ou depois - na história da astronomia.
E o responsável por esse histórico case de sucesso foi um brasileiro apaixonado por histórias em quadrinhos.
A Era dos Halley
O publicitário mineiro Marcelo Diniz sofre de bipolaridade.
Em seu último livro, Crônicas de um bipolar (Record, 2010), ele revelou algumas situações inusitadas que protagonizou como consequência do transtorno.
Foi assim em 1980, do alto de seus 32 anos, quando trabalhava em um gigante da indústria de cigarros e teve um insight, "de acordo com uma característica da bipolaridade, que é ter a cabeça sempre a mil, procurando novas ideias", como disse ao Universo HQ.
Naquela época, as primeiras reportagens sobre a nova visita do Halley às proximidades da Terra começavam a surgir em jornais e TVs. Mas o assunto ainda não despertava o interesse que viria a ter mais tarde.
"Eu pensava em lançar uma Butique Hollywood, vendendo roupas e artigos promocionais com a marca dos cigarros Hollywood. Era um projeto de diversificação e licenciamento. Estava com a teoria bem clara na cabeça, quando li numa revista que o cometa Halley voltaria em 1986 e inspiraria músicas e suvenires e que crianças seriam batizadas com o seu nome", relata Diniz.
Bastou isso para o publicitário partir em busca da realização da ousada empreitada de capitalizar com o viajante cósmico. "Pensei: quem tiver essa marca estará rico. E fui atrás de um advogado para saber se era possível. Não só era, como estava livre para registro no Brasil. E, nos Estados Unidos, só não estava livre para isqueiros e perfumes, em dois produtos que existiam desde 1910", revela.
Ainda em 1980, Diniz juntou o dinheiro que tinha, pediu mais emprestado e arregimentou o sócio Luiz Felipe Tavares para criar a Marcelo Diniz Estratégias de Marketing Ltda. e fazer todos os registros possíveis da marca Halley no País.
Dois anos depois, fez o mesmo nos Estados Unidos, na França e na Alemanha.
Convocando o argumentista Luiz Antonio Aguiar e o ilustrador Lielzo Azambuja, Diniz criou o esteio do projeto: a Família Halley, de quem dependia integralmente a continuidade da empreitada.
Os personagens ganharam nome, visual e conceito que, via de regra, acompanhavam a marca, formando os pilares sobre os quais se montou o projeto e que se completavam com a mensagem de harmonia pregada pela família espacial.
Viajantes cósmicos, os Halley eram os únicos sobreviventes do planeta Hydron, devastado por uma colisão com um mundo desabitado e do qual sobrara apenas a calota polar, que se transformara no cometa Halley.
Depois de encontrar o planeta Terra e se afeiçoar aos seus habitantes, a família resolveu adotar o nome com o qual os terráqueos batizaram o pedaço desgarrado de Hydron.
Assim nasceram Big Halley, Halley, Halleyxpert, Halleyfante, Halleygante, Halleyluiah, Halleyxandra, Halleyzinha, Halleyzótica e Halleygria, uma trupe cujos nomes de pronúncia fácil ganharam o apelo imediato que garantiu à franquia o sucesso almejado.
Em 1985, um ano antes do que se esperava ser a chegada triunfal do cometa, a Família Halley começou sua trajetória pela mídia, por meio de um contrato com a TV Globo que levou os personagens aos programas Balão Mágico - no qual o Halleyfante, uma espécie de paquiderme robô, virou atração fixa -, Fantástico, Globo Repórter e Minuto Halley ("foguetinhos" diários na programação) e ao musical A Era dos Halley, que contou com a participação de diversos nomes da MPB e do rock brasileiros e foi lançado em LP.
Começava ali a halleymania.
Febre consumista
Materiais escolares, tênis, óculos, chicles de bola, iogurtes, brinquedos, artigos de vestuário e diversos outros produtos, incluindo uma linha de joias finas da H.Stern, todos estampando o nome ou a imagem da Família Halley, começaram a invadir o mercado em 1985.
Ao todo, foram 53 contratos de licenciamento para mais de 200 produtos, resultando em um faturamento de cerca de dez milhões de dólares - na época, uma cifra ainda mais espantosa que hoje.
No mesmo ano, a Família Halley estreou nas tiras de quadrinhos, publicadas diariamente no jornal O Globo. Meses depois, em outubro, chegou aos gibis na série bimestral A Era dos Halley, que na primeira edição oferecia de brinde um bottom.
A revista trazia, em cada edição, duas histórias em quadrinhos - escritas por Luiz Antonio Aguiar, Ives do Monte Lima e Salete Brentan, com desenhos de Napoleão Figueiredo e Roberto Kussumoto -, além de passatempos relacionados ao Halley, textos sobre astronomia e tecnologia espacial e a seção Jornal do Cometa, com as últimas novidades sobre o astro da década.
Foi publicada até junho de 1986, quando o cometa Halley já rumava para outras galáxias.
E não ficou só nisso. Um longa-metragem com atores chegou a ser pré-produzido, mas não vingou.
A exposição e o sucesso da marca Halley não passaram despercebidos em outros países.
No dia 8 de maio de 1986, a edição do jornal norte-americano New Scientist destacou o furor causado pelo cometa no Brasil, potencializado pela criação de Marcelo Diniz, agora celebrado como um empresário de visão telescópica - com o perdão do trocadilho necessário.
Nesse período, a Warner Licensing Corporation já havia assinado com a Marcelo Diniz Estratégias de Marketing uma carta de intenções para licenciar a marca Halley pelo mundo.
E a Marvel Entertainment, dona dos direitos sobre os super-heróis Homem-Aranha, X-Men, Hulk e outros, assinou um contrato de opção para produzir desenhos animados da Família Halley. "Mas poderia pedir, se quisesse, a extensão para longas-metragens live-action ou mesmo quadrinhos", afirma Diniz.
Ele confessa que, se isso acontecesse, seria uma conquista pessoal. "Eu adoraria. Desde criança, lia tudo que era Disney, Bolinha e Luluzinha e, à medida que fui crescendo, os super heróis. Mas o meu preferido era o Fantasma. Ainda gosto de quadrinhos, mas, hoje em dia, prefiro cinema", conta.
Diniz também acredita que a Marvel teria um papel importante na longevidade da Família Halley.
"O planejamento de marketing previa que o filme, as histórias em quadrinhos e os desenhos animados dessem vida longa ao projeto, muito tempo após a passagem do cometa. Os norte-americanos condicionaram os investimentos em produção ao sucesso do evento. Como o Halley não foi visto no hemisfério norte, eles desistiram", afirma. "As produções daquela época, sem os efeitos especiais necessários, não eram suficientes para manter vendas de produtos inspirados em um evento que frustrou o público. Se tivéssemos os desenhos animados da Marvel, talvez ainda desse para continuar."
No final das contas, o cometa havia sido anjo e demônio para Diniz.
Fiasco no céu
O astrônomo Edmond Halley (1656 - 1742) emprestou seu nome ao cometa mais famoso deste lado da Via Láctea.
Depois de descobrir que os cometas avistados em 1531, 1607 e 1682 eram um só, ele previu que a órbita completada em torno do Sol a cada 76 anos o traria de volta em 1758.
O cientista morreu antes de ver sua previsão concretizada.
A visita de 1910, em que a cauda do Halley passou pela atmosfera terrestre e apresentou um espetáculo inesquecível para quem teve o privilégio de assistir, provocou em 1986 uma grande expectativa, que se mostrou frustrada.
Pouca gente o viu, de fato. E somente com a ajuda de uma boa luneta - nem de longe as que eram vendidas feito água em lojas e nos camelôs - e de um mapa celeste fácil de decifrar, foi possível testemunhar a aparição do cometa, que se mostrou um reles chumaço de algodão no meio de estrelas muito mais brilhantes no céu.
Marcelo Diniz não contava com isso. Não há como saber com certeza, mas dificilmente a passagem do Halley seria tão lembrada no Brasil, décadas depois, se o publicitário não houvesse deflagrado a halleymania que marcou os anos 1980 no País.
No entanto, poderia ter sido melhor. "Não 'fiquei de mal' do Halley, apenas frustrado por não ter completado o projeto da minha vida. Mas acho que já superei", confessa Diniz.
Atualmente trabalhando como assessor da Associação Brasileira de Agências de Publicidade e planejador da Associação Brasileira de Propaganda, Diniz tem sido sondado por alguns interessados em reviver a Família Halley. O Cartoon Network faz parte dessa lista.
Mas a volta dos personagens ainda parece uma realização distante. "Todos que analisaram os desenhos nos últimos anos disseram que eles teriam que ser refeitos, modernizados. O potencial é bom, temos dezenas de roteiros prontos, mas eu teria que investir em novos desenhos, produção e outros elementos. Não tenho mais interesse em partir para um empreendimento desses com risco próprio", diz o criador da Família Halley.
Depois de 25 anos do fim da halleymania, ele agora presenteia os leitores do UHQ ao liberar, com exclusividade para o site, imagens nunca antes divulgadas.
"São pranchas da primeira história dos Halley, conforme apresentamos à Warner e à Marvel. Mostramos duas HQs que encantaram os norte-americanos. Jamais foram publicadas", explica Diniz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário