
"A Justiça, como um raio..."
Estávamos nos anos 90, claro, e tivemos o tão conhecido câncer que se alastrou pela indústria dos quadrinhos nivelando tudo (roteiro e arte) por baixo: The Crossing, Saga do Clone, A Canção do Carrasco, entre outras. De positivo, talvez, só o avanço no processo de colorização. Em meio a tantos tropeços, a Marvel se viu sem os Vingadores, o Quarteto Fantástico, Thor, Homem de Ferro e Capitão América, entre muitos outros heróis após a longa, estafante e decepcionante saga Massacre. Um universo inteiro sem quem o protegesse... até surgirem os Thunderbolts. Um grupo de super-heróis desconhecidos surgiu para ocupar a lacuna criada pelo projeto Heróis Renascem e trouxe consigo um dos conceitos mais brilhantes e surpreendentes, ao mesmo tempo simples, da história dos quadrinhos.
Esse resumo dá uma exata idéia do contexto em que o grupo foi inserido no Universo Marvel.
Em um ambiente em que tudo era superficial e sensacionalista, Kurt Busiek - gênio que é - viu uma oportunidade única à sua frente. No pós-Massacre, os Thunderbolts fizeram sua primeira aparição no título do Hulk (The Incredible Hulk vol.01 #449 - EUA / Marvel 99 #01 - Brasil). Logo em seguida estrearam em título solo, com as quatro primeiras edições compiladas em Thunderbolts Especial aqui no Brasil. O golpe de mestre de Busiek vem ao final da primeira edição, quando o mistério que poderia durar inúmeros números é desfeito no que foi eleita como "uma das mais bem elaboradas reviravoltas na história dos quadrinhos americanos" (citação possivelmente retirada de alguma eleição da Wizard). Cidadão V, Meteorita, Mach-1, Tecno, Soprano e Atlas eram, respectivamente, Barão Zemo, Rocha Lunar, Besouro, Armador, Colombina e Golias... os Mestres do Terror.

Lobos, cordeiros e Thunderbolts.
Agindo de forma cínica e inescrupulosa, eles conseguiram ter como base o antigo Four Freedom Plaza, remodelando-o com o logo dos T-Bolts, e formalizam uma ligação com a prefeitura da cidade de Nova Iorque. Os dias se passaram e entre o enfrentamento da Gangue da Demolição, Circo do Crime, Pensador Louco, de uma nova encarnação dos Mestres do Terror e de Arnin Zola, os falsos heróis caíram no gosto do público, despertando ovações calorosas, enquanto outros heróis ficavam desconfiados com a rápida ascensão da equipe, em especial a ex-vingadora Viúva Negra.
Dentro da equipe começou a se formar um impasse: ao mesmo tempo em que eles queriam executar o plano orquestrado por Zemo, alguns membros passaram a gostar da vida de herói e do sentimento de respeito, admiração e aceitação. Rocha Lunar foi peça fundamental ao minar a autoridade de Zemo quando percebeu o sentimento crescente em seus associados, o que se refletiu quando surgiu uma nova personagem, Choque, completando a equação do desastre.
Helen ?Hallie? Takahama, o idealismo incorruptível diante dos planos maquiavélicos de Helmut, foi introduzida logo na primeira edição e trabalhada em doses homeopáticas pelo autor a fim de tornar seu altruísmo convincente. O fato de ela ser uma adolescente começando na vida heróica ainda estabeleceu uma ligação com o leitor, que não apenas queria saber se os vilões teriam sucesso na empreitada, mas também como a menina se sairia lidando com tantos desafios e com tantas víboras ao seu redor.

"O poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente."
A montanha-russa chegou ao topo e restava apenas a descida e seus loops agora. Uma descida que trouxe inúmeras conseqüências. Dentros dos T-Bolts, Besouro e Colombina se envolveram afetivamente; Golias e Dallas Riordan se apaixonaram; Armador demonstrava cada vez mais arrogância; Rocha Lunar manipulava todos sem que percebessem; e Zemo fingia nada perceber. Com o cenário montado e cada personagem bem delineado, Busiek iniciava a desestruturação da equipe.
Os Thunderbolts enfrentaram seres denominados Elementais e após frustrar um ataque deles, Zemo exigiu acesso completo aos arquivos dos Vingadores, já que eram adversários deles, ou não ajudaria quando ocorresse o próximo ataque, o que gerou um mal-estar entre os membros da equipe. Desobedecendo a ordem direta do pretenso Cidadão V, os integrantes dos T-Bolts foram ao encontro dos Elementais e acabaram capturados. Zemo viu uma oportunidade nesse infortúnio e disse a Dallas que só poderia resgatar seus companheiros se tivesse acesso ao banco de dados dos Vingadores. O que conseguiu.
Dentro do QG dos Elementais, mudanças bruscas aconteceram nas personalidades dos Thunderbolts. Tecno foi morto, mas sua consciência sobreviveu no sistema do complexo, onde remodelou componentes eletrônicos criando um corpo pra si; Soprano deixou de ser uma mulher insegura e carente, passando a agir de forma mais decidida e violenta; Choque mostrou-se inteligente e perspicaz, coordenando seu companheiros durante um plano de fuga; e Meteorita deixou de lado sua postura passivo-agressiva, assumindo um papel de maior pró-atividade. Com a relação entre os membros e Zemo abalada, a Viúva Negra retornou mostrando saber muito mais do que aparentava e deixou um alerta para Mach-1 e Soprano. Eles deveriam fazer o que era certo e derrubar o chefe deles ou acabariam caindo junto com ele quando a hora chegasse.

"A verdade o libertará..."
O ato final se deu quando a ONU concedeu a eles o passe de segurança máxima, dando acesso ao sistema militar, Interpol e outras agências estrangeiras. O plano de Zemo tinha se concretizado. Imediatamente a SHIELD invade a coletiva onde eles agradeciam a confiança do público, revelando que eles eram na verdade os Mestres do Terror. Com toda a comunidade super-heróica em seu encalço, os Thunderbolts escaparam até o Four Freedom Plaza apenas para descobrir que a farsa foi desmontada não pela Viúva Negra, mas pelo próprio Zemo. O Barão Helmut alegou que sempre esteve ciente das mudanças comportamentais de seus subordinados e não viu saída melhor do que acabar logo com a farsa para que eles ficassem sem apoio tanto perante a sociedade e os super-heróis, quanto perante os supervilões que os veriam como traidores, restando apenas contar com Zemo.
Choque havia sido abandonada pelos Mestres do Terror e, diante disso, recusou-se a aceitar a verdade. Sem que percebessem, ela se infiltrou na nave de fuga deles e partiram rumo a uma estação orbital, de onde Zemo e Tecno passaram a controlar mentalmente várias forças militares em diferentes nações para usurparem o poder. O resto da equipe estava contida e sem saber o que fazer, até que Hallie se revelou e apelou ao desejo deles de se redimirem... ou ao menos enfrentar Zemo e derrotá-lo. Incitando um confronto entre eles, Choque conseguiu destruir o sistema de camuflagem da estação, o que atraiu a atenção do Quarteto e dos Vingadores, que logo chegaram ao local, porém foram dominados pelo mesmo controle mental que Zemo e Tecno impuseram ao militares. Zemo, Tecno, Atlas, Vingadores e Quarteto Fantástico contra o que restou dos Thunderbolts. Uma luta perdida que obrigou os quase heróis a recuarem, não antes de Atlas mudar de lado e acompanhá-los.
Homem de Ferro, que conseguiu escapar do controle mental, encontra os Thunderbolts e juntos organizam um contra-ataque para libertar o Quarteto, os Vingadores e acabar com a influência de Zemo na Terra. O confronto que se seguiu levou à derrota de Tecno e Zemo, com ambos fugindo covardemente, e ao impasse dos Vingadores e Quarteto tendo que lidar com os Thunderbolts, aparentemente redimidos, fazendo-os encarar os rigores da lei. Porém quando o acordo estava selado, eles - os T-Bolts - são teletransportados repentinamente. Começa uma nova jornada para os heróis renegados e incompreendidos.

Sem Zemo, sem amigos, sem apoio, sem esperanças e sem futuro.
Essas foram as 12 primeiras edições que moldaram a equipe, podendo ser rotulada como uma ?primeira temporada?, onde as personagens foram apresentadas, os dramas desenvolvidos e plots criados para futuros desenvolvimentos.
Busiek, de certa forma, trouxe uma concepção bastante datada, no que diz respeito ao desenvolvimento. Foi esquemática a dinâmica herói-vilão-confronto, mas isso é até desculpável ou aceitável se levarmos em consideração que os outros títulos apresentavam irmãos gêmeos clonados com metralhadoras se matando ou clone gêmeo adolescente psicopata de outra dimensão ou clone que não era clone que achou que fosse clone sem ser clonado. A volta ao clássico foi um respiro de ar fresco.
A forma como Kurt também demonstrou total controle narrativo, retomando pequenos detalhes duas ou três edições depois para engrandecer sua trama, provava que Thunderbolts não era apenas um título passageiro. Já na arte, foi onde Mark Bagley fez seu nome, com um traço rústico e despretensioso, mas que cabia perfeitamente nas tramas elaboradas. Havia ação, mas também muitas expressões faciais que davam a dimensão das emoções presentes.
Após essa ?primeira temporada? tudo o que não houve no título foi estabilidade, mas não me refiro a qualidade. Ou somente a ela. Busiek manteve-se por mais 21 edições (encerrando sua passagem na #33), sendo substituído por Fabian Nicieza, que ficou até a edição #75, seguido por uma desastrosa repaginação do título, até hoje conhecida como ?Clube da Luta?, o que levou ao seu fatídico cancelamento após seis edições, na edição #81 em 2003. Somente em 2005 o título foi retomado, após uma minissérie da equipe com os Vingadores, dando origem a New Thunderbolts. O ?New? manteve-se por 18 edições até retomar a numeração original, com a centésima edição, e desde 2007 está sob comando de Warren Ellis, aos trancos e barrancos, condutor de mais uma mudança conceitual no grupo com o cenário posterior a Guerra Civil.

Um novo líder para uma nova fase.
Apesar de toda qualidade evidente que Busiek imprimiu ao título, sua fase talvez seja mais lembrada pela inclusão do Gavião Arqueiro no elenco, colocando-o como líder da equipe. Na época, Busiek também cuidava dos roteiros dos Vingadores desde que eles retornaram de Heróis Renascem, então foi uma transição bem feita e coerente. Em uma edição ele abandonou os Vingadores, em outra assumiu os Thunderbolts, o que garantiu ainda mais encontros entre as duas equipes. Infelizmente foi nesse ponto que a Abril Jovem deixou de publicar o título, deixando muitos fãs do título de mãos abanando.
Praticamente nada da fase Nicieza foi publicada no Brasil. Como característica principal de sua fase, pode-se destacar a forma como ele tratava suas tramas... era um emaranhado de mil eventos acontecendo e se interrelacionando de forma caótica e imprevisível. Tudo desde sua primeira edição (a #34 do título original), com novos e velhos personagens e inúmeros parentescos entre eles, heranças e dinastias requeridas e/ou proclamadas, mudanças de poderes e - claro - mortes e ressurreições, culminou da edição #50 com reviravoltas e revelações. Nada mais típico.

Thunderbolts da Contra-Terra.
Até a edição #75, Nicieza continuou aprontando das suas. Graviton, talvez o eterno inimigo dos Thunderbolts, reapareceu mais uma vez em mais uma saga de proporções apocalípticas, uma nova encarnação dos Mestres do Terror foi apresentada, mais mudança de poderes, mais personagens, muitas conspirações e talvez o evento que mais seja lembrado nesta segunda fase de sua passagem: Thunderbolts na Contra-Terra. No planeta criado por Franklin Richards, os remanescentes originais dos T-Bolts descobriram-se muito mais heróicos do que jamais imaginaram, incluindo o então vilão Barão Helmut Zemo, sendo a mais dramática e drástica mudança realizada no título. Também foi lá que Karla Sofen conseguiu sua segunda rocha lunar. Ao fim da edição #75, Zemo, regenerado, ficou com a liderança da equipe e prometeu salvar a Terra... controlando-a. Um final em aberto para que o título pudesse ser retomado eventualmente.
Patrick Zircher foi o grande nome sob o comando de Nicieza. Curioso notar que seu traço hoje parece deixar seus personagens meio infantis, mas nesta época pareciam muito mais maduros, adultos e reais se comparado a si mesmo, e até mesmo se comparado a Bagley. Talvez seja influência (ou interferência?) direta da arte-finalização.
Uma última consideração sobre Thunderbolts é que durante todo o trajeto, toda a jornada, com seus sucessos e fracassos, eles nunca deixaram de ser foras-da-lei, caçados pela Lei e rejeitados pela população.

Thunderbolts from da ghetto.
A edição #76 deu início a fase ?Clube da Luta?. Ou melhor, deu início ao fiasco. Havia drama? Sim. Personagens com personalidades bem construídas? Sim. Uma arte que chamava a atenção? Sim. Mas infelizmente nenhum personagem cativava o leitor. O problema possivelmente foi que era um quadrinhounderground alçado sem motivo ou necessidade ao mainstream. Soava incoerente, soava inconveniente, soava desnecessário. Principalmente por ostentar o nome de um título com características tão próprias.
O resto é história e foi publicado no Brasil.
Em 2004 uma minissérie preparou o retorno do título, dessa vez sob as mãos de Busiek e Nicieza.Avengers/Thunderbolts teve seis edições e foi publicada nas primeiras edições de Universo Marvel. Se forçarmos um pouco a boa vontade, pode-se dizer que a mini sobrepõe a fase ?Clube da Luta?. Dois anos após o cancelamento, New Thunderbolts foi lançada, também sob gerência de Busiek e Nicieza, porém o primeiro ficou apenas para o primeiro arco, e por mais 20 edições, Nicieza se manteve a frente do título. Fim este que está em Universo Marvel #32.

Soprano, Rocha Lunar, Homem Radioativo, Suplício, Venom e Espadachim: Thunderbolts New Generation.
Agora no Brasil chega a elogiada fase de Warren Ellis que promete ser instigante e conta com arte de Mike Deodato. Como visto em Guerra Civil, os Thunderbolts agora servem como um braço de apoio a Lei de Registro de Super-humanos, caçando e prendendo, por vezes até matando, aqueles que se recusam a obedecer a lei. Um grupo formado por vilões e ex-vilões, coagidos a trabalhar para o governo mantidos sob controle através de nanitas em suas correntes sangüíneas. Mas como em todo o título do autor, Thunderbolts vem sofrendo de inúmeros atrasos, obrigando a Marvel a saciar os leitores com one-shots diversos, a maioria deles escritas por Christos Gage.
Folha de Antecedentes Criminais:








Thunderbolts nasceu como um título inovador, manteve-se ousado e sempre foi palco de inúmeras experimentações. Não foi a primeira nem será a última vez que o direcionamento do título é desviado ou invertido. Quanto a nós resta apenas a fé de que Ellis consiga manter a constância da imprevisibilidade quanto aos personagens, seus destinos e situações.
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