domingo, 15 de janeiro de 2012

Editora relança álbuns que inspiraram Steven Spielberg na adaptação de Tintim, personagem do belga Hergé

Intrépidas aventuras
Por Marcelo Miranda - O Tempo

Ele é loiro, topetudo, baixo, está sempre de camisa azul (algumas vezes, protegida por um sobretudo bege), é um jornalista nunca visto no exercício da profissão e se envolve nas mais alucinadas aventuras pelo mundo inteiro.

Ele é o Tintim, criado pelo roteirista e desenhista belga Hergé (1907-1983) para protagonizar uma série em quadrinhos no semanário "Le Petit Vingtième", iniciada em 10 de janeiro de 1929. Passados 83 anos desde sua primeira aparição, uma das principais criações das HQs europeias chega aos cinemas brasileiros no dia 20 próximo.

A superprodução "As Aventuras de Tintim" - que já circula pela Europa e pelos EUA desde o ano passado - tem direção de Steven Spielberg (fã assumido do personagem) e produção de Peter Jackson.

Enquanto o longa-metragem não chega às salas locais, a editora Companhia das Letras colocou de volta nas livrarias as duas tramas que inspiraram o filme de Spielberg: "O Segredo do Licorne" e "O Tesouro de Rackham, o Terrível". Reeditados num volume único, em capa dura, os álbuns foram originalmente lançados na Bélgica em 1943 e 1944.

No enredo, Tintim e seus amigos (o cachorro Milu, o capitão Haddock, os investigadores Dupont e Dupond e o professor Girassol) tentam desvendar o mistério de um barco, perdido após um ataque pirata, e de um suposto tesouro escondido em algum canto de uma ilha oceânica.

"Da sequência inicial no Mercado de Pulgas ao seu desfecho com a solução do mistério, o álbum é brilhante", exalta o pesquisador de quadrinhos Pedro Bouça, em relação a "O Segredo do Licorne".

Bouça estuda profundamente a criação de Hergé para um livro em desenvolvimento sobre toda a trajetória de Tintim. "O personagem e seu mundo são uma mescla das experiências de vida de Hergé", destaca. "Deve ser levado em conta que ele, como ser humano, mudou muitas vezes de mentalidade ao longo da sua vida. E Tintim reflete isso".

De fato, logo em sua primeira aventura, "No País dos Sovietes", Tintim viaja para a Rússia comunista, onde corre sérios riscos nas mãos dos "vilões" soviéticos. Feito no fim dos anos 1920, por um autor de pensamentos políticos questionáveis, é o único álbum que permaneceu pouco editado ao longo dos anos.

"Hergé era muito jovem e foi influenciado pelo seu mentor, o abade Norbert Wallez, diretor da redação do jornal ‘Vingtième Siècle’, que publicava o semanário", conta Bouça. "Foi por iniciativa dele que Tintim foi à Rússia (para criticar o comunismo) e ao Congo (para defender o colonialismo). Mas o autor se arrependeria mais tarde".



Características. O que fica de Tintim, porém, é seu espírito aventureiro, a ousadia de encarar qualquer desafio, os coadjuvantes sempre memoráveis e as viagens ao redor (e para além) do planeta. "Embora Tintim seja criticado por ter uma personalidade rasa e poucas características distintivas, isso se torna um dos seus trunfos, porque permite ao leitor ver-se no lugar dele e viver as histórias como se o Tintim fosse o próprio leitor", defende Pedro Bouça.

Em artigo publicado no site Omelete, o professor Waldomiro Vergueiro aponta que o universo de personagens de Tintim "dá à criação maior de Hergé um caráter híbrido, que representa talvez sua maior riqueza: ao mesmo tempo em que os desenhos tendem ao caricatural, todo o entorno das histórias é extremamente realista".

Um dado considerável frisado por Pedro Bouça - e fundamental à longevidade de qualquer série de qualidade - é a contínua republicação dos álbuns de Hergé pela editora Casterman em seu país de origem, mesmo anos depois de a série ter sido encerrada. No total, 24 álbuns compilaram todas as aventuras.

"No resto do mundo, os quadrinhos eram uma mídia descartável, para ser lida e esquecida. Não era assim na Bélgica. Por isso, esse pequeno país se tornou uma força considerável no quadrinho mundial", afirma Bouça. "E Tintim foi quem ajudou a construir essa cultura de quadrinhos como literatura, num mercado que é uma das bases do mundo".

Números
6 quadrinhos
 de ´Tintim´ por página saíam por semana no semanário belga.

57 anos foi o período entre a estreia de Tintim e sua última aventura inédita.

14 anos era a idade de Tintim em suas primeiras histórias, segundo Hergé.

Pelo mundo
Nas dezenas de histórias criadas por Hergé, o personagem Tintim se envolveu em várias situações. Confira algumas:

"No País dos Sovietes".
 Na única trama em que Tintim exerce a profissão de jornalista, ele vai à Rússia investigar a "ameaça" comunista. Anos depois, Hergé disse ter se arrependido de fazer esse álbum.

"Os Charutos do Faraó". Em busca das pistas de um túmulo perdido, Tintim e o cachorro Milu vão ao Cairo descobrir os segredos de um faraó.

"Rumo à Lua". Antes do homem pisar na Lua, Tintim já tinha estado lá, nessa história publicada em 1952. Teve continuação em "Explorando a Lua".
FOTO: PARAMOUNT/DIVULGAÇÃO
O capitão Haddock e Tintim em cena do filme de Steven Spielberg
TINTIM
Novo filme segue outras adaptações do personagem
Marcelo Miranda
A estreia de "As Aventuras de Tintim" nos cinemas será a primeira adaptação de envergadura do personagem criado pelo quadrinhista belga Hergé, mas não a primeira vez que Tintim sai das páginas para ganhar movimento.
Muita gente ainda deve se lembrar da animação exibida na TV. Com 39 episódios e lançada em 1991, a série adaptava os álbuns de Hergé com extrema fidelidade, tanto no enredo quanto nos traços e nas cores.
Ainda anos antes, em 1947, uma animação feita com marionetes foi realizada na Bélgica, com roteiro do próprio Hergé, adaptando "O Caranguejo das Pinças de Ouro". Em carne e osso, o garoto apareceu pela primeira vez em 1961, em "Tintim e o Mistério do Tosão de Ouro", produção franco-belga filmada na Turquia. Ganhou sequência três anos depois: "Tintim e as Laranjas Azuis".
Pouco vistas, essas produções serão ainda mais ofuscadas pelo gigantismo de "As Aventuras de Tintim", de Steven Spielberg. Pensado para ser a primeira parte de uma trilogia, o filme utiliza uma moderníssima técnica de animação por captura de movimento - ou seja, os atores fazem suas cenas e, depois, são "transferidos" para a animação.
Exemplos de filmes com a técnica são "O Senhor dos Anéis" (na figura do vilão Gollum) e "O Planeta dos Macacos - A Origem", protagonizado pelo símio Cesar.

O novo "Tintim" dá mais passos além numa tecnologia já bastante avançada. O protagonista é encarnado por Jamie Bell (notabilizado em 2000 no drama "Billy Elliot"). Spielberg comprou os direitos para adaptar a obra de Hergé ainda nos anos 1980 e preferiu esperar a evolução técnica do século XXI, incluindo o uso de 3D.
Quem viu já aprova. "A animação 3D está fantástica, absurdamente realista e bem-feita. Você acredita que uma figura com a carranca do capitão Haddock é capaz de existir no mundo real", garante o pesquisador Pedro Bouça.
Na seção Da Frigideira, do site Omelete, o repórter Érico Borgo destaca: "Peter Jackson e Steven Spielberg provaram-se verdadeiros ‘fanboys’ de Hergé e não pouparam esforços para assegurar a continuidade das adaptações em direção ao epicentro da cultura pop em massa, o cinema".
Blockbuster. Mesmo fã do personagem e tendo visto o filme três vezes, Pedro Bouça (que mora em Portugal, onde o longa já estreou) não tem apenas láureas. "É um filme de Hollywood moderno, com o que isso implica. Foi tudo elevado ao extremo", ressalva. "O ritmo é frenético e nunca reduz, a caracterização dos personagens é exagerada, a trama é bombástica. Não existe a sutileza dos álbuns de Hergé. Ou seja, largaram Tintim no meio de um blockbuster hollywoodiano e ele fez o melhor possível para se virar lá dentro".

Além de "O Segredo do Licorne" e "O Tesouro de Rackham, o Terrível", o filme de Spielberg adapta, com mais afinco, "O Caranguejo das Pinças de Ouro", álbum lançado originalmente em 1941 e também disponível no Brasil.

Álbum especial
"As Aventuras de Tintim: O Segredo do Licorne & O Tesouro de Rackham, o Terrível"

Autor. Hergé (roteiro e desenhos)
Tradução. Eduardo Brandão
Composição. Lilian Mitsunaga
Editora. Companhia das Letras
Páginas. 128
Preço. R$ 43
Leia a minientrevista com Pedro Britto, editor do blog "Tintim por Tintim" ( www. tintimportintim .com) , principal banco de dados virtual sobre o personagem no Brasil.

Passadas tantas décadas desde sua criação, o que ainda fascina na série de HQs do Tintim a ponto de ela permanecer um ícone adorado por gerações? Como disse o produtor Peter Jackson em uma recente entrevista, o mundo de Tintim é um mundo que não existe hoje, então está fora de nossas experiências. As histórias se passam numa época diferente, em que os problemas eram resolvidos de forma diferente.  Ler os quadrinhos da série é viajar por lugares onde você talvez nunca coloque os pés, então acredito que essa sensação de escapismo é um dos fortes atrativos, pelo menos para mim.  Sem falar que Tintim é um herói sem capa, uma pessoa como todos nós. O leitor pode se colocar no lugar dele e imaginar estar vivendo suas aventuras, diferentemente dos heróis com poderes sobrenaturais.
Qual a importância histórica do Tintim dentro dos quadrinhos, tanto europeus quanto mundiais?
Tintim abriu as portas da escola belga de banda desenhada (como os quadrinhos são chamados na Europa). O estilo de Hergé levou outros artistas europeus a investir na "ligne claire" (linha clara), estilo de desenho com traços e cores fortes, quase sem sombras e texturas. Se hoje o mundo conhece personagens como Asterix e Os Smurfs, podemos agradecer ao criador das aventuras de Tintim.
O Tintim possui alguma característica política? Suas histórias, de algum modo, representaram alguma visão de mundo de seu criador, Hergé?
A série de aventuras de Tintim sempre refletiu seu contexto histórico. Desde as aventuras mais polêmicas, como "Tintim no Congo" e "No País dos Sovietes", Hergé retratou a visão que a sociedade tinha na época, de colonizados africanos dependentes de uma nação europeia a uma Rússia devastada pelo comunismo. Mais tarde, suas obras refletiram uma visão mais "liberal", com Tintim lutando contra a ditadura ao lado de revolucionários na América Latin
a. 

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