Por Milena Azevedo - GHQ
A
mídia propagou 2012 como um ano funesto, mas na verdade o ano passado
marcou um momento de produção contínua, em que a maioria dos
quadrinistas independentes (entre eles, nós potiguares) semeou para
colher os louros em 2013.
Pelo menos cinco projetos bacanas chegaram às minhas mãos. Da Bahia foram dois: Sant´Anna da Feira, Terra de Lucas (Marcos Franco e Hélcio Rogério) e O quarto ao lado (Marcelo Lima, André Leal, Bruno Marcello e Daiane Oliveira); de Santa Catarina, o Ensaio do Vazio
(adaptação em quadrinhos do romance homônimo de Carlos Henrique
Schroeder); de João Pessoa, o álbum do francês Etienne Lécroart, Contos & descontos, editado pela Marca de Fantasia; e a segunda parte de O Evangelho Segundo o Sangue, dos potiguares Marcos Guerra e Leander Moura.
O projeto Visualizando Citações,
idealizado por mim, teve suas quatro edições publicadas on-line, e eu
tive minha primeira experiência internacional com a HQ curta Lowtech, feita em parceria com o desenhista gaúcho Rodrigo Chaves, a qual fez parte da exposição da 2ª edição do Concurso Internacional de Banda Desenhada Avenida Marginal, no Palácio dos Aciprestes – Fundação Marquês de Pombal,
em Oeiras, Lisboa, concorrendo entre 160 trabalhos (Lowtech não ganhou
prêmio, mas ficou entre as 38 pranchas selecionadas para a exposição).
Não posso deixar de comentar a boa recepção da edição número 1 da série de FC BlackAcre, da Image, desenhada pelo amigo Wendell Cavalcanti (a edição esgotou em algumas semanas após ser lançada), bem como o sucesso que Gabriel Andrade Jr. está fazendo como desenhista de Ferals, da Avatar Press. A edição número 2 de Ferals acabou de ganhar o prêmio de Melhor Cena de Terror de 2012 no Horror Comic Award.
Sobre
os eventos, destaco o Top! Top!, a primeira grande convenção de
quadrinhos da Paraíba, a Quanta Con (SP), e a segunda edição da Gibicon
(Curitiba). Sem falar na segunda edição da FLiQ – Feira de Livros e
Quadrinhos, em que predominou uma salada literária bastante pop.
Entre as publicações, a maior surpresa do ano foi o esperadíssimo lançamento do clássico O Eternauta, de Oesterheld e Frascisco Solano López, pela Martins Fontes, que resolveu engrenar o retorno de seu belo selo de quadrinhos, publicando também outro prestigiado álbum, Pagando Por Sexo, do Chester Brown, e o livro teórico A novela gráfica, de Santiago García.
Da mesma forma, a Globo Livros Graphics também retomou suas atividades e lançou algumas pérolas, com destaque para a alucinada versão de Pinóquio, do alemão Winshluss.
Das editoras “caçulas”, vamos chamar assim, a Gal e a Balão Editorial
mandaram muito bem. Enquanto a Gal publicou os artistas britânicos
Jamie Delano e James Robinson, e iniciou a aclamada série Lôcas, do
Jaime Hernandez, a Balão continua a investir no quadrinho nacional,
lançando Como na quinta série, do DW Ribatski, e Escola de Animais, do
Leandro Robles.
E o que dizer da Nemo?
Meu voto de melhor editora de 2012 vai mais uma vez para a Nemo, pois o
trabalho do Wellington Srbek é de tirar o chapéu. Sem palavras para as
coleções Moebius e Corto Maltese, Enki Bilal marcando presença com a
Trilogia Nikopol e Animal´z, a série infanto-juvenil belga Boule et Bill, além do próprio Srbek mandando ver nos álbuns Das Areias do Tempo e Força Animal.
Claro que não me esqueci do projeto Graphic MSP,
criado pelo amigo Sidney Gusman (esteve aqui em Natal, como um dos
convidados da 2ª edição da FLiQ), que convidou artistas que vem fazendo
bonito no cenário independente para desenvolver releituras dos
personagens da Turma da Mônica, com tramas elaboradas para um público
mais crescidinho. Bom, chegou arrebentando logo no primeiro número (Astronauta – Magnetar), com Danilo Beyruth e Cris Peter calando a boca de alguns invejosos.
Eis
aqui a minha lista com os 20 melhores lançamentos de quadrinhos de
2012, lembrando apenas que faço a lista com base nos quadrinhos/livros
teóricos que li ou que pelo menos folheei.
1)Habibi
(Quadrinhos na Cia.): Tal qual uma peça de tapeçaria, Craig Thompson
traçou cuidadosamente as histórias de seus dois protagonistas, Dodola e
Zam, interligando-as com as letras do alfabeto árabe, a simbologia do
islamismo e os arabescos, deixando o movimento da caligrafia muitas
vezes conduzir seu desenho. São 672 páginas pra serem lidas de joelhos.
2)O Eternauta
(Martins Fontes): a Martins Fontes finalmente trouxe ao Brasil a
obra-prima do roteirista Héctor Oesterheld, na qual Juan Salvo relata
suas aventuras emblemáticas, com direito a viagens no tempo, contatos
com extraterrestres e divagações filosóficas sobre a existência. Uma
lástima a Martins Fontes não ter caprichado mais na edição, que merecia
uma capa dura, pelo menos.
3)Pinóquio
(Globo Livros Graphics): gosto quando uma editora não tem medo de
arriscar e lança um trabalho de um artista desconhecido por aqui, como é
o caso dessa versão bastante pessoal do conto de Carlo Collodi, em que
Pinóquio é um super-robô, enquanto Gepeto é um cientista ganancioso,
ávido por vender seu protótipo aos militares. Há ainda intervenções de
Jiminy Barata, uma tiração de sarro com o Grilo Falante. A edição com
capa dura está um primor, faltou apenas a editora inserir a uma
biografia do Winshluss.
4)Astronauta – Magnetar
(Panini): abrindo o projeto Graphic MSP, Danilo Beyruth e Cris Peter
revisitaram memoravelmente o Astronauta. O herói relembra sua infância
na Terra, junto a seu avô, enquanto está nos confins do espaço e
presencia o fenômeno astrofísico chamado Magnetar. Com a nave quebrada, o
Astronauta passará por momentos de extrema solidão e devaneios, que nos
remetem a filmes de FC, como Lunar, Alien – o oitavo passageiro e 2001 –
uma odisseia no espaço, com direito a participação especial do Louco,
além de outros easter eggs. A edição ainda traz extras, como
glossário, esboços e a primeira história do personagem, publicada em
1963. Ao ler Astronauta – Magnetar senti a mesma emoção de ler uma das
boas histórias do Surfista Prateado.
5)A Trilogia Nikopol
(Nemo): simplesmente a HQ que catapultou o iugoslavo Enki Bilal para a
fama. A Martins Fontes havia publicado as duas primeiras partes, mas pra
ler Frio Equador só recorrendo à rara edição da Meribérica ou de alguma
editora norte-americana ou europeia. A Nemo resolveu o problema ao
trazer ao Brasil essa edição definitiva, com capa dura e encartando o
jornal fictício Libération.
6)O Quinze
(Agaquê): o paraibano Shiko assinou a primeira adaptação para os
quadrinhos do romance homônimo de Rachel de Queiroz. Acertou em cheio, a
começar pela capa, que traduz em imagem e cor o sofrimento da família
de Chico Bento, a qual é forçada pela seca a sair do Ceará para tentar
dias melhores na região Sudeste.
7)Monstros!
(Quadrinhos na Cia.): em seu trabalho de estreia em uma grande editora,
Gustavo Duarte apresentou uma história de pescador às avessas,
prestando homenagem aos filmes e seriados japoneses, em especial Godzilla e Spectreman,
na qual um lagarto, um polvo e uma tartaruga gigantes “brotam” do
oceano para tocar o terror na cidade de Santos. Ele provou que sabe
desenvolver uma trama longa sem perder fôlego e nem ritmo, mantendo o
costume de guardar uma boa surpresa para o final.
8 )Pagando por sexo
(Martins Fontes): por ser contra a “monogamia possessiva” do amor
romântico, Chester Brown entendeu que mais sensato e econômico seria se
relacionar com prostitutas. Relatou suas experiências nessa simpática e
sincera graphic novel, cujo posfácio traz apêndices substanciosos sobre
prostituição, coisificação sexual, tráfico humano, direitos sexuais
entre outros assuntos do gênero.
9)Alan Moore – o mago das histórias
(Mythos): Gary Spencer Millidge fez de Alan Moore um objeto de estudo e
escreveu uma obra primorosa, acompanhando o “Bardo” desde a infância
(quando já se sentia um peixe fora d´água), passando por suas primeiras
histórias (escritas e desenhadas) publicadas em fanzines, seu
envolvimento com drogas, até conseguir se firmar como um dos grandes
autores contemporâneos. O texto é enriquecido com diversas entrevistas e
um farto acervo de imagens, com direito a trechos de roteiro e esboços
feitos por Moore. A caprichada edição nacional vale cada centavo.
10)A máquina de Goldberg
(Quadrinhos na Cia.): taí um quadrinho com gostinho de uma boa Sessão
da Tarde! De forma despretensiosa, Vanessa Barbara e Fido Nesti contam a
história de Getúlio, um gordinho que curte punk rock e é zoado por
todos no colégio. Em mais um ano de colônia de férias obrigatória, ele
unirá forças com Leopoldo, o velho zelador da Montanha Feliz, para se
vingar do carrasco professor de educação física, utilizando uma
engenhosa “máquina de Goldberg”.
11)Corto Maltese – As Helvéticas
(Nemo): uma aventura de Corto Maltese com bastante diálogo e poucas
cenas de ação, que traz o encontro entre o loquaz marinheiro e o
escritor Herman Hesse. Um prato cheio para quem gosta de literatura,
pois Pratt faz com que Corto dialogue com Klingsor, Parsifal, e a astuta
e sedutora Kundry, e até beba da fonte da juventude no Santo Graal.
Acrescentando mais charme ao álbum há o rico prefácio de Marco Steiner
sobre Os Cavaleiros Templários, o Graal e o refúgio solitário de Herman
Hesse, nas montanhas de Tessino, na Montagnola (Suíça), conhecido como
Casa Camuzzi.
12)Scarface
(Globo Livros Graphics): caracterizando perfeitamente cenários,
vestuários e gestos da época em traços realistas e aquarela com paleta
de cores impecáveis (dosando com maestria a luminosidade das cenas),
Christian de Metter faz o leitor imergir por completo na década de 1920,
nessa excelente adaptação do romance de Armitage Trail.
13)Hellboy – a noiva do demônio e outras histórias
(Mythos): dos quadrinhos de super-heróis, Hellboy é um dos poucos que
faço questão de acompanhar. Adoro as coletâneas nas quais o Mignola
convida artistas de primeira linha para dar aquela incrementada no
Vermelhão. A Noiva do demônio traz simplesmente Kevin Nowlan, Scott
Hampton e Richard Corben (que desenha Hellboy no México, encarando os lutchadores mascarados nos anos 1950). Esse aqui é simplesmente pra fã de Hellboy nenhum botar defeito.
14)O gosto do cloro
(Leya/Barba Negra): Bastien Vivés foi extremamente técnico e construiu
uma minitrama redondinha, em ritmo contemplativo. Acompanhamos
pormenorizadamente cada braçada dos personagens, de uma extremidade a
outra da piscina, conduzindo-nos a um instigante final aberto.
15)Ouro da Casa
(Panini): mais do que uma homenagem ao Mauricio de Sousa, esse álbum é
um reconhecimento ao trabalho dos inúmeros artistas que compõem a
Mauricio de Sousa Produções. Destaque para “seu” Graciano, criador do
cabelo do Cascão, um dos funcionários mais antigos da casa.
16)Sant´Anna da Feira, Terra de Lucas (Independente):
Marcos Franco e Hélcio Rogério já haviam narrado a história de Lucas da
Feira, mas o primeiro quadrinho terminou de forma brusca, devido ao
limite de páginas do projeto. Sabendo da importância de apresentar, em
grande estilo, o ex-escravo que virou justiceiro, eles capricharam nesse
álbum. Uma boa sacada foram os diálogos escritos em “matutês”,
conferindo autenticidade à narrativa, a qual está mais elaborada, assim
como a arte. Um belo trabalho de resgate histórico.
17)Bourbon Street – vol.1: Os fantasmas de Cornelius
(8Inverso): a 8Inverso vem investindo em quadrinhos com temática
musical, e essa série certamente tocará o coração de todos os
aficionados por jazz. A história é sobre um grupo de jazzistas
norte-americanos da terceira idade que após ter conhecimento do sucesso
do Buena Vista Social Club decide voltar a se apresentar, mas
pra isso será necessário ir em busca do amigo Cornelius, um exímio
trompetista desaparecido que esconde uma história misteriosa sobre seu
passado. O álbum tem encadernação em capa dura e diversos esboços
comentados, ao final.
18)Sweet Tooth – Depois do apocalipse – vol.1: Saindo da Mata (Panini): após a consagração com a graphic novel Essex County,
Jeff Lemire foi contratado pela DC Comics e criou essa pequena grande
história sobre a perda da inocência. Vale a pena acompanhar a série, que
será publicada em cinco edições encadernadas.
19)As Férias do Major
(Nemo): quinto título da coleção Moebius, da Nemo Editora, essa
coletânea apresenta um Moebius extremamente jocoso, que não tinha medo e
nem vergonha de brincar com o Major Grubert (pré-Garagem Hermética).
Destaque para a história Escala em Pharagonescia, produzida durante um
ano, entre vários trabalhos que ele vinha fazendo, como uma forma de
relaxamento.
20)Revolução do Gibi – a nova cara dos quadrinhos no Brasil
(Devir): um registro detalhado e crítico sobre as publicações de
quadrinhos nacionais e o melhor das edições brazucas de quadrinhos
estrangeiros na última década, numa compilação dos textos do Blog dos
Quadrinhos, do jornalista Paulo Ramos. Material excelente para
pesquisadores e quadrinistas.
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