sexta-feira, 4 de maio de 2012

Já está em fase de produção o 1º longa de animação totalmente realizado em BH


Filme narra a saga de Curt Nimuendajú, o etnólogo alemão com alma de índio

Por Uai

Anaya Produções/Divulgação
As primeira imagens dão uma pista do que será o filme, mas ainda há um longo caminho pela frente
Num pequeno estúdio instalado no 17ª andar de um prédio no Centro de Belo Horizonte está em andamento, há cerca de dois meses, um feito que pode se tornar histórico: os preparativos para realização do primeiro longa-metragem de animação totalmente produzido em Belo Horizonte. Traz histórias de um personagem ilustre e pouco conhecido: Curt Nimuendajú Unkel (1883–1945), um etnólogo que trocou a Alemanha pelo Brasil, vivendo durante décadas em várias tribos indígenas. Em seu tempo foi chamado de “alemão com alma de índio”. Não é filme para crianças, mas para adultos, que aposta explicitamente na dimensão artística da animação. 

A direção é de Tânia Anaya. Segundo ela, o trabalho ainda não tem título definitivo. Como Nimuendajú é nome difícil, ela pensa acrescentar um subtítulo, algo como “Aquele que encontrou seu lugar no mundo”, uma tradução do nome dado ao cientista pelos guaranis. Ou talvez, acrescenta, “Cartas do sertão”. O filme terá 90 minutos e será uma “biografia ficcional” do cientista, pontuando momentos especiais de sua vida. Uma equipe de nove animadores se dedica à criação dos fundamentos visuais (cenários, personagens, enquadramentos, iluminação) a partir de uma storyboard, um roteiro visual da história. A direção de arte é de Leonardo Cata Preta.

Relevância Para conceber o filme foi realizada uma pesquisa que envolveu desde a consulta ao espólio do etnólogo – os diários dele são referência para a narrativa – até viagens a áreas indígenas, acompanhadas da antropóloga Elena Welper, assessora do projeto. “Nimuendajú é homem de muitas faces. Foi cientista, aventureiro, o amigo dos povos que estudava, o estudioso em torno do qual há muitas e curiosas histórias”, conta Tânia Anaya. A ideia do longa surgiu da curiosidade dela ao descobrir um alemão com nome de índio, ao fazer o curta Ãgtux, sobre os maxacalis, lançado em 2005. Pesquisando, encantou-se com tudo que viu, ouviu e leu, apaixonou-se pelo personagem. 

Exemplificando a pertinência e as inesperadas consequências do trabalho de Nimuendajú, Tânia Anaya conta que certa vez, em uma aldeira Xakriabá no Norte de Minas, o cacique Rodrigão chegou a ela com o nome do etnólogo em um papel. E soube que foi devido aos estudos do alemão que os xakriabás foram reconhecidos como povo indígena. Ao reinvindicar a identificação, o cacique ouviu de alguém em Brasília para procurar o nome xakriabá no Mapa etno-histórico de Curt Nimuendajú. “Se o nome estiver lá, é índio”, garantiram a ele. E o nome xakriabá estava no levantamento realizado pelo pesquisador.

Tânia Anaya revela ainda que até pensou em fazer um documentário sobre Nimuendajú. “Mas após verValsa para Bashir, de Ari Folman (cineasta israelense), decidi pela animação”, conta, sem esconder o encanto pela animação artística. Tão intenso, vale observar, quanto a declarada antipatia pela formatação excessiva, técnica, narrativa e inclusive de conteúdo, das produções industriais, especialmente as voltadas para o público infantil. Ela quer evitar tudo isso no filme, sonhando com uma obra elaborada tanto no plano dramatúrgico quanto estético, que não deixa de lado informações precisas. 

Empreitada
A aventura de fazer um longa-metragem de animação, confirma Tânia Anaya, é especial, para ela e toda a equipe. “É algo fora da rotina e desafiador. Antes de começar um longa de animação, é preciso respirar fundo”, garante a diretora, que é formada em artes plásticas e tem mestrado em cinema pela UFMG. “É muito trabalho a ser feito, imagem construída quadro a quadro, mesmo considerando todas as facilidades trazidas pelo computador. E é preciso cuidar o tempo todo para não perder a qualidade”, acrescenta. Até para ver os resultados leva tempo – a estimativa é de dois anos de trabalho pela frente. “Estou nisso há muito tempo e sei esperar”, garante com bom humor. O filme está orçado em R$ 1 milhão, metade dele já garantida pela produtora Filme Minas. A diretora acredita que vai ser necessário mais.

Tânia Anaya aponta mais um motivo de satisfação com a efervescência que o cinema de animação está vivendo no Brasil. “Estamos produzindo longas, vários curtas, seriados para a televisão. Em função disso existe mão de obra em maior quantidade e qualidade”, completa, explicando que esse último aspecto deve-se a escolas e cursos. Prudente, já preocupada com o futuro do filme, Tânia chamou para o projeto Ana Vilhana, produtora com mais experiência com o mercado.
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Obra de referência 
“Aquele que constrói a própria casa ou que encontrou o seu lugar” é a tradução de Nimuendajú, nome dado ao alemão Kurt Unkel pelos índios apapokuva guarani, de Araribá (SP). Ao naturalizar-se brasileiro, ele adotou o nome. indígena. Chegou ao Brasil em 1905 movido pelo sonho de infância de estudar os nativos da América do Sul. Embrenhou-se em território inóspito, nas matas pouco exploradas do Oeste de São Paulo. Até sua morte, em 1945, realizou 
42 expedições pelo Brasil, visitando 46 povos, documentando línguas, lendas e tradições, em alguns casos inserindo-se totalmente na vida da tribo.
Entre as obras clássicas do cientista está o Mapa etno-histórico, um gigantesco banco de dados sobre a distribuição as tribos indígenas brasileiras no espaço e no tempo, com dados sobre cerca de 1.400 grupos étnicos, de 40 troncos linguísticos. 

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