Por Pipoca Moderna
“Os Vingadores”, que estreou nesta fim de semana, é o filme que tanto os fãs das histórias em quadrinhos quanto o espectador comum gostariam de assistir. Mas, mais importante: o resultado é exatamente aquilo que o próprio diretor e roteirista Joss Whedon gostaria de assistir. “Este é o filme que eu cresci querendo fazer”, declarou com os olhos brilhando e um largo sorriso durante a coletiva de imprensa em Los Angeles.
“Eu sempre quis fazer algo como o primeiro ‘Indiana Jones’ (1981), sobre personagens, com amor ao gênero, ótimas atuações e uma história de verdade”, disparou o diretor, feliz da vida. Sua felicidade é bem compreensível, afinal ele tirou um peso de suas costas equivalente a dois Hulks com a recepção positiva da crítica. Com a aprovação do resultado e a expectativa de a produção bater alguns recordes de bilheteria, ele fala com a certeza que a batalha – e sua maldição – foi vencida.
É o desabafo de alguém que realmente conhece a indústria por dentro e sofreu com sua vilania, vendo roteiros serem mexidos até se tornarem irreconhecíveis e suas criações enfrentarem a pressão de estúdios pouco afeitos ao seu estilo autoral.
Kevin Feige, presidente dos estúdios Marvel, não era um produtor como os outros que infernizaram a vida de Whedon. Era um fã de “Buffy: A Caça Vampiros”, “Angel” e “Firefly”, as criações do roteirista na TV americana. O fato de Whedon começar a escrever quadrinhos e até assinar três anos de histórias dos “X-Men” na Marvel a partir de 2004, facilitou o contato. Feige consultava Whedon sobre as adaptações dos super-heróis da editora muito antes de contratá-lo.
O primeiro contato com Whedon aconteceu quando o filme do “Homem de Ferro” ainda estava em gestação. “Honestamente, acho que Jon (Favreu, diretor do longa de 2008) fez um trabalho melhor do que eu teria feito. É possível dizer que ‘Os Vingadores’ tem o DNA de ‘Homem de Ferro’, ele é o nosso pai. Nem é preciso fazer teste de paternidade”, brincou o cineasta, demonstrando elegância no reconhecimento do trabalho que o precedeu.
Feige voltou a flertar com Whedon para a direção de “X-Men: O Confronto Final” (que acabou dirigido por Brett Ratner em 2006), mas a Fox fez ressalvas e os dois mantiveram o canal aberto. O produtor, por outro lado, tomou os equívocos do terceiro “X-Men” como deixa para a Marvel passar a produzir os seus próprios filmes, o que começou com o primeiro “Homem de Ferro”, dois anos depois.
A troca de ideias entre o produtor e o roteirista evoluiu para sugestões efetivas sobre o roteiro de “Capitão América – O Primeiro Vingador” em 2010, quando Feige finalmente lhe fez o convite para dirigir “Os Vingadores”. O contrato veio acompanhado de um roteiro escrito por Zak Penn. Whedon odiou e fez uma contraproposta: “Olha, eu faria isso, isso e isso”. Uma ousadia. E Feige disse: “Tudo bem”.
Tanto o estúdio quanto o diretor concordavam com a premissa: inicialmente, os personagens estariam todos em conflito e precisariam aprender a ser um time. “Havia todas essas partes, mas como juntá-los? Eles parecem não poder coexistir, não pertencem ao mesmo conjunto. Quando encontrei esse foco, percebi que tinha algo a dizer sobre essas pessoas”, ele explicou.
Whedon se lembra de quando seu nome foi oficialmente anunciado e alguns fãs reclamaram na internet, dizendo que seria preciso um diretor que injetasse mais testosterona no filme, não estrogênio. Os mais radicais temiam assistir aos heróis falando o tempo todo sobre seus sentimentos, como é recorrente nos trabalhos do autor. Ele leu os comentários, se divertiu e se inspirou! “Eu disse: ‘Quer saber, amigo? Vou fazer isso mesmo e você está certo”, comentou aos risos.
Enquanto escrevia o roteiro, foi elencando a situação: o Steve Rogers/Capitão América está confuso sobre o atual mundo, afinal ele ficou congelado por quase 70 anos; Tony Stark/Homem de Ferro não liga para autoridades e adora provocar Bruce Banner, para vê-lo transformar-se em Hulk e causar uma enorme destruição; Thor enxerga-se como deus e não acredita que deva fazer parte de um time de humanos. Como o próprio Bruce Banner (Mark Ruffalo) diz num momento do filme: “Não somos uma equipe, somos uma bomba-relógio”.
É por isso que, mesmo capturado, Loki (Tom Hiddleston) ri na cara de Nick Fury (Samuel L. Jackson) sobre a ideia de juntar esses super-humanos para detê-lo. “Ele sabe que ‘Os Vingadores’ é uma péssima ideia”, explicou Whedon. “Eles não pertencem ao mesmo filme, muito menos à mesma sala”.
O caso mais emblemático é a completa diferença de personalidade entre o boêmio Tony Stark (Robert Downey Jr.) e o soldado Steve Rogers (Chris Evans). “Eles representam pólos opostos, e eu basicamente sou o Tony”, brincou o diretor. “Eu queria ser o Steve, acredito no que ele diz, mas no final do dia, sou mais parecido com o Tony. Só que sem os bilhões e a genialidade”.
Mas se a equipe de super-heróis é uma bomba-relógio, juntar tantos astros hollywoodianos num mesmo filme poderia ser uma ogiva nuclear pronta para explodir. De fato, este era um dos grandes temores quando o projeto foi anunciado. Porém, garante Whedon, o clima no set esteve mais para a tranquilidade do Agente Coulson (Clark Gregg) do que para a hostilidade de Hulk.
“Mesmo a maior estrela do mundo ainda é um ator e atores querem um diretor”, comentou com naturalidade Whedon, explicando que conversou de perto com todo o elenco para aumentar a proximidade e trocar ideias. “Uma das primeiras coisas que Robert Downey Jr. me disse foi: ‘Eu jamais foi mexer em seus planos. Eu vou te questionar todos os dias para saber como você vai chegar lá, mas nunca vou mexer com o que você vai tentar realizar’”.
De certa forma, o diretor precisou agir como Nick Fury, unindo uma equipe potencialmente desastrosa para obter um resultado heroico. “Você sente a responsabilidade de conseguir que todas essas pessoas deem o seu melhor. Para Fury, é no campo de batalha e para mim era quando estávamos filmando. Definitivamente, eu senti um pouco da pressão, mas eu consigo enxergar com meu olho esquerdo”, brincou sobre o tapa-olho do personagem, interpretado por Samuel L. Jackson.
Por sinal, Whedon teve uma conversa longa com Jackson para compor com mais complexidade a personalidade de seu personagem, afinal Nick Fury apareceu apenas rapidamente nos outros filmes da Marvel. Como o diretor era um fã do ator, não encontrou muita dificuldade ao transmitir suas instruções. “Eu disse a ele desde o início: tem que ser menos ‘Shaft’ e mais ‘Sr. Vidro’”, orientou, referindo-se ao filme “Corpo Fechado” (2000). “Eu queria ver um cara que realmente comandasse e não permitisse questionamentos. Eu queria alguém que pudesse fazer coisas moralmente questionáveis, mas absolutamente necessárias. E, ao mesmo tempo, que sentisse o peso de disso tudo, pois ser líder é separar-se de todos os outros.”
O diretor também deu muita atenção ao Hulk, um personagem que ganha seu terceiro intérprete seguido (os outros foram Eric Bana e Edward Norton). Após Downey Jr., Mark Ruffalo foi o segundo ator com quem ele mais conversou, para lapidar todas as arestas de um herói icônico. A dupla passou horas debatendo sobre o conceito da raiva, o controle dos sentimentos, e sobre a sensação da fúria.
Ambos também concordaram que as duas versões anteriores seriam ignoradas e a inspiração seria a série televisiva “O Incrível Hulk” (1978–1982). “Nos outros filmes, Bruce passa todo o seu tempo em agonia consigo mesmo. Nós gostamos da ideia de que ele só está tentando ser uma boa pessoa, ficando escondido e ajudando os outros, que era a bandeira da série de TV”.
Os questionamentos foram estendidos a todos os personagens, afinal eles não estão apenas se perguntando se deveriam pertencer a um time, mas qual é a responsabilidade deles com o mundo. “Eu sentia que os filmes de super-heróis ou eram um pouco niilista ou muito limpinhos. Eu queria mostrar a ideia de que ser um herói é algo a maior do que ter superpoderes.”
O resultado é uma megaprodução de US$ 220 milhões e uma história de ares épicos, contada em 2h22 minutos. Para se ter uma ideia, o primeiro corte do filme tinha três horas de duração e Whedon pretende resgatá-lo em algum lançamento futuro em Blu-ray. Entre as cenas cortadas, há o reencontro do Capitão América com uma versão idosa de Peggy Carter (Hayley Atwell) nos dias de hoje.
Com o sucesso do filme, já se fala em uma continuação. “Eles já mencionaram”, revelou Whedon. “E eu já disse que não o faria nem em um milhão de anos, porque fiquei exausto com este”, disse. “Mas ele estão falando muito sobre isso, agora que sabem que eu não estraguei tudo”.
Tanto não estragou, que a Fox já está correndo para lançar mais filmes com grupos de super-heróis. Além de preparar a continuação de “X-Men: Primeira Classe”, o estúdio começou a desenvolver um filme sobre outro time, “Os Novos Mutantes”, e pretende recomeçar a franquia do “Quarteto Fantástico”. Diante disso, a Warner não poderá continuar de braços cruzados. Apesar do fracasso de seu “Lanterna Verde”, o lançamento de um terceiro “Batman” e o reboot de “Superman” podem servir para o estúdio finalmente aprovar a produção do filme da “Liga da Justiça”. Com Joss Whedon, os super-heróis voltaram a ser o carro-chefe da indústria cinematográfica.
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