Por Milena Azevedo - GHQ
Uma convenção de quadrinhos realizada e sediada dentro de uma escola de artes, durante um feriado. O que parecia ser algo modesto ganhou projeção via twitter, culminando num evento aconchegante e bastante diversificado, mas que ficou pequeno para a glomeração de fãs e quadrinistas que ocuparam as casas 1 e 2 da Quanta, nos dias 21 e 22 de abril.
Foram dois dias intensos com palestras, debates, workshops, aulas-demonstração e lançamentos de quadrinhos, com artistas top, como Laerte, Gabriel Bá, Fábio Moon, Renato Guedes, Greg Tocchini, Lélis, Spacca, Rafael Albuquerque, Rafael Grampá, Gustavo Duarte, André Dahmer, André Diniz, e o idealizador e consultor do evento Rafael Coutinho. Também teve espaço para os independentes venderem seu material, divulgando seus trabalhos, bem como as editoras Devir, Leya/Barba Negra, Zarabatana e Conrad estavam com alguns títulos à venda por lá.
Com a limitação de cada pessoa só poder participar de duas atividades, muita gente, assim como eu, ficou querendo mais. Embora comprar HQs, trocar ideias e pegar sketches com os artistas, entre as atividades, tenha feito o tempo passar tão depressa que quase deixei passar a palestra com o Paulinho Caruso (sim, o filho genial do Paulo Caruso). Até porque no sábado teve o lançamento de Bukkake, do Pedro Franz, mais um título do projeto 1000.
A palestra Quadrinhos e Cinema, que seria proferida pelo Paulinho Caruso e por Heitor Dhalia (que foi substituído por Pepe Siffredi e depois por Marcelo Mesquita), com mediação do Marcelo Hessel (Omelete), foi maravilhosa. Primeiro porque eu não conhecia o trabalho de nenhum dos dois, e segundo porque eles são profissionais de mão cheia e adaptaram HQs curtas do Laerte e do Coutinho, respectivamente, exibindo trechos para a plateia. O Paulinho primeiro apresentou a HQ Penas e em seguida contou como foi o processo de adaptação da mesma em um curta live-action, falando sobre as escolhas que teve que fazer para não perder tantas elipses – figura de estilo própria da linguagem dos quadrinhos -, mostrando alguns story boards e afirmando que os mesmos não são um produto acabado, e sim o princípio para a finalização de uma ideia. Já o Marcelo, que tem uma experiência sólida como montador, co-dirigiu com o Siffredi a adaptação (também um curta live-action) de uma série de HQs curtas, bem antigas, chamadas Fim, feitas pelo Rafael Coutinho. O debate com a plateia foi curto, mas intenso, focando sobre a construção do roteiro e questões técnicas referentes aos pontos de virada da trama, que precisam ser precisos no cinema.
No domingo chegou a vez do debate mais esperado (e o primeiro que teve todas as vagas preenchidas), intitulado pomposamente de Como trilhar a estrada de tijolos amarelos até OZ, com os editores André Conti (Cia. das Letras), Lobo (Barba Negra) e Douglas Quinta Reis (Devir), tendo Daniel Werneck como mediador.
Muitos aspirantes a quadrinista estavam ávidos para saber como deveriam proceder para apresentar suas ideias às editoras. Os editores começaram dizendo que na verdade eles é que estão de olho em nós. Falaram que por indicação de outros quadrinistas e por trabalhos expostos em blogs (eles também olham a frequência com que o artista posta no blog, pois isso indica se é alguém comprometido com o que faz) e no Facebook, já dá pra fazer uma triagem legal. Quem quiser também pode enviar projetos com argumento e/ou roteiro (pronto ou em andamento) com raffs ou algumas páginas desenhadas. Mas, atenção, a dica foi para enviar histórias curtas, em torno de 10 páginas, nada de megassagas e nem algo do tipo “o novo Harry Potter”; e super-herois moldados em figuras do folclore brasileiro também estão totalmente fora de questão (periga até eles marcarem seu e-mail como “maldito”).
O André Conti lembrou que por a profissão exigir a leitura de muito material ruim, os editores são calejados, e sabem separar o joio do trigo. Afirmou que quando um projeto salta aos olhos e há grande potencial de venda do material, eles agarram com força. Tanto que a Quadrinhos na Cia. e a Barba Negra estão para lançar, em 2012, em torno de 10 a 15 álbuns de HQs nacionais e estrangeiras (entre elas Habibi, do Craig Thompson, e Invasão, do Gustavo Duarte), e a Devir por volta de, pasmem, 60 títulos.
Uma outra dica dada pelo Conti e pelo Lobo foi que os quadrinistas precisam saber ler contratos e valorizar seus trabalhos, pois cada contrato é praticamente moldado especificamente para cada projeto. Negociação é a palavra-chave.
Quanto à publicação de material estrangeiro, todos disseram que há uma porção de títulos que gostariam de publicar no Brasil, mas precisam convencer primeiro seus chefes, e depois há a negociação com os agentes dos artistas ou os próprios artistas. Detalhes como a escolha da capa podem até dificultar o lançamento da obra, como Conti citou o caso do Meta Maus, do Art Spiegelman, que não abre mão da capa com o “furo no meio” (simbolizando um olho), para mostrar o cd que acompanha a edição, mesmo sendo explicado a ele que encareceria demais o material. Conti também falou sobre quão trabalhosa e arrastada foi a negociação para a publicação de Persépolis, da Marjane Satrapi, pois seu antigo agente português só atendia ao fax tipo uma vez na semana e demorava demais pra dar retorno. Já o Lobo disse que foi um prazer publicar Cicatrizes, e como o David Small vibrou com a capa brasileira.
Na tarde do domingo André Diniz deixou à venda alguns exemplares de seu mais novo trabalho, a adaptação de O negrinho do pastoreio, que acabou de sair pela editora Ygarapé. Pena que não o vi, mas levei a HQ pra casa.
A primeira edição da Quanta Con não deixou a desejar. Tudo começando e terminando dentro dos horários estabelecidos. A organização foi perfeita, com o pessoal de apoio registrando todas as atividades, controlando a entrada dos inscritos, que recebiam de imediato seu crachá (os acompanhantes recebiam crachás de “visitante”, e cada crachá tinha cores diferentes, facilitando o gerenciamento de quem estava circulando pela Quanta). Antes de cada atividade, era conferido o nome de quem havia feito a reserva antecipada; caso sobrasse vaga, aqueles que estavam por lá poderiam entrar.
Quem pecou mesmo foi a “grande” imprensa paulistana especializada em cultura pop, que subestimou o evento. Os jornalistas especializados que estiveram por lá foram ministrar palestras e intermediar debates, como Sidney Gusman, Paulo Ramos e o pessoal do Omelete, que já haviam feito sua parte da divulgação. Uma lástima.
Abaixo uma galeria com alguns momentos da 1ª edição da Quanta Con.
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