Por Pipoca Moderna
Quando assumiu a direção de “Os Vingadores”, Joss Whedon tinha em suas mãos uma tarefa literalmente heroica. Lidando não apenas com uma horda de fãs de quadrinhos e cinema ansiosos por um longa que finalmente unisse os principais super-heróis da Marvel, o diretor e roteirista, quase sem experiência cinematográfica, tomou para si a responsabilidade de finalizar um projeto planejado ao longo dos últimos cinco anos, ao custo de centenas de milhões de dólares e com uma expectativa de sucesso crítico e comercial de níveis estratosféricos. Um desafio digno de saga épica de quadrinhos.
Com as imagens projetadas na tela, todas as dúvidas se dissiparam: Whedon conseguiu criar um espetáculo absolutamente arrebatador, não só para levar multidões aos cinemas, mas para ser considerado o melhor filme de super-heróis dos últimos anos.
Tomando como base eventos ocorridos em “Thor” e “Capitão América: O Primeiro Vingador” (e comprovando a ideia de que estes funcionaram muito mais como prólogos do que como obras independentes), o filme mostra o ardiloso Loki (Tom Hiddleston) em busca do Tesseract – o cubo cósmico utilizado pelo Caveira Vermelha e que ficou no fundo do mar por cerca de 70 anos – com o qual poderá abrir um portal para outro universo e, assim, permitir que uma raça de alienígenas invada e conquiste a Terra.
Sim, o argumento é o mais básico possível. Ao longo dos imperceptíveis 140 minutos de filmes, os heróis serão convocados para impedir a ameaça do meio-irmão de Thor, discutirão, sofrerão uma derrota momentânea e retornarão com toda a força para o clímax.
Ao contrário do que se imagina, porém, a simplicidade do argumento principal é o que permite a Joss Whedon estruturar um roteiro (escrito em parceria com Zak Penn, de “O Incrível Hulk” e “X-Men: O Confronto Final”) absolutamente coeso, mesclando de forma inteligente a ação, a comédia e o drama sem que, em nenhum momento, qualquer um destes elementos surja deslocado.
A estratégia de Whedon para “Os Vingadores” é clara. Ao mesmo tempo em que respeita e reverencia os cânones das histórias em quadrinhos e de personagens com mais de 50 anos de existência, o diretor entende que está fazendo um filme sobre um bando de pessoas vestidas como se estivessem indo a um baile de carnaval, algo que Sam Raimi também soube captar em “Homem-Aranha 2″ – uma combinação de seriedade e auto-ironia que é fundamental para o gênero.
Assim, quando precisa ser épico e imponente, Whedon entrega sequências absurdamente grandiosas, como as cenas com o porta-aviões voador da Shield (local onde se passa boa parte do filme) e o clímax envolvendo a indefectível cena de destruição de Nova York. Por outro lado, o diretor não tem receio em oferecer momentos que caberiam perfeitamente em um desenho animado do Pernalonga – e são várias as citações a desenhos animados – , em especial as cenas envolvendo o Hulk e o pobre-coitado que estiver a seu lado.
A confiança e a bem-vinda impetuosidade de Whedon se evidenciam também na direção dos atores. Lidando com protagonistas de egos obviamente inflados – filmados constantemente de baixo para cima, para evidenciar que se trata de figuras maiores que a vida – , o diretor equilibra com eficiência o tempo e o espaço em cena de cada um, permitindo que o espectador possa curtir e conhecer um pouco mais do seu super-herói preferido, enquanto torce para que a equipe alcance seus objetivos.
Por conta do carisma, do sarcasmo e dos diálogos irônicos e certeiros de Tony Stark (“Shakespeare no parque” já vai virar referência clássica), Robert Downey Jr. acaba, evidentemente, se destacando frente aos outros Vingadores. Mas não chega a tomar o filme para si, graças ao bom desenvolvimento de todos os personagens.
Chris Evans retrata o Capitão América como um homem amargurado e fora de seu tempo, que, aos poucos, perde a patriótica ingenuidade que marcou sua carreira. Mesmo sem super-poderes, a Viúva Negra (Scarlett Johansson) e o Gavião Arqueiro (Jeremy Renner) também garantem bons momentos, seja utilizando suas habilidades como agentes secretos ou lidando com os traumas de seu passado.
Chris Hemsworth, como Thor, mantém o tom arcaico exigido de um deus nórdico, mas isso não o impede de soltar a melhor piada do filme. Mesmo o Nick Fury de Samuel L. Jackson consegue crescer na trama, mostrando que é bem mais do que um simples gestor de equipes – na verdade, um homem disposto a tudo para fazer o que acha certo. Há espaço até para o agente Coulson (Clark Gregg), figurante nos filmes anteriores, tornar-se um elemento fundamental para o andar da trama.
A grande e enorme surpresa, porém, é a estreia de Mark Ruffalo na Marvel, como o doutor Bruce Banner e, claro, seu alter-ego verde gigante – um papel de início ingrato, já que o Hulk havia sido interpretado por Eric Bana e Edward Norton.
Estabelecendo Banner como um homem sensível, de olhar triste e abatido, ciente de que guarda dentro de si uma arma incontrolável de destruição, Ruffalo se torna uma lufada de ar fresco em um ambiente repleto de testosterona. Não por acaso, seu Bruce Banner é responsável por uma das mais emocionantes cenas do longa, quando, antes de se transformar, lança à Viúva Negra um olhar misto de culpa e ressentimento pelo que está prestes a acontecer.
Todo filme de super-herói, claro, precisa de um vilão à altura. Assim,, se em “Thor” Tom Hiddleston perdia-se em meio aos cenários cafonas de Asgard, em “Os Vingadores” ele aproveita a chance de desenvolver seu vilão de forma deliciosamente maliciosa, exagerada (uma diva, como diz Tony Stark), charmosa e cruel – um desafio monumental para os maiores heróis da Terra.
Autoritário, com o olhar sempre firme e movimentos meticulosamente estudados, Loki é, sim, um típico vilão de histórias em quadrinhos. Mas Whedon faz questão de vincular seus planos de dominação a atos realizados por vilões da vida real, como quando este ataca a cidade de Stuttgart, na Alemanha, e é confrontado, justamente, por um velho senhor provavelmente sobrevivente do holocausto. “Não há homens como eu”, diz Loki. “Sempre haverá homens como você”, responde o idoso.
A opção por uma ameaça de origens extraterrestres ou divinas é o que obriga os heróis a juntar suas forças. A união, porém, não é fácil e nem vem de forma pacífica.
O filme é rico em embates que – embora possam parecer simples desvios do roteiro – têm como objetivo reforçar o caráter e a personalidade de cada um. E não falamos aqui somente das lutas – dentre as quais se destacam os confrontos Thor x Homem de Ferro, Hulk x Thor e Viúva Negra x Gavião Arqueiro – , mas das conversas nascidas de desejos, posicionamentos e necessidades diferentes, momentos em que, corajosamente, Whedon despe seus heróis do peso de seus uniformes e os posiciona como seres humanos que possuem, simplesmente, um “terrível privilégio” – ou “uma grande responsabilidade”, conforme o slogan do Homem-Aranha.
Com uma montagem frenética, de dar inveja a Michael Bay, o filme jamais soa como uma aventura na qual se perde a noção do que acontece ou cujas cenas são irremediavelmente confusas.
Ao guardar seu trunfo para a última meia hora de filme, Joss Whedon cria um clímax primoroso, que permite a todos os heróis gastar com créditos a sua cota de coragem e auto-sacrifício. E mesmo que você ache que a Viúva Negra e o Gavião Arqueiro pouco têm a fazer em meio a uma invasão alienígena, fique certo que Whedon também pensou nisso, dando até aos agentes da Shield a oportunidade de brilhar.
Melhor que isso: pela primeira vez, temos o Hulk fazendo o que ele faz de melhor – soando muito mais convincente que suas duas encarnações anteriores – e lembrando, finalmente, o rosto do ator que o interpreta quando em estado normal.
A fotografia de Seamus McGarvey (de “Precisamos Falar sobre o Kevin” e “Desejo e Reparação”) investe em planos abertos e ambientes espaçosos – e tecnologicamente avançados – , com destaque para o edifício de Stark e os interiores do porta-aviões da Shield. Utilizando de forma parcimoniosa a câmera lenta, Joss Whedon ainda encontra tempo para tomadas memoráveis, como o já famoso travelling circular que enquadra os Vingadores no ápice da batalha e o sensacional plano-sequência, mais à frente, que mostra todos os heróis combatendo seus inimigos e colaborando entre si, numa tomada que começa nas ruas da cidade e vai até o topo dos arranha-céus. Uma cena para constar das antologias.
Para completar o pacote, a trilha sonora de Alan Silvestri (de “De Volta para o Futuro”), mesmo que não tenha um tema facilmente identificável, consegue traduzir com eficácia o tom grandiloquente e, ao mesmo tempo, intimista exigido pela produção.
Contando ainda com pontas curiosas como a de Gwyneth Paltrow (“Homem de Ferro”), Powers Boothe (série “24 Horas”), Harry Dean Stanton (série “Big Love”) e, claro, Stan Lee, “Os Vingadores” é uma obra que recompensa satisfatoriamente tanto o espectador ávido por um blockbuster explosivo de ação desenfreada como aquele que busca entretenimento de qualidade, divertido e emocionante. E se há alguém que deve ser reconhecido por esta empreitada, seu nome é Joss Whedon. Ele, muito mais do que o Hulk, realmente arrebenta.
Ah! E como em todo filme da Marvel, há uma cena entre os créditos finais que dá uma pista de quem deve ser o próximo vilão da franquia – e que deve enlouquecer os geeks de plantão.
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